Neymar, à beira do risco de passar a ser artificial
Erich Beting
O episódio do ''#somostodosmacacos'' não foi o tiro certeiro que deveria. Quando Daniel Alves comeu a banana para tripudiar sobre o torcedor racista, teve uma atitude corajosa e digna. Quando Neymar publicou a foto com o filho, os dois comendo uma banana e viralizou o #somostodosmacacos, a sacada foi da mesma forma inteligente. Não tão agressiva quanto a do amigo de time, mas pareceu o tiro certo, na mídia certa, da forma certa.
Até que veio a revelação de que a foto e a criação da ''hashtag'' por Neymar tinham, por trás, um conceito de criação da agência Loducca, que já cria diversos trabalhos em conjunto com o brasileiro. Quando isso aconteceu, boa parte das pessoas deu uma banana para a história de ser macaco, e passou a desmerecer a atitude de Neymar por ''ser propaganda''.
Como já havia exposto aqui antes mesmo de essa história das bananas premeditadas ter sido revelada, acredito muito mais em sermos seres humanos do que macacos. Racismo é crime, e deve ser punido dessa forma. Se somos humanos, é assim que devemos agir, como a própria NBA deu o exemplo nesta semana ao banir o dono racista do LA Clippers.
Ao tornar o que seria uma ação espontânea em algo premeditado, Neymar faz cair por terra qualquer argumento de autenticidade na história. Foi esse, exatamente, o problema da história envolvendo as bananas. Era uma ação que parecia espontânea, mas se revelou premeditada. E, aí, a sensação de manipulação das pessoas revelou o lado ruim da publicidade.
Fazer uma campanha de publicidade não é nenhum demérito, muito pelo contrário. Ninguém é contra a boa ideia criativa de um publicitário, desde que ela convença as pessoas, não as manipule.
Neymar ganhou fama mundialmente por ser um cara extremamente autêntico. A boa forma como ele conduz suas atitudes dentro e fora de campo moldam o perfil de um ídolo carismático. O estilo do cabelo, a forma agressiva como parte para cima dos adversários, a ''ousadia e alegria'' que ele consegue transformar em símbolo, até mesmo a atitude extremamente madura que mostrou ao assumir a paternidade não planejada…
Tudo o que Neymar faz causa repercussão. Hoje, no Barcelona, é repercussão mundial. Isso é fantástico, motra que ele já conseguiu chegar aos níveis de Cristiano Ronaldo e Messi, mesmo sem ainda alcançar o auge de performance deles.
O que Neymar não pode correr o risco, agora, é de que tudo o que lhe é autêntico comece a parecer artificial. A grande força de um ídolo é a autenticidade que ele representa para as pessoas. É isso que os transforma em mitos.
Num patamar muito mais alto, o que mais decepcionou as pessoas no passado recente com Lance Armstrong e Tiger Woods foi descobrir que os ídolos eram falsos. Armstrong, que vendia a sua pureza nas provas, foi comprovadamente flagrado no doping, mesmo que anos depois de ter se dopado. Woods, que sempre apareceu como um ''cara família'', colocou isso por terra ao ter dezenas de casos extraconjugais revelados.
Num mundo cada vez mais dominado pelo marketing e pela propaganda subliminar, o que mais queremos ter é pessoas que sejam naturais e espontâneas. Nada contra o marketing e a propaganda, mas tudo a favor daquilo que é autêntico.
O ídolo não pode, nunca, ser artificial. Neymar, ao dar mostras de que pensa muito antes de dar qualquer passo, começa a flertar com aquela tênue linha que o separa de ser um exemplo para as pessoas para se transformar num ídolo artificial, com cada passo planejado e pouquíssima autenticidade.
Neymar tem de ser apenas Neymar. Ou Neymar Junior, como ele tem orgulho em ser. Autêntico, natural e, sobretudo, exemplo. Se cada passo que ele der for milimetricamente calculado, por mais bem intencionado que seja, vai parecer ''propaganda'' para as pessoas. Com tudo o que pode existir de aspas nela.