Por que o problema não é a Globo
Erich Beting
Quando escrevi há certo tempo que o vôlei tinha de diminuir a dependência de viver de um só patrocinador, muita gente levou a questão para a influência da TV Globo no insucesso de algumas empreitadas das marcas. A velha reclamação é a de que, quando não fala o nome do patrocinador, a emissora desestimula a empresa a investir no esporte.
Nesta semana tivemos um novo exemplo que mostra com clareza que o problema não é a Globo. O técnico Bernardinho deu uma interessante declaração ao jornalista Eduardo Ohata, da ''Folha de São Paulo'', sobre sua situação na multicampeã Unilever e o acúmulo de trabalho com a seleção brasileira masculina.
''Sou patrimônio da Unilever. Vou continuar como técnico'', declarou.
A frase é a síntese de como o vôlei ainda continua a depender de projetos únicos, independentemente de a Globo falar ou não o nome da empresa na transmissão. A equipe da Unilever, por exemplo, é chaamda de Rio de Janeiro não só pela emissora, mas pela grande maioria da mídia na cobertura do vôlei nacional.
Mas para a Unilever, ter o respaldo da Globo é o de menos. Afinal, seu projeto no vôlei começou em 1997, no Paraná, ainda com a bandeira da Rexona. Idealizado por Bernardinho e Ana Moser, a ideia era fazer com que jovens pudessem praticar vôlei e basquete no tempo livre da escola e, assim, poder ter um norte para uma eventual carreira como atleta. A ideia cresceu, virou uma equipe profissional de vôlei extremamente competente e, há quatro anos, passou a ser um projeto institucional da Unilever, não representando mais apenas marcas da empresa, mas a companhia como um todo.
Nesse caminho, Bernardinho tornou-se, como ele mesmo define, ''patrimônio'' da empresa. O sucesso dentro das quadras do seu projeto foi bem apropriado pela Unilever, que a partir daí tratou de fazer de sua equipe de vôlei um exemplo de responsabilidade social da marca e, também, a usar o treinador como porta-voz disso dentro e fora da companhia.
A função de Bernardinho não é meramente treinar jogadoras. Ele representa uma importante bandeira para a Unilever, usando sua habilidade como palestrante e gestor de equipes para motivar os funcionários da empresa. Da mesma forma, sua capacidade de gerar negócios ajudou a levar a Sky, que o patrocinava, a investir na equipe de vôlei.
Com tudo isso, a pergunta que fica é preocupante. O que acontecerá quando Bernardinho deixar esse projeto? Será que a Unilever vai continuar a olhar para a conta que paga e ficar satisfeita? E, quando ela sair, realmente alguém ainda achará que o problema foi a Globo dizer ou não, durante quase duas décadas, o nome da empresa que faz o time?
O vôlei brasileiro tem um diamante que precisa ser só um pouquinho lapidado para construir um produto esportivo praticamente sem restrições para o mercado. Cobertura da mídia não falta, interesse do público jovem, também. Patrocinadores estão à disposição para investir, só não se pode pensar num modelo baseado em investidores únicos para manter toda uma estrutura.
O time da Unilever é uma mostra disso. Em 16 anos de existência, ganhou metade dos títulos nacionais da modalidade. Mas ainda depende da capacidade de liderança de Bernardinho para existir sem muitos percalços no caminho. Imagine se os gestores do clube tivessem, nesse tempo todo, investido na construção de uma estrutura de excelência para construir um clube de vôlei modelo no Brasil, em vez de só conseguir fechar a conta para manter uma excelente equipe profissional?
O problema, sem dúvida, não é a Globo falar ou não o nome da empresa. Afinal, o patrimônio da Unilever não pode ser Bernardinho, mas sim o time de vôlei octacampeão que ela ajudou a construir com a ajuda de um dos treinadores mais vitoriosos do esporte nacional.