Negócios do Esporte

Arquivo : março 2012

A liga que não vai dar liga
Comentários Comente

Erich Beting

Ainda é cedo para pensar em qualquer mudança na CBF num curto espaço de tempo. Até é prudente que, num primeiro momento, não haja mudanças bruscas na organização do futebol brasileiro. Mas a mudança que, aparentemente, deve surgir, é a criação de uma liga de clubes para organizar o Campeonato Brasileiro.

E, do jeito que a coisa está, a liga já nasceria da mesma forma que estava o Clube dos 13: morta.

Com a chegada de Marin ao poder, após duas décadas o futebol no Brasil deixa de ter uma concentração de poder como na gestão Teixeira. Se o ex-presidente conseguiu chegar ao status de Todo Poderoso do futebol nacional foi exatamente por ter acabado, logo no início de seu mandato, com a força dos clubes. Dissolveu o Clube dos 13 e retomou para a CBF o poder de organizar competições.

O que era para ser então uma liga do Campeonato Brasileiro virou pó. O Nacional foi novamente inflado e o C13 passou a ter meramente uma função comercial. Essa, aliás, foi a causa da morte da instituição no ano passado. Ao ser apenas representante comercial dos clubes, ela deixou de ter força. Afinal, nos últimos 20 anos, apesar de a presidência da CBF não ter se alterado, os clubes aprenderam bastante a gerenciar melhor as suas marcas. E, por isso, destituíram o C13 quando ele deixou de ser interessante para negociar contratos de TV.

Há, hoje, grande chance de o poder no futebol ser dividido, como não havia nas últimas duas décadas. O problema é que, enquanto continuarmos com o conceito de que uma liga representa clubes, e não competições, ela estará fadada ao fracasso. Ainda mais quando o maior contrato que uma liga negocia, que é o da televisão, já está comprometido pelos clubes até 2015.

A liga não vai dar liga. E o presidente da CBF, seja ele o Marin ou qualquer outro, vai continuar a ter o poder de tomar as decisões relativas ao Campeonato Brasileiro. Talvez em 2016 as coisas, realmente, comecem a mudar para melhor.


Sarney na CBF e Marin no COL. Melhorou?
Comentários Comente

Erich Beting

Ricardo Teixeira, após 23 anos, deixou a presidência da CBF. Queima de fogos de artifício, comemoração na Avenida Paulista, Feriado Nacional, Reveillón fora de época em Copacabana.

Escolha o que quiser, mas a realidade talvez seja ainda pior do que o passado aparentava ser.

José Maria Marin, como vice-presidente de mais idade, assume o cargo na CBF e acumula também a presidência do Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo. Mas é só questão de semanas para que Marin anuncie que deixará a CBF para Fernando Sarney, o segundo na linha de sucessão.

Já corria, desde a semana passada, entre políticos de alto escalão e o petit comité do esporte, a versão de que as cartas já estavam dadas, acertadas e que era questão de tempo para que fossem anunciadas. Começou nesta segunda-feira com a saída de Teixeira.

Essa é a situação de momento nos bastidores e que claramente pode mudar em questão de dias, como foi o jogo de xadrez primordialmente orquestrado por Ricardo Teixeira durante o Carnaval. Calou-se qualquer voz dissonante com o poder oculto de sempre, chegou-se ao desfecho que já tinha sido previamente acordado.

E nós? Bem, ficamos com a certeza de que nada vai mudar tanto do dia para a noite…


O ciclismo e as cidades. Há solução. Porém…
Comentários Comente

Erich Beting

Na última terça-feira diversos protestos foram feitos em algumas capitais do país contra a morte de ciclistas no trânsito. Na sexta-feira passada foram cinco mortos em cinco cidades diferentes. A CET, em São Paulo, registra a morte de um ciclista por semana (número que representa uma excelente melhora em comparação a 2009, quando eram dois ciclistas que perdiam a vida no trânsito semanalmente). E a discussão, para variar, vira uma gritaria geral de cada lado sem que seja feito de fato um trabalho para mudar a realidade nas grandes cidades brasileiras.

