O aviso dos torcedores ao “futebol moderno” europeu
Erich Beting
Quem está acostumado a ler o blog sabe o quanto apanho por aqui por defender a tese de que o futebol precisa se modernizar na relação com o consumidor. A começar pelo fato de chamar o torcedor sempre de consumidor, costumo já levar umas bordoadas. Quando defendo a melhoria dos estádios, a ampliação do conforto, o pensamento diferente da tradição, costumo virar o alvo dos defensores do movimento ''Abaixo o futebol moderno''.
Nesta terça-feira, o jogo entre Manchester City e Bayern de Munique viveu seu momento de protesto contra o ''futebol moderno''. Ingleses e alemães se uniram para vaiar uma das coisas mais legais da Liga dos Campeões da Europa, que é o hino do torneio. Marca registrada da modernização do futebol europeu, a música que traz o indefectível ''The Champioooooooons'' virou o alvo contra a política cada vez mais rígida da Uefa no controle do comportamento do torcedor dentro dos estádios.
Os torcedores ostentaram faixas com o lema ''Respect'', usado pela Uefa em suas campanhas antirracismo. Embaixo da palavra, porém, um cartaz laranja trazia a inscrição ''Fans''. O torcedor, em resumo, pedia à entidade respeito a ele. O movimento, que ganhou força depois que a Uefa proibiu que torcedores fossem aos jogos do CSKA (que está no mesmo grupo de City, Bayern e Roma), é um recado para as autoridades do futebol europeu.
O maior risco do ''futebol moderno'' é, na tentativa de transformar um estádio num ambiente mais amigável para se assistir a um jogo, pasteurizar a experiência do torcedor em acompanhar essa partida de uma arquibancada. Esse é o equilíbrio que, ao que tudo indica, a Uefa não conseguiu atingir. Ao proibir o torcedor de se organizar em grupos, em exigir cadeiras em todos os assentos, em criar barreiras para manifestações mais extremadas de amor a um clube, a entidade torna-se automaticamente uma vilã do futebol tradicional.
Faz parte da história do futebol termos bandeiras, sinalizadores e uniões em grupo. Cabe a seus gestores permitirem que isso exista, mas que não se transforme em foco de violência e desrespeito aos outros. Isso se combate com um extenso trabalho de gestão do público que vai aos jogos. Conhecer o torcedor, saber desmantelar os focos de violência e/ou outros tipos de manifestação. Não é fácil, mas também é o preço que se paga por reunir milhares de pessoas num ambiente fechado.
O que não se pode é pasteurizar a experiência. Há cerca de 15 anos o futebol europeu vive um processo de transformação de seus estádios com o objetivo de melhorar a experiência do torcedor. Cada vez mais as demonstrações no Velho Continente apontam para uma crise de identidade vivida nos estádios por lá. O torcedor não se sente representado dentro de um estádio.
Como sempre digo por aqui, a arquibancada de um estádio é um dos locais mais democráticos do mundo. Nela é possível colocar todas as classes sociais em convívio tendo todos o mesmo objetivo. Um estádio novo é um ótimo ingrediente para dar ao torcedor uma melhor experiência ao ver um jogo. É possível lotear os espaços da arquibancada.
Quem quer ir a um jogo para tirar selfies e ostentar nas redes sociais tem o mesmo direito de quem sempre se acostumou a tomar chuva, sol, sentar no cimento, saber quem é o lateral-direito reserva promessa do time da base, o nome da avó do juiz a ser xingada, etc. O que é preciso saber fazer é criar o espaço para os dois tipos de torcedores conviverem.
Esse é o maior benefício que o ''futebol moderno'' pode trazer para o torcedor. Seja ele o ''moderno'' ou o ''tradicional''. A Uefa precisa, urgentemente, entender seu papel como promotora de um evento esportivo. Seria interessante para os dirigentes europeus conversarem um pouco com seus pares da Bundesliga. A Alemanha é um dos poucos países que soube compreender que tradição e modernidade formam a melhor combinação dentro de um estádio de futebol.