Cancelamento da Soccerex é a síntese do estranho mercado brasileiro
Erich Beting
Um comunicado oficial em vídeo no qual um executivo inglês tenta se explicar, visivelmente sem graça. Assim se encerra a história da Soccerex, vendida como a grande feira global de negócios no futebol, no Brasil. A edição de 2013, que aconteceria agora em dezembro, foi cancelada após um adiamento e uma mudança de local.
O cancelamento da convenção global da Soccerex é a síntese do mercado brasileiro de esporte. Totalmente dependente do investimento público para realizar grandes eventos, a indústria esportiva ainda não consegue se sustentar pelo setor privado. Prova disso são as contas altíssimas que o setor público está pagando para Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.
A história da Soccerex no país é marcada por uma relação próxima ao governo do estado do Rio de Janeiro e pelo uso de milhões de dinheiro público para colocar em pé o principal evento para a indústria do futebol já feito no país. Desde 2010, era o governo do estado fluminense o responsável por bancar a estrutura para a Soccerex, que em ''troca'' garantia a vinda de representantes do exterior para o país, movimentando a economia. Só no ano passado, o custo da montagem da convenção foi de cerca de R$ 15 milhões. Somando-se aos gastos de 2010 e 2011, é bem possível que a conta chegue a quase R$ 50 milhões investidos ao longo dos últimos anos.
Em 2010, ainda com o espetáculo