Negócios do Esporte

A arte de desfazer eventos no Brasil

Erich Beting

Terminou em um acidente relativamente pequeno o evento do último domingo, promovido pela Cervejaria Petrópolis e que teve Felipe Massa e algumas outras Ferraris no meio da rua no Rio de Janeiro. Hoje, em seu blog, Flavio Gomes conta um pouco mais sobre o responsável pelo acidente do domingo, um dono de uma Ferrari que não conseguiu controlar a velocidade de seu carro, invadiu a área de espectadores e atropelou quem estava lá para assistir aos carros.

O curioso da história toda é que o ''motorista'' admitiu que havia bebido cinco latas de cerveja. Sim, você não está lendo nada errado. O cara é chamado para um evento reunindo donos de Ferrari, pega o seu carro avaliado em R$ 2 milhões, acelera mais do que deve, não controla o automóvel e, por sorte, não mata ninguém. Se fosse só isso, ok, era só imprudência. Com o fato de ter bebido cerveja, torna-se, pelas leis de trânsito no Brasil, um crime.

O caso é o segundo que envolve donos de Ferrari e acidentes no Brasil durante um evento promocional. Em 2006, no autódromo de Interlagos, a editora Abril organizava o Quatro Rodas Experience, um dia completo de exibição de carros de diferentes marcas, em que as pessoas ''comuns'' podem andar em modelos absurdamente velozes e caros. Naquela ocasião, as Ferraris só eram guiadas por seus donos. À boca pequena, a história que se conta daquele maio de 2006 é que o irmão do dono de uma delas resolveu ''assumir'' o comando do carro, que explodiu ao chocar-se contra o muro. O piloto, naquela ocasião, não estava embriagado, mas também não conseguiu ter controle sobre o veículo por total falta de experiência na direção.

Os dois exemplos revelam a arte que o Brasil ainda cisma em ter de ''desfazer'' eventos.

Culturalmente, somos um povo autoconfiante. Isso gera um outro problema, que é a imprudência. Achamos que somos capazes de fazer as coisas no limite do possível para dar tudo errado. É aquela superlotaçãozinha que não tem muito problema assim, ou então o famoso ''um golinho apenas'' que não o deixará com menos reflexo na hora de dirigir. Ou aquela ultrapassada na correnteza das ondas só para pegar a melhor onda. Ou o ''drible a mais'' só para deixar mais bonito um gol que já era certo.

É algo cultural, que na maioria das vezes não coloca todos em risco. Mas que, logicamente, em determinadas situações torna tudo muito perigoso. Como dirigir uma Ferrari sem ter habilitação para tanto. Ou pegar o carro num evento de exibição em que você tem a permissão de dirigir rápido, mas fazer isso com pelo menos 1 litro de cerveja na cabeça.

Gerenciar eventos é uma tarefa absolutamente árdua. Exige disciplina, comando, controle e, também, intransigência. Você precisa proporcionar entretenimento para as pessoas ao mesmo tempo em que tem de ''cortar o barato'' da empolgação alheia para que o risco do seu evento seja o menor possível.

No fim das contas, quando algum problema acontece, o dano de imagem recairá sobre quem coloca a cara para bater no evento, que quase sempre são os patrocinadores que, por sua vez, são os que mais investem dinheiro num programa do gênero.

Lá de Maranello, a Ferrari deu a licença para que o energético TNT, seu patrocinador, usasse seu piloto e sua marca para organizar um evento no Brasil. Tinha tudo para ser mais um programa que reforça o status da marca pelo mundo. A confiança em quem coloca alguns milhões de euros para ter a marca no carro da escuderia mais tradicional da Fórmula 1 é meio que óbvia.

O problema é que a Cervejaria Petrópolis, dona da marca TNT, não percebeu o tamanho da responsabilidade. Deixou seu evento quase se transformar numa tragédia por total imprudência.

A trajetória da TNT tem como premissa clara repetir ações que foram extremamente eficazes em seu maior concorrente e líder do mercado de bebida energética, a Red Bull. Hoje, a empresa austríaca talvez seja a produtora dos eventos mais emblemáticos no universo do esporte. São ocasiões que chegam a colocar em risco a vida dos participantes, mas que não registram, ao seu final, graves acidentes. A regra que impera nos eventos da Red Bull é simples. Em primeiro lugar vem a segurança. Depois, o show.

O Brasil precisa, urgentemente, deixar de desfazer tantos eventos. Do contrário, o mercado esportivo vai continuar subaproveitado.