Recentemente fizemos na Máquina do Esporte um mapeamento do mercado de ciclismo no mundo e do Brasil. O estudo mostra que, cada vez mais, uma das alternativas para desengarrafar os trânsitos das grandes cidades é apostar na bicicleta como meio de transporte. E essa também é a grande tendência para marcas e empresas se associarem ao ciclismo. Com o esporte de competição manchado pela divulgação constante de casos de doping, o ciclismo virou uma excelente opção de investimento quando associado a um estilo de vida.

O processo começou em Lyon, na França, em 2004, e rapidamente se espalhou por outras grandes cidades. As prefeituras locais começaram, na marra, a abrir espaço para o uso da bicicleta. Na marra não significa, porém, sem planejamento. Em parceria com empresas privadas, foram traçadas rotas para serem usadas por ciclistas. A relação de ganho é evidente. A cidade cria uma alternativa para ter menos carro na rua, para ter mais gente praticando atividade física e sem precisar gastar dinheiro para isso, já que é a iniciativa privada quem paga a conta. Essa, por sua vez, se beneficia de apoiar uma causa ecologicamente correta, além de se relacionar com um tipo de público extremamente fiel às marcas que apoiam os ciclistas. E, por fim, a população se beneficia em ter meios alternativos para o trânsito e, também, para a prática livre da atividade física.

Esses conceitos, porém, só conseguem ser aplicados quando existe um mínimo de planejamento urbano. No Brasil que se vangloria em ser um dos cinco maiores mercados consumidores de carros no mundo, logicamente o espaço público é, há quase 60 anos, planejado apenas para o automóvel. Sempre a força propulsora da economia representada na figura do carro, com seus planos de 5 anos para pagar e taxas de juros especialíssimas, veio em primeiro lugar nos planos de urbanização.

Mas o próprio caso paulistano desta semana mostra o quão paradoxal é o mercado automobilístico hoje. Não há mais combustível nos postos numa estapafúrdia represália dos caminhões de abastecimento que não poderem entrar na cidade no horário “normal” exatamente por conta da saturação das vias públicas de transporte, abarrotadas de veículos.

É uma autofagia completa.

Uma das soluções seria começar a repensar como as cidades lidam com os meios de transporte. E aí São Paulo e o Brasil poderiam, por exemplo, olhar o exemplo de Bogotá, na Colômbia, que não dissipou todo o caos no trânsito, mas conseguiu implementar centenas de quilômetros de ciclovias em relevo tão acidentado quanto o de São Paulo, oferecendo alternativa para as pessoas.

O problema é que pensar em adotar o ciclismo nas cidades significa incomodar um pouco a indústria automobilística. Claro, o cidadão não é a preferência, mas sim os IPVAs, ICMS e afins que serão pagos em toda a cadeia de impostos ligados ao carro. Solução existe e exemplos em diversas cidades do mundo não faltam.

Porém, mais uma vez, falta cérebro e bom senso a quem tem de definir um plano urbanístico para as cidades. O melhor exemplo é a malfadada ciclofaixa de Moema, bairro da Zona Sul paulistana. Ela é a mostra de quão desleixada é a preocupação das prefeituras em resolver o problema do trânsito, ainda mais para quem não representa a maioria dos consumidores. Para quem quiser tentar entender um pouco do enrosco, segue um bom link para leitura (clique aqui).

Em tempo. O mercado esportivo tem hoje, na bicicleta, a sua maior movimentação de receita. O motivo? A adoção cada vez maior da bike como meio de transporte nas grandes cidades. Quase 15% de tudo o que movimenta a economia do esporte vem da bicicleta.

Já passou da hora de resolvermos esse problema.


O atleta em primeiro lugar
Comentários Comente

Erich Beting

Quem vem antes, o atleta ou o patrocinador? Essa pergunta era aceitável no Brasil há cerca de 30 anos, quando o marketing esportivo ainda engatinhava e as empresas entendiam que, se pagavam a conta, tinham mais direitos do que deveres. Hoje, a coisa mudou, e muito. O marketing é importante ferramenta para alavancar o esporte e, principalmente, aquilo que é essencial, que é o atleta.

