A manifestação popular e o preço que o futebol paga
Erich Beting
Foi bonita a festa feita pela torcida do Corinthians para se despedir dos jogadores que embarcaram na noite de segunda-feira ao Japão. Foi a típica celebração do amor ao clube, à história, ao esporte. Daquelas festas que eu só sei pelas histórias que meu pai contava de dar um jeito de largar o trabalho para ir até a cidade receber o Santos de Pelé, ou o time brasileiro campeão no basquete, lá nos anos 50 e 60.
Só que a festa tem sido demonizada por muitos que se apegaram ao inevitável estrago que é causado ao se colocar 15 mil pessoas eufóricas num espaço que está preparado para receber passageiros no entra-e-sai característico de um aeroporto, com espaço para, sei lá, 5 mil pessoas simultaneamente, e olhe lá.
O fato é que qualquer manifestação popular causa aglomeração e, consequentemente, estragos. É só ver o saldo final de encontros reunindo entidades de classes, mesmo quando o objetivo final não é só protestar.
Mais uma vez, infelizmente, o esporte paga a conta de algo que historicamente foi se transformando na relação entre torcida e polícia. Sempre que há qualquer problema ele é por conta do comportamento marginalizado do torcedor. Nunca se discute a ação dos policiais em ordenar e coordenar a manifestação das pessoas.
Um dos grandes pontos de virada da relação do futebol com a torcida na Inglaterra, tão ou até mais violenta que a brasileira, foi a criação de uma unidade especializada em tratar com os hooligans. Além disso, criou-se uma legislação específica, e dura, contra o torcedor. O resultado, ao longo do tempo, foi uma mudança de comportamento dos dois lados. Torcedores menos violentos quando agem em bando, polícia mais preparada para não tomar uma atitude que cause uma rebelião.
Mais uma vez o que aconteceu em Guarulhos foi fruto do despreparo da polícia brasileira em gerenciar multidões. Seja ela do futebol, da política, da música ou das maria-chuteiras desempregadas. A polícia, como sempre, tratou de atirar e bater nas pessoas para ''dispersar'' a confusão, como se realmente precisasse de tudo isso para pedir às pessoas que fossem embora do aeroporto.
O futebol, porém, continua a pagar a conta, já que historicamente, como falamos aqui no blog sobre a demolição do Olímpico, o torcedor nunca foi colocado como prioridade na relação com o clube. Torcer é muito mais um programa de aventura do que de entretenimento no país. Só que isso causa um problema gigantesco toda a vez que há manifestação de torcida.
A polícia, despreparada, tenta reprimir à força qualquer forma de aglomeração. O torcedor, desesperado e também com más intenções, acaba deixando um rastro de destruição por onde passa, seja fugindo do policial que bate sem perguntar ou entender o que se passa, seja por pura e simplesmente achar que, por estar em grupo, pode fazer o que bem entender.
A quebradeira no aeroporto de Guarulhos foi absolutamente dentro da normalidade, se comparada a diversas outras que já aconteceram quando temos uma quantidade grande de pessoas aglomeradas. Recentemente, uma manifestação política em Porto Alegre terminou no depredamento do Fuleco, mascote da Copa. Da mesma forma que o ocorrido em São Paulo, a polícia foi muito criticada pelo comportamento ostensivo e abusivo que mostrou na situação.
O que o futebol não pode mais aceitar é pagar a conta de algo que não é exclusivo dele e, muito mais ainda, que precisa urgentemente ser modificado no país. Aceitar que policiais abusem da força (como mostrado recentemente no episódio com a torcedora do Coritiba) e tratem o torcedor, em qualquer circunstância, como um marginal, é remontar ao início da década de 70.
Já são mais de 20 anos livres da ditadura no país. Mas, infelizmente, alguns comportamentos seguem exatamente iguais aos da época.