O preço do ingresso e a forma errada de o esporte se vender
Erich Beting
Gerou muita discussão no meio esportivo a decisão da diretoria do São Paulo de baixar substancialmente o preço cobrado pelo ingresso para as partidas do clube no Campeonato Brasileiro. De um lado ficou a ala extremamente contra a medida, argumentando que reduzir para irrisórios R$ 10 o tíquete (e, pior ainda, R$ 2 para o sócio-torcedor) era um tremendo golpe na marca do clube. Do outro, ficaram aqueles que olham para a modernização na gestão do futebol como o maior golpe em direção à elitização dos estádios.
Como quase sempre acontece, os dois lados extremistas têm parte da razão e, ao mesmo tempo, nenhuma.
A decisão de abaixar o preço do ingresso para tentar levar mais gente ao estádio e, assim, empurrar à força o time para cima da tabela é prática mais do que comum no futebol brasileiro. Com o time mal, diminui a vontade do torcedor de ir ao jogo. Naturalmente, cai a arrecadação na bilheteria.
Mas a preocupação são-paulina, nesse instante, não é com dinheiro. O fundamental é o desempenho esportivo do time. Daí a própria tese de que baratear o ingresso é uma afronta à marca do clube ser boa, mas sem fundamento. Afinal, um rebaixamento para a Segunda Divisão traz muito mais dano à imagem do que baratear o valor pago para consumir esse clube.
No fundo, no fundo, o que o São Paulo faz é atuar conforme a lei da oferta e da procura, que rege o capitalismo desde a Revolução Industrial inglesa nos 1700 a 1800. Sem ofertar um bom desempenho em campo, cai a procura do torcedor. Com o preço lá no chão, mesmo que o produto não seja dos melhores, o público vai.
E isso ficou provado já na quinta-feira, contra o Atlético-PR. Com uma temperatura próxima do 5°C no estádio do Morumbi e num horário pavoroso para o trânsito paulistano (19h30), foram 25.827 são-paulinos ao estádio. Antes, em seis jogos no mesmo Morumbi, o São Paulo havia levado 51.319 pessoas. Ou seja, em uma partida com ingresso barateado, tivemos o equivalente a 50% do público de outros seis jogos.
No quesito arrecadação, obviamente, o desempenho foi menor na média, mas bem em números absolutos. A arrecadação total contra o Furacão foi de R$ 269.012,00. Foi a terceira melhor renda do São Paulo no Morumbi neste Brasileirão. O tíquete médio pago pelo torcedor, porém, foi o mais baixo (R$ 10,42). Nos outros seis jogos em casa no Nacional, o Tricolor havia arrecadado R$ 1,3 milhão, com uma média de R$ 26,70 o valor do ingresso por pessoa.
O que o São Paulo fez foi tomar uma medida radical para tentar ajudar a fazer o time sair da pavorosa situação que se encontra. Se o público não está disposto a pagar R$ 25 por um ingresso, ficou provado que, a R$ 10, ele tem mais disposição de ir até o estádio e, também, tentar ajudar o time.
E é exatamente por isso que também não dá para dizer que a diretoria ''acertou'' ao fazer essa promoção. Não é só o preço do ingresso que afasta o torcedor do estádio no Brasil. Essa, obviamente, é uma das partes da equação.
Mas o maior problema ainda é a forma errada como o esporte se vende por aqui. Evento esportivo é, acima de tudo, uma operação de varejo. O gestor esportivo brasileiro, seja ele de futebol, basquete, vôlei, peteca, badminton ou tênis de mesa, não consegue colocar na cabeça que ele precisa ver o evento que organiza como uma ação de varejo. Ou seja, ele precisa pensar em como promover cada evento para fazer com que o torcedor tenha interesse em ir até lá.
Nos Estados Unidos, cada lugar de um estádio ou um ginásio é visto como um produto numa gôndola de supermercado. O gestor do espaço não pode admitir que aquele produto encalhe no estoque. E, nesse caso, encalhar significa ter uma partida sem que o espaço esteja 100% ocupado. Em abril noticiei aqui a ''crise'' vivida pelo Boston Red Sox, que viu seu estádio não ficar lotado para uma partida de beisebol pela primeira vez após 794 jogos (relembre aqui). Isso, para o gestor do clube, foi um sinal de insucesso. Um dos times mais tradicionais do mundo, o Red Sox tinha como premissa ter sempre o estádio com 100% de ocupação.
A ocupação plena de um evento é a melhor maneira de uma entidade esportiva faturar mais com ele. Afinal, com tanta gente interessada em consumir a experiência de ir ao jogo, é possível cobrar um pouco mais pelo ingresso, seguindo a lei de oferta e procura que rege o sistema capitalista.
Para isso, porém, um jogo precisa ser visto como um produto que é colocado a venda. Ele tem de chegar no ponto mais alto, esgotando-se nas lojas e batendo a meta de arrecadação. Mas alcançar esses objetivos requer muito trabalho. É preciso saber se comunicar com o consumidor, oferecer a ele um bom produto, criar promoções, etc.
O esporte no Brasil nunca se preocupou com isso. A ida do torcedor ao evento esportivo é a última das preocupações que um gestor tem ao administrar uma equipe.
Qual o preço médio que é preciso ser cobrado por um ingresso de futebol no Brasil? Nem na Inglaterra, onde o mercado está muito mais desenvolvido, a resposta para essa questão está clara.
Por aqui, já está claro de que não adianta apenas ter belos e modernos estádios para fazer o torcedor ir ''a qualquer preço'' assistir a um jogo. Obrigatoriamente é preciso melhorar não só o local onde acontecem os jogos, mas o espetáculo em si. O horário de início da partida interfere na ida do torcedor ao evento? E o preço cobrado por isso? A infraestrutura de transporte é outro empecilho? E o momento do time dentro de campo, também interfere?
Enquanto o esporte não entender que é preciso operar com o evento como se ele estivesse numa barraca da feira querendo que o maior número de gente comprasse seus produtos, continuaremos com essa insossa, e inútil, discussão apenas sobre o preço de ingressos. O valor ideal a ser pago quem determina, como sempre foi, não é o dono do negócio, mas quem o consome. Enquanto não se voltar os olhos para os interesses do torcedor, vamos seguir sem resolver o problema.