Negócios do Esporte

Conmebol e o “jeitinho” sul-americano

Erich Beting

Morreu um torcedor ontem, aparentemente vítima de um confronto entre torcedores do Corinthians e do San José. Cerca de 12h depois do ocorrido, a Conmebol, entidade que comanda o futebol sul-americano, tinha em seu site apenas um comunicado  reproduzindo a carta enviada ao presidente da Associação de Futebol da Argentina, congratulando-o pelos 120 anos da instituição (leia aqui).

Não é piada.

E talvez seja a melhor forma de os dirigentes do futebol na América do Sul dizerem o que pensam sobre o esporte que comandam.

A morte do jovem em Oruro não causa espanto. Para quem acompanha o futebol desde que se conhece por gente, não dá para dizer que isso nunca iria acontecer. É mais uma, entre tantas outras, que são fruto do descaso de quem está no comando com quem é a razão de o esporte ser tão popular.

A morte em Oruro é fruto de um modelo histórico de que o poder no esporte está dividido numa espécie de confraria de amigos, cuja única preocupação é manter a mesma turma no comando. Quem quiser fazer parte do clube, não pode se opor ao status quo, não pode ir contra o chefe, tem de tomar cuidado ao arquitetar um plano para tomar o poder (Ricardo Teixeira que o diga).

Torcedor? Quem?

Na Europa as coisas são diferentes desde 1985, quando os hooligans do Liverpool mataram mais de 30 torcedores da Juventus numa briga antes da final da Liga dos Campeões entre os dois clubes. O episódio, conhecido como Tragédia de Heysel, mudou para sempre a forma como os ingleses trataram seus torcedores (os violentos e os não-violentos). Para piorar, em 1989, em outro jogo do Liverpool, nova tragédia, com a morte de outros torcedores por superlotação no estádio.

Desde ali, a prioridade passou a ser o conforto do torcedor. O custo, além da morte dos torcedores, foi a saída dos clubes ingleses das competições internacionais. Durante cinco anos, times da Inglaterra não disputaram nenhuma competição internacional. Foi o tempo necessário para que o futebol inglês se reestruturasse, por ordem de governo, para acabar com a péssima imagem que tinha.

O crime em Oruro tem proporção muito menor do que os graves acidentes na história do futebol inglês. Mas, 30 anos depois, é ridículo que ainda tenhamos crimes como esse acontecendo nos estádios.

Esperar, da Conmebol, a mesma atitude que teve a Uefa há 27 anos é acreditar que o futebol mudou muito na América do Sul. Ainda estamos na era do ''jeitinho'', de achar que o importante é ter o poder de comandar a paixão das pessoas, sem entender que essa paixão não pode ser levada ao ponto de matar.

Ir a um estádio de futebol na América do Sul não é um programa, é uma aventura. Isso faz com que os estádios sejam lugares apenas para os fanáticos, aqueles que podem matar ou morrer pelo seu time de coração. O que, claro, não justifica o ocorrido em Oruro, mas que explica o que acontece há tempos por aqui, na Bolívia, na Argentina, no Paraguai, no Chile, etc.

Não se preocupar com o conforto, o acesso ou a segurança de quem vai ao evento esportivo é um mal que corrói o futebol sul-americano. Esperar qualquer tipo de punição, por parte da entidade que comanda o futebol no continente, é acreditar em milagres.

PARA TUDO!

O texto foi interrompido bruscamente. Quando chegava à conclusão dele, a Conmebol divulgou outro comunicado em seu site. Devido ao tráfego intenso de acesso, só dá para ler o título: ''Condolências da Conmebol para a Federação Boliviana de Futebol''.

Pois é. A própria Conmebol já deixa claro o quanto está preocupada com o crime em Oruro ou com o bem-estar do torcedor…