O duelo Fifa x Corinthians e o dilema da Copa
Erich Beting
O Corinthians decidiu aderir ao ''toma lá, dá cá'' com a Fifa. Depois de Jérôme Valcke criticar o atraso nas obras de estádios, a diretoria alvinegra soltou um comunicado dando um basta nas insinuações do secretário geral da Fifa (leia aqui). O roteiro não é nenhuma novidade para quem acompanha as quedas de braço entre país anfitrião e dono do evento desde, pelo menos, 2006.
Na Alemanha, em 2006, as críticas eram feitas pela população sobre o controle absoluto da Fifa sobre o evento. O famoso ''não pode'' que a entidade instituía feria o ego alemão. Joseph Blatter, invariavelmente, respondia com uma frase-padrão: ''A Copa do Mundo é da Fifa. Ela apenas acontece na Alemanha'', o que irritava ainda mais o país anfitrião. Como havia assinado a tal carta em que aceitava todas as condições que a Fifa exigia para ceder o direito de abrigar seu mais nobre evento, o governo alemão com um sorriso contrariado tinha de engolir as falas de Blatter.
Veio, depois, a África do Sul. Com redução no número de sedes no meio do caminho, com atrasos e superfaturamento de obras, com redimensionamento do ''legado'', com estádios sendo inaugurados praticamente no dia do jogo que receberia do Mundial. Mais uma vez, os meses antecedentes ao evento foram de declarações apreensivas, pressão abusiva da Fifa e da mídia europeia, receosa do que viria a ser o evento no ''selvagem'' continente africano.
E agora chegou a vez do Brasil. Aqui, o discurso ainda não está tão agressivo. Por enquanto, a Fifa só tem dado recados brandos, com a expressão ''chute no traseiro'' disparada por Valcke tempos atrás sendo a única exceção. Como a frase não foi nem um pouco digerida pelo governo, a Fifa diminuiu a carga em relação às críticas sobre os atrasos.
Só que, nessa história, não existe mocinho ou bandido.
O tal legado da Copa no Brasil virá em forma de conta a se pagar e alguns projetos pavorosos de utilização dos estádios pós-Mundial. E isso tem muito a ver com a incompetência do país e da Fifa em gerenciar o evento. E isso, agora, torna-se fatal.
Desde o começo não sabíamos qual era o objetivo que queríamos atingir com a realização do evento por aqui. Falha do governo e da Fifa, que optou pela escolha do Brasil como sede por conta da politicagem de promover o rodízio de sedes pelos continentes. Sem saber o propósito da Copa no país, não montamos um plano de ''montagem'' do evento.
Um exemplo que deixa isso claro é a própria escolha da cidade de São Paulo como sede. A princípio seria no Morumbi reformado, depois mudou de local, aí passou a ser no novo estádio do Corinthians, e agora quem sabe, talvez, a sede migre para outra cidade.
Se tivéssemos um plano para o Mundial, saberíamos o que esperar do jogo de abertura do evento. Onde seria, o propósito de fazer naquela cidade, a história que seria passada ao mundo a partir disso, etc.
Depois, a lenga-lenga em definir as sedes da Copa atrasou em mais um ano o planejamento das cidades. Com isso, demoraram-se os prazos para licitações, dificultaram-se os processos licitatórios por conta de eleições e, enfim, chegamos a absurda posição de começar a construir a estrutura para o Mundial apenas no anos seguinte ao da Copa na África do Sul, quando três anos e meio antes o Brasil já tinha sido escolhido como sede do evento.
Tivéssemos, desde lá de trás, montado um planejamento estratégico para o Mundial, e começaríamos 2013 já em pleno clima positivo, com os estádios prontos, a população esperando receber a Copa das Confederações e o noticiário sendo muito mais voltado para o início do evento do que para as dúvidas em relação à entrega dos equipamentos esportivos. Isso sem falar nas propaladas obras de melhoria de infraestrutura urbana que sequer saíram do papel ou que, pior ainda, começaram e brecaram por diversas razões.
A pouco mais de um ano da Copa, o duelo Fifa x Corinthians é nada além do que a síntese do dilema da realização da Copa do Mundo no país. Ainda não sabemos o que queremos com a realização do evento no Brasil, por mais absurdo que isso possa parecer. Agora, sem o objetivo definido, a batalha é por colocar o evento em pé. Afinal, contratualmente, o governo brasileiro nos comprometeu com isso.
Mas é no mínimo conveniente para a Fifa cobrar rapidez nas obras se, há cinco anos, ela não ficava no pé do país para agilizar a escolha das sedes e exigisse o mínimo de comprometimento do governo em fazer o evento acontecer. Afinal, a dona da Copa, como sempre gostam de dizer seus dirigentes, é ela.
E o Corinthians, também, não pode reclamar em dizer que faz um favor em ser a abertura do evento depois de ter tomado para si essa responsabilidade. Não quisesse fazer o estádio para a abertura do Mundial, então definisse isso desde o início.
Essa troca de farpas é apenas mais um capítulo do ''puxadinho'' que se tornou a Copa no Brasil.