Mas eis que, na cerimônia de premiação da Meia Maratona de São Paulo, no último final de semana, voltamos aos primórdios. O atleta simplesmente foi colocado em último plano exatamente no momento máximo de coroação de sua performance, que é a cerimônia de premiação do evento. A Yescom, organizadora do evento, criou uma nova propriedade para o patrocinador da prova, que é uma espécie de “front drop”, ou uma placa de publicidade à frente do atleta.

O detalhe, como é possível ver na foto divulgada pela assessoria de imprensa oficial do evento ao final do texto, é que essa propriedade simplesmente faz com que a marca do patrocinador pessoal do atleta seja “cortada” na maioria das imagens do pódio. Muitas vezes, é claro, o patrocinador do atleta conflita com o apoiador da prova, mas essa é a graça do marketing no esporte, que é permitir que diferentes marcas tenham diferentes propriedades dentro de um mesmo evento, mesmo sendo empresas que concorrem num mesmo mercado.

Mas aí é que entra o perigo dessa novidade da Yescom. Se a moda pega, o que será do atleta? Como será que ele vai conseguir batalhar por patrocínios pessoais se, em todos os eventos, o seu patrocinador pessoal for suprimido por ações dos organizadores do evento. A essência do esporte é o atleta. Sem ele, simplesmente não existe a competição e, também, não existe a promoção dos eventos. Ele está sempre em primeiro lugar, mesmo sendo a parte que menos fatura em toda a máquina do esporte.

Na Inglaterra, uma discussão semelhante toma conta dos atletas que vão disputar os Jogos Olímpicos agora em julho/agosto. O Comitê Olímpico Britânico quer fazer valer o contrato com a Adidas, que exige a todos os atletas vestirem a marca das três listras na cerimônia de pódio. O ponto de discórdia é exatamente o que os atletas irão calçar quando forem receber a medalha. Existe um movimento para fazer com que o britânico que não tiver o patrocínio da Adidas simplesmente entrar descalço no pódio.

Obviamente o patrocínio a atletas é uma forma de marcas concorrentes fazerem emboscada em eventos esportivos. Mas é, também, uma forma de o atleta conseguir aumentar seus rendimentos e, ainda, permitir que mais marcas estejam presentes na indústria do esporte.

O atleta está sempre em primeiro lugar. Afinal, se ninguém mais conseguir correr por falta de patrocínio, o que será da vida de um organizador de provas de corrida? Claro que a hipótese é estapafúrdia, mas a lógica que existe para permitir ao esportista ter o seu próprio patrocínio é exatamente esta. Não adianta pensar no esporte sem pensar, primeiro, no atleta.

Pódio da Meia Maratona de São Paulo
O pódio na Meia Maratona de São Paulo com o “front drop” dos patrocinadores


Algumas questões
Comentários Comente

Erich Beting

Rápida leitura nos jornais de hoje, zapeada pela internet desde ontem, e as perguntas que ficam sobre CBF, Ricardo Teixeira, Sandro Rosell, Alianto Marketing, Copa de 2014…

– Por que a Fifa, que sempre defendeu Teixeira, simplesmente não dá as caras por aqui para mudar o foco da discussão? Sei lá, inventa um fato novo sobre a Copa de 2014 e livra o presidente do comitê organizador do torneio do tsunami que se aproxima.

– Por que Jack Warner, Bin Hamman, Ricardo Teixeira, Julio Grondona e Nicolás Leóz sumiram do mapa suíço nos últimos tempos?

– Por que os presidentes de federações não conseguem realmente ter a coragem de tocar o barco em frente e peitar o chefão que tinha tudo para largar o osso, mas não consegue? Claramente não é questão de ser “vendido”, é mero receio mesmo de sofrer retaliações e perder a bocada em seu estado.

– Por que Rosell conseguiu o patrocínio da Qatar Fondation para o Barcelona pouco depois de assumir como presidente e de ser um dos principais articuladores da vitoriosa campanha do Qatar para a Copa de 2022?

– Por que a mídia espanhola simplesmente ignora o fato de o presidente do time de futebol mais imponente do mundo hoje estar mais enrolado do que o Pepe quando enfrenta o Messi?

Ainda há muitas perguntas, sem dúvida, mas essas são algumas das questões mais elucidativas para tentar explicar o inferno astral que vive por aqui a trupe amaldiçoada na Fifa desde que decidiu criar um grupo de oposição e acabar com o reinado de Joseph Blatter. Talvez isso explique, também, por que a presidência da CBF não tenha tido um novo dono desde ontem.

Nos jogos dos bastidores, a política interfere, e muito, a gestão do esporte. Pelo menos agora o debate sobre o quão enraizado está o jogo político nas entidades esportivas veio ainda mais à superfície. Pode ser indício de uma evolução na forma como o futebol é mundialmente gerenciado. Ou, infelizmente, é só um sinal de que as cartas não são mais dadas pelos cartolas de antigamente.


O problema não é o Mano, é mais em cima
Comentários Comente

Erich Beting

Muito se discutiu nos últimos dias sobre o trabalho (?) que Mano Menezes tem feito à frente da seleção brasileira. A pífia atuação diante da Bósnia gerou uma série de protestos e de constatações, como a perfeita definição de Tostão em sua coluna na “Folha de S. Paulo”, de que Ronaldinho não dá mais.

Só que o problema não é apenas técnico. Ou do técnico. É bem mais em cima, e tem tudo a ver com o que aconteceu ontem na sede da Confederação Brasileira de Futebol.

Mano Menezes está, literalmente, abandonado.

Ricardo Teixeira, seu chefe, é uma espécie de comandante Schettino, deixando o barco à deriva. Ele não se preocupa em saber qual é o projeto para o time brasileiro, mas sim em manter o seu cargo vitalício à frente da CBF e equilibrando os pratos para seguir no comando da Copa do Mundo de 2014.

E aí reside o maior problema para Mano Menezes. O seu trabalho sempre rendeu bons frutos quando tinha um comando eficiente acima dele, seja no Grêmio, seja no Corinthians. Sua preocupação era seguir as determinações do departamento de futebol e cumprir um objetivo estabelecido.

Quando Muricy Ramalho foi chamado para comandar a seleção, recebeu de Teixeira a carta branca para fazer “o que bem entendesse”. Muricy recusou, talvez já escaldado pela experiência recente no Palmeiras, único clube de ponta que dirigiu nos últimos anos e que não tinha um comando superior claro.

Mano está à deriva, sem ter alguém para ajudá-lo a comandar a seleção brasileira. Ele não é o presidente da CBF, é apenas o treinador. Que está abandonado, sem ter um respaldo para as atitudes que toma.

O problema da seleção brasileira não é apenas técnico. É, muito mais do que isso, é gerencial. Não há um direcionamento dentro da empresa. Cada um corre para um lado e atua de forma autônoma.

Isso só funcionaria se, em cada um dos cargos, tivessem gestores preparados para saberem como se comportar como empreendedores. No futebol brasileiro, porém, claramente nenhum treinador tem condição de ser manager. O único que quis se autoproclamar isso mostra, a cada insucesso, como é difícil ter de cuidar de todas as áreas dentro do futebol.

O buraco da seleção é bem mais em cima. Não pode o diretor de RH de uma empresa ser o responsável por formar uma equipe vencedora. Sempre é preciso ter um direcionamento do comando da companhia sobre qual é o perfil que se espera do candidato ao emprego.

Mano carece, urgentemente, de uma direção. Para falar a verdade, o futebol brasileiro como um todo precisa de um norte. Porque está claro, por tudo o que tem acontecido recentemente, que Ricardo Teixeira não conseguiu se preparar este tempo todo para gerenciar algo como a Copa do Mundo.

Ou abre-se mão de ter tudo, ou o futebol brasileiro corre o risco de naufragar justamente quando era hora de submergir e navegar tranquilo em alto mar.