O fim do complexo da exportação do pé-de-obra
Erich Beting
Em 2007, um dos grandes especialistas em gestão do esporte no mundo veio ao Brasil para falar sobre como o Barcelona tinha saído do ostracismo ao topo do mundo. Ferran Soriano, então vice-presidente econômico do clube espanhol, esteve no país para contar o que seu grupo havia feito para mudar a gestão do Barcelona e criar o time que encantou o mundo em 2006 e que dali para a frente fez uma história vitoriosa no futebol.
Em sua apresentação, Soriano discutiu como os clubes brasileiros poderiam incrementar suas receitas a ponto de saírem da penúria por qual muitos passavam. Falou sobre a importância da modernização dos estádios e da renegociação do contrato de TV. Ali, também, Soriano levantou uma hipótese polêmica. Com a Europa vivendo o auge econômico, sem crise, e o Brasil ainda longe de um maior crescimento econômico, o executivo defendeu que os clubes brasileiros deveriam, sim, pensar em vender jogador para aumentar a arrecadação. Como argumento, disse que somos um formador nato de talentos que o futebol europeu não produz e que, por isso, reporíamos facilmente o atleta negociado, enquanto o caixa do clube teria um incremento considerável com a venda.
Naquele ano de 2007, os clubes brasileiros tinham 37% de sua arrecadação proveniente da negociação de atletas. Foram 851 jogadores exportados durante o ano todo para o estrangeiro. Vender jogador, de fato, representava uma importante receita para um clube.
Hoje, porém, parece que o complexo de exportação do pé-de-obra começa a deixar o futebol no país. Sim, ainda somos o país que mais produz talentos para jogar em outra nação. Mas, da mesma forma, temos os clubes menos dependentes dessa receita para fazer com que o dinheiro chegue aos caixas.
Segundo estudo do especialista Amir Somoggi, publicado hoje na Máquina do Esporte, os 20 clubes de maior receita no futebol brasileiro tiveram, em 2012, a menor dependência da venda de atletas para faturar valores recordes na história. Apenas 14% do total arrecadado pelos clubes foi proveniente da negociação de jogadores (leia aqui).
Vários fatores devem ser analisados para explicar isso. O primeiro, mais latente, é a crise na Europa e o melhor momento econômico do futebol no Brasil. Os clubes com poder de compra viraram raridade no Velho Continente. O segundo fator é o incremento da arrecadação com a TV, fruto do novo contrato com a Globo. Esse aumento deu a 20 clubes uma arrecadação ainda maior. Outro fator é a melhoria da receita com patrocínio, fruto da corrida desordenada das marcas pelo futebol por causa da Copa.
O melhor exemplo para essa nova realidade, é claro, é a permanência de Neymar no Santos. O jogador consegue ficar por aqui graças à geração de receita que obtém pela exploração de sua imagem.
Mas para que o complexo de exportador de pé-de-obra no Brasil acabe, é fundamental que o futebol no Brasil deixe de se ver como vitrine e passe a se ver como produto. Nosso melhor produto não pode ser o atleta, mas sim o campeonato.
E aí é que está toda a fragilidade do modelo de negócios que começamos a querer desenhar para nosso futebol. Sim, os clubes têm arrecadado como nunca. Mas precisará, para conseguir competir com as principais potências da Europa, encerrar o ciclo vicioso de dependência exclusiva da TV e do patrocínio para manter as contas em dia.
A revolução do futebol no Brasil e a consolidação de um campeonato nacional forte, com os melhores atletas atuando aqui depende, necessariamente, da transformação do torcedor em principal fonte de receita dos clubes. Não apenas com o incremento dos programas de sócio-torcedor, mas principalmente com a criação de uma mentalidade de consumo no torcedor e no gestor do clube. O foco da comunicação tem de ser o torcedor e seu vínculo emocional com o time para o qual ele nutre sua paixão. Isso passa pela melhoria de estádios, pela maior oferta de produtos para consumo, pelo fim da relação de amor irracional da torcida com o time.
Enquanto isso não for atingido, os principais jogadores do Brasil continuarão a preferir jogar na Europa. Por lá, sem dúvida, o pé-de-obra ainda é mais bem tratado.