Negócios do Esporte

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UFC revela a importância de o esporte ser visto como negócio
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Erich Beting

Dana White é um personagem midiático, muitas vezes controverso, mas inegavelmente sua figura é importantíssima para a construção da marca do UFC que levou a liga de MMA a ser vendida no início da semana por US$ 4 bilhões, num negócio que envolveu 2 mil vezes mais dinheiro do que na primeira venda do UFC, há 15 anos.

A valorização espetacular do UFC é reflexo de um pensamento que parece difícil de ser encarado por quem trabalha com esporte: a liga só alcançou esse valor de venda por ter sempre tido a visão do esporte como negócio.

O crescimento do UFC se baseia no princípio de que o evento é muito maior do que a luta em si. Logicamente que o torcedor quer consumir a luta, os atletas, o esporte. Mas o evento que vai envolver essa batalha precisa ser impecável. Ele precisa representar, para quem está em casa ou no ginásio, necessariamente uma experiência agradável de consumo.

Aqui no Brasil o gestor quase sempre está preocupado com o que acontece na disputa esportiva. O olhar, focado exclusivamente para o esporte, desvia completamente o foco daquele que vai estar ao redor da disputa. Não há uma preocupação em atender bem o torcedor. Ele é visto, muitas vezes, como um elemento à parte do negócio, quando justamente é o contrário que precisa acontecer.

Geralmente as brigas mais acirradas que Dana White se envolve têm como motivo alguma insatisfação de atleta com medidas tomadas pelo UFC. Patrocínio coletivo, ranking por desempenho, suspensões ou escolhas de cards de lutas. Você dificilmente vê Dana White tendo de pedir desculpas ao consumidor por não entregar a ele um ótimo produto. Na batalha pelos milhões em bolsas e patrocínios é que geralmente reside a crise de imagem do UFC.

Esporte é entretenimento. E, como tal, precisa entender que é preciso olhar para a gestão de um evento para muito além da disputa esportiva. O gestor precisa assegurar que o conteúdo do esporte seja de boa qualidade, mas não pode desperdiçar toda a sua energia nisso. É preciso se preparar para entregar ao torcedor, à mídia e aos patrocinadores uma experiência de qualidade também.

Não é tão por acaso que quando o UFC deixou de ser um evento pensado pelos espetaculares esportistas da família Gracie ele começou a crescer tanto que, agora, deixou de ser um negócio de US$ 2 milhões com ótimo potencial para um evento de US$ 4 bilhões, de alcance mundial e que, por incrível que pareça, ainda tem fôlego para ampliar o potencial de geração de receitas.

A chave, para qualquer esporte crescer, é olhar todas as pontas do negócio em que ele está inserido. O UFC é o melhor exemplo de como isso é importante.


A 9ine rompeu com o UFC ou ele já não é bom negócio?
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Erich Beting

O pomposo comunicado divulgado pela 9ine ontem, anunciando que “rompia negociações com o UFC” é, na prática, muito mais um jogo de cena do que realmente uma preocupação de negócios da agência presidida por Ronaldo Nazário.

Em fevereiro de 2011, quando Ronaldo se aposentava dos gramados, sua agência dava o grande salto midiático ao anunciar um acordo para gerenciar os contratos de Anderson Silva, que começava a se transformar no grande astro do UFC também para o Brasil.

Nesses anos subsequentes, especialmente até 2013, quando Ronaldo se afastou da 9ine para embarcar no trem do Comitê Organizador da Copa do Mundo, Spider e 9ine faturaram bastante com patrocínios. O UFC, naquela época, tinha a política de permitir aos lutadores ostentarem marcas nos seus calções.

No melhor ano de Spider como negócio, a 9ine gerou cerca de US$ 6 milhões em contratos para o lutador. Nas lutas, os patrocínios que eram fechados pontualmente, renderam aproximadamente US$ 500 mil. O grosso da verba, naturalmente, veio dos acordos de longo prazo, como os assinados com Bud e Nike, entre outros.

O grande negócio para as marcas, naquela ocasião, não era aparecer no octógono, mas poder se aproveitar do prestígio de Anderson Silva para sua plataforma de comunicação. Foi a época em que Spider desafinava no comercial do Burger King, vendia seguros da HDI, lutava em comercial de cerveja, etc.

Qual o motivo, então, para a nova política do UFC atrapalhar os negócios da 9ine?

O UFC vive hoje um momento de reconstrução de marca. Chegou ao fim a era dos grandes heróis e vilões, personalizados em Anderson Silva e Chael Sonnen. Após os escândalos de doping que nocauteou algumas das maiores estrelas do MMA, a liga de lutas tenta se reinventar como negócio.

E isso significa, aqui no Brasil, um vácuo de exposição em mídia. Há quatro anos, Anderson Silva era o rei das aparições na TV entre os atletas. Com a queda do UFC em atrativos para o torcedor, especialmente nos dois últimos anos, os ídolos brasileiros foram desaparecendo da grande mídia.

Após o doping de Anderson Silva, o UFC reformulou completamente sua equipe de gestão no Brasil. Os eventos por aqui vão se tornar mais raros, porém mais atrativos. As ações promocionais nas lutas serão o grande atrativo para as marcas. E os ídolos serão pincelados a partir de pesquisas com o público. A geração que popularizou o UFC pelo mundo e principalmente no Brasil se aposentou, e o esporte passa agora por um momento de reformulação.

Muito mais do que a nova política de patrocínios do UFC, a 9ine sofre com a perda de atratividade do UFC para a grande massa. E isso torna muito mais difícil conseguir realizar fenômenos de mídia e patrocínio como Anderson Silva. A 9ine, assim como diversas outras agências que trabalham com lutadores, sofre muito mais pela falta de bons produtos comerciais do que pela baixa exposição de patrocinadores.

Até porque o próprio histórico de faturamento que a agência teve com Anderson Silva mostra que há muito mais atrativos para uma marca do que a exposição no octógono.


UFC tenta fazer o que Fifa e COI não conseguiram
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Erich Beting

A decisão da 9ine de se afastar das relações com o UFC é apenas mais um episódio envolvendo a atitude tomada em 2014 pela principal competição de MMA, quando anunciou um acordo com a Reebok. A revolta da 9ine é só mais uma. Nos EUA, a gritaria contra a decisão de fazer com que o atleta seja apenas um funcionário do UFC quando está dentro do octógono já é antiga.

Na prática, o que o UFC tenta fazer é algo que nem Fifa, nem COI, conseguiram. A liga de MMA quer fazer com que os direitos sobre a arena de luta sejam exclusivos dela. Ou seja, qualquer marca que for aparecer no octógono só pode se for parte de um negócio fechado pelo UFC.

A maneira radical com a qual o UFC trata o assunto tem explicação. Após a era dos grandes lutadores, o MMA vive hoje um vácuo de ídolos. Saiu a era dos brasileiros liderados por Anderson Silva e dos americanos comandados por Chael Sonnen e entramos num período em que Ronda Rousey é o maior expoente midiático do UFC, que claramente passou a apostar no apelo das lutas femininas.

O ponto é que o modelo de negócios do UFC é completamente diferente daquele que norteia o esporte. Os atletas são funcionários da liga. No período de consolidação do MMA, a geração de receitas tinha um caminho mais claro. O UFC ganhava em acordos de patrocínio e, principalmente, direitos de transmissão e pay-per-view, enquanto os atletas, além das bolsas de luta, tinham como receita os patrocínios pontuais e/ou acordos mais longos.

Só que isso causou um negócio em que o UFC perdia patrocínio para o próprio atleta contratado dele. A propaganda da Renault usando todos os principais lutadores brasileiros talvez seja o exemplo mais claro disso para o Brasil. Em vez de fechar com o UFC, a marca procurou os atletas e fez uma campanha com eles, voltadas para o país.

Agora, o UFC quer coibir exatamente esse tipo de atitude de seus funcionários. Assim, no octógono, apenas as marcas que são dele terão o direito de aparecer. É uma forma de melhorar a entrega para os patrocinadores, de profissionalizar a exposição das marcas e, consequentemente, de embolsar mais dinheiro.

O problema é que a primeira marca a entrar nesse novo esquema foi a de um fornecedor de material esportivo. E, ao fazer isso, a Reebok tirou dos atletas a chance de fechar o acordo que lhes é mais fácil de conseguir. Ao perderem essa fonte de receita, os atletas começaram a chiar.

Agora, sem poder mostrar outras marcas, os lutadores passam a reclamar ainda mais. Tudo, afinal, é uma questão de distribuição de receita. Na história das Olimpíadas e da Copa do Mundo, o artista ganhou a queda de braço. O problema, agora, é que o artista, no caso, é um funcionário contratado do UFC, e não um atleta que chegou até o octógono por índice técnico, em decorrência de seu desempenho esportivo.

A ruptura da 9ine é só mais um capítulo de uma briga que, nos EUA, até agora, tem o UFC como vencedor. O futuro apresenta três caminhos possíveis. A ruptura dos atletas e a criação de uma liga paralela que consiga se tornar um grande negócio como é hoje o UFC, a “vitória” do UFC, com os atletas aceitando buscar parceiros comerciais apenas para fora do octógono, ou então uma via de conciliação, que parece muito pouco provável dado o apetite da Reebok em reposicionar sua marca a partir do acordo com o UFC.


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