Negócios do Esporte

A sociedade copiou o que há de pior no futebol

Erich Beting

Domingo é dia de clássico. Durante a semana, só se fala nisso. Os times se preparam, as torcidas querem saber quem vai jogar, a mídia fica em cima. Cada declaração é exaustivamente reprisada e minuciosamente estudada. Nas redes sociais, comentários, curtidas, compartilhadas e estraçalhadas mostram que o clima é de tensão.

É impossível entender quem não se manifesta numa hora dessas. É, mais ainda, impressionante como aqueles que estão ligados no clássico praticamente só falam disso, só pensam nisso, só ficam esperando o domingo chegar. No domingo anterior, para deixar tudo ainda mais tenso, teve dirigente provocando o outro pela mídia.

Resultado.

Uma torcida não pode se aproximar da outra. Os amigos, durante a semana, quase não se falam. Ou, pior, se provocam e se xingam nas redes sociais, nas trocas privadas de mensagem pelo telefone celular, que até pode ser smart, mas tem donos que não se parecem tão espertos assim.

Atire a primeira pedra quem, apaixonado pelo futebol, nunca viveu essa situação pouco antes de um jogo decisivo. Esse talvez seja o grande problema que existe do torcedor. O fanatismo é tão grande que ele turva, cega, joga querosene na pólvora do barril que vai explodir.

É esse fanatismo doentio que causa um dos maiores males no futebol. A tal da torcida separada nos clássicos, a pancadaria na estação de metrô, na esquina da rua, na lata do lixo. A paixão cega torna a pessoa manipulável. Turva a razão, esmigalha o bom senso, torna tudo mais explosivo.

No Brasil, parece que no próximo domingo assistiremos a um grande clássico do futebol. O clima de guerra que precede as manifestações agendadas para o dia 15 lembra, bastante, aquele que estragou tanto o futebol brasileiro nos anos 90 e 2000.

Conseguimos, como sociedade, copiar o que de pior tem no esporte. A única coisa que talvez não seja didática no futebol para a vida é a paixão exagerada, cega, que mais destrói do que constrói.

É curioso ver que boa parte da sociedade questiona o torcedor uniformizado, aquele que tatua as cores do time e vai com ele, literalmente, “até morrer”. Mas não percebe que, no debate infindável sobre “coxinhas” e “petralhas”, está separando as pessoas em tribos e voltando a estágios primitivos da vida em sociedade.

Na era em que as redes sociais permitem um avanço da vida em sociedade até para o momento em que não estamos fisicamente reunidos, presenciamos um fato interessante, de aumento da segregação e do ódio entre seres pretensamente racionais e que podem conviver em paz. O cenário turbulento que está instaurado no país é, em grande parte, reflexo dessa Facebookização da sociedade, em que você curte apenas aquilo com que concorda e bloqueia aquele que tem uma opinião contrária.

Não se tolera mais o outro, tal qual a lógica de um torcedor fanático de futebol. Ele não admite que há bons jogadores ou belos jogos no time adversário, que seu time perdeu por ter sido pior, que pode conviver numa boa com o irmão, primo ou cunhado que torce para o outro time.

Um dos maiores males recentes do futebol é que o outro não é tolerado.

Só que nada na vida é #simplesassim. A vida não é preta ou branca. Tem, aliás, muito mais nuances que 50 tons de cinza.

As eleições do ano passado mostraram que a sociedade tem se esforçado para se separar em dois diferentes grupos, mais ou menos como duas torcidas organizadas. No Brasil, desde 1992, foram mais de 200 mortos em conflitos de torcedores que não se toleravam por estarem em times diferentes. Se acontece isso por causa do futebol, o que poderá acontecer entre aqueles que acreditam ser os únicos “defensores” do país?

A sociedade copia o que há de pior no futebol. Domingo é dia de clássico. Uma pena. Deveria ser dia para as famílias e amigos se encontrarem e celebrarem. Ah, claro. E discutirem política e futebol respeitando as diferenças e sabendo que, o melhor, acima de tudo, é poder estar juntos. Mas, infelizmente, parece que queremos transformar a vida em sociedade em algo como mostra o vídeo abaixo…