Negócios do Esporte

O real legado da Copa do Mundo

Erich Beting

Começa a respingar na Copa das Confederações a onda de protestos que toma conta do país. Os episódios de vandalismo contra alguns ônibus da Fifa em Salvador, onde Nigéria e Uruguai se enfrentaram na noite de quinta-feira, deixaram assustados aqueles que estão trabalhando com o evento e, mais ainda, executivos de empresas patrocinadoras.

O clima de insatisfação das pessoas nas ruas, que têm feito com que a maioria decida ir para a região dos estádios reclamar contra o gasto desproporcional para a Copa do Mundo, começa a criar um clima de insegurança que pode comprometer a própria gestão do torneio.

É muito improvável que a Fifa encerre a Confederações, mas já está claro que deverá pedir mais segurança para a Copa do Mundo no ano que vem.

O reflexo dessa insegurança, porém, começa a aparecer. Nos últimos dias, patrocinadores viram clientes recusarem convites para assistir a alguns jogos. A delegação italiana formalmente já pressionou a Fifa. Além disso, quem trabalha para as marcas está cada vez mais temeroso com relação a andar pelos entornos dos estádios.

Com o clima de insatisfação dos brasileiros numa crescente, a Fifa tem se tornado um alvo fácil. E talvez isso até seja bom.

Que fique claro, protestar contra a entidade não é exclusividade da Copa no Brasil. Em 2006, na Alemanha, fui abordado por torcedores em duas ocasiões por estar portando a credencial da Fifa, que ficava no pescoço como uma espécie de segunda pele durante os 40 dias trabalhando no torneio para o BandSports.  Em ambas, virei o jogo a meu favor quando critiquei a ''frase-mantra'' de Joseph Blatter, de que a Copa era da Fifa, e que ela apenas acontecia na Alemanha.

A insatisfação fazia parte de um povo cético em relação aos benefícios da organização do torneio em seu país. Durante todo o processo pré-evento, a Alemanha criticou, e muito, o poder da Fifa sobre algumas decisões que, na realidade, cabem à população local. Foi por isso, por exemplo, que o estádio Olímpico de Munique não foi alterado, e a população local escolheu, em plebiscito, construir um novo local, sem investimento de dinheiro público. Dali surgiu o projeto que resultou na Allianz Arena.

No caso do Brasil, como bem disse o zagueiro corintiano Paulo André, é muito provável que o maior legado da Copa do Mundo seja o início da conscientização das pessoas de que temos de nos mobilizar para evitar que quem esteja no comando faça o que bem quiser em benefício próprio. No caso da Copa, a revolta contra a Fifa tem total sentido, já que pagamos uma conta que teoricamente não deveria ser nossa, mas que por falta de mobilização das pessoas, acabou se tornando.
Infelizmente agora é tarde para mudar o curso do que foi a gestão da Copa do Mundo no país. Mas sem dúvida que todo esse momento de instabilidade pelo qual passa o Brasil pode ter como reflexo exatamente essa maior maturidade nossa como nação com maior poder de crítica.
Só assim é possível manter um estado democrático e, mais do que isso, evoluir como sociedade.