Nem a pau, Juvenal!
Erich Beting
Juvenal Juvêncio viverá hoje o seu último dia na presidência do São Paulo. O eclipse da ''Era Juvenal'' foi feito, como quase todo o período dele à frente do clube, de forma midiática. O dirigente passou os últimos dias de seu mandato concedendo entrevista para a imprensa e rememorando a quase uma década no comando do Tricolor paulista.
Só na última terça-feira, Juvenal passeou de carrinho pelo estádio do Morumbi com Tiago Leifert, no ''Globo Esporte'', da TV Globo, e terminou o dia numa longa entrevista ao programa ''Bola da Vez'', na ESPN Brasil. Antes, já havia aparecido em quase todos os grandes veículos da capital paulista.
Em todas as entrevistas, muitas frases de efeito, grandes tiradas de sarro, momentos que oscilaram entre o folclore e a insanidade… Enfim, nada mais Juvenal.
Só que o fenomenal de toda essa saída midiática de Juvêncio do futebol é exatamente o comportamento da mídia em relação a isso.
Todo esse folclore que cerca o presidente são-paulino é, na sua maior parte, fruto da própria benevolência dos jornalistas no relacionamento com o dirigente. Cartolão das antigas, Juvenal deveria ser espécie extinta num futebol em estágio de semiprofissionalização como o nosso. Não é, nem será, enquanto tiver, na imprensa, respaldo para as atitudes arcaicas de gestão que geralmente acompanham esse tipo de dirigente. Seja a gestão de pessoas, seja a do negócio.
O que você acharia se o presidente da empresa para a qual você trabalha decidisse atropelar a ordem de seu chefe direto e simplesmente te colocar para trabalhar em outro cargo de um dia para o outro? Ou, então, que o deixasse de fora de um projeto sem uma explicação minimamente razoável? Ou, ainda, que chegasse, no meio de uma reunião, e prometesse dar dinheiro para todo mundo se sua empresa ganhasse um novo cliente? Qual grau de profissionalismo existe num presidente que atua dessa forma? Quais seriam as manchetes que um veículo de mídia traria no caso de ter um presidente que agisse assim e, mais do que isso, confirmasse que faz isso mesmo e que só assim a empresa dele vai para a frente?
Juvenal é, em sua essência, um totalitário. Gosta do poder e sabe o que é preciso fazer para continuar com ele. A mídia, nesse jogo, passa a ser o meio de legitimar esse estilo de ser. Nos dois programas de TV pelo qual passou, Juvenal destilou sua habilidade de encantar jornalistas por meio de frases de efeito que geram grandes manchetes, mas empobrecem o futebol.
Respaldado pelos títulos do passado e pelo folclore do presente, Juvêncio deixa o São Paulo, para o público em geral, pior do que quando entrou. O clube contraiu dívidas, piorou a performance esportiva e desfez a equipe técnica que foi um dos segredos da conquista do terceiro título mundial, em 2005. Isso sem falar no golpe do terceiro mandato, algo que não existia no São Paulo e que já havia sido responsável por debilitar seus principais rivais, Corinthians e Palmeiras, no passado recente. Internamente, a gestão foi marcada por melhorias e grandes polêmicas com o associado, que no fim é quem vota e escolhe o dirigente.
A bajulação ao ''estilo Juvenal'' de comandar um clube é, em boa parte, responsável pela corda-bamba em que vive o esporte atualmente. A ironia fina nas entrevistas, o sorriso de falso bajulador com o interlocutor, a frase de efeito que o distancia de uma resposta concreta, mas o aproxima de uma manchete desconexa. Tudo isso faz parte de um jogo de sedução. Ao jornalista, sobra um título polêmico, que rende cliques, vendas e pontos no Ibope. Ao cartola, isso dá popularidade.
Ao mesmo tempo que a mídia condena a truculência das torcidas organizadas, ela se satisfaz com o discurso autoritário de um dirigente, visto como único meio possível de se ''liderar'' dentro do universo do futebol. Sem perceber que uma coisa é reflexo da outra, a imprensa embarca na onda dos Juvenais e deixa o discurso de ''profissionalização'', tão em moda nos últimos tempos, esvaziado pela falta de critério na cobrança de quem está no comando.
Não dá nem para rir das entrevistas de Juvenal. Elas são o reforço do esteriótipo que só tem feito o futebol perder grandes oportunidades nos últimos anos. Enquanto continuarmos a louvar o estilo folclórico dos nossos Juvenais, não poderemos ter discernimento para, por exemplo, criticar a gestão da realização da Copa do Mundo no Brasil.
Juvenal é a personificação do passado ainda presente no futebol.