A sábia decisão do Flamengo sobre o uso do Maracanã
Erich Beting
O Flamengo bateu o pé e não aceitou o acordo oferecido pelos gestores do Maracanã para usar o estádio pelos próximos 35 anos. Mesmo que não saibamos os detalhes que estavam envolvidos no negócio, o fato é que o clube tomou uma atitude rara no futebol, que foi a de pensar no cenário de médio e longo prazo antes de tomar uma decisão imediatista.
Uma das coisas que mais vai mudar no mercado do futebol brasileiro nos próximos anos é o comportamento do torcedor e sua relação com o estádio. As novas instalações esportivas vão certamente incentivar o público a ser mais exigente quando vai a um evento. Da mesma forma, a melhoria nos serviços oferecidos aos consumidores vai proporcionar um aumento de receita e até mesmo uma alteração no tipo de torcedor que vai a um estádio.
Prova disso é que as partidas realizadas em novos estádios já neste Brasileirão levam em média mais gente aos jogos e são as que possuem a melhor bilheteria. Mas por quanto tempo esse cenário permanecerá assim? E como será o comportamento do torcedor pelos próximos anos?
Essas são algumas das questões fundamentais que precisam ser respondidas em breve pelo futebol no Brasil. E, para saber as respostas, somente descobrindo na prática. Outro ponto que é fundamental dentro da recusa flamenguista por um acordo de longo prazo com o Maracanã é o veto ao clube em obter parte da receita com a comercialização de camarotes no estádio.
Projetadas no “Padrão Fifa”, essas arenas são concebidas para terem, nos espaços de luxo, sua maior fonte de receita. Geralmente a proporção é a seguinte: para 15% de assentos no estádio, as áreas Vips reservam cerca de 60% da receita com bilheteria. Sendo assim, para o clube é um péssimo negócio abrir mão dessa fatia tão importante na geração de receita.
Com certeza o Fluminense verá, com o pacote fechado no Maracanã, a maior receita de sua história com a bilheteria. Mas será que isso é motivo para um acordo de 35 anos com o Consórcio Gestor do estádio?
Assim como aconteceu na Europa nas duas últimas décadas, a relação dos clubes com seus estádios deve mudar radicalmente no Brasil. A receita com bilheteria passará a ser parte muito importante do total arrecadado pelas equipes. Mas esse mercado deve levar, assim como o da Europa, cerca de cinco a dez anos do uso das novas instalações para se equilibrar e encontrar um caminho.
Nesse sentido, o acordo do Flamengo com o Maracanã faz muito mais sentido, por permitir ao clube mudar a relação com o estádio conforme o andamento do mercado brasileiro. Na Itália, essas mudanças levaram a Juventus a demolir o estádio herdado da Copa do Mundo de 1990 para fazer um novo. Só assim a equipe conseguiu passar a competir em igualdade com os rivais da Inglaterra, que modificaram suas instalações esportivas ainda no fim dos anos 90, começo dos 2000.
O mercado brasileiro vai mudar bastante com os novos estádios. E os clubes que pensarem só na oportunidade do curto prazo poderão ser engolidas no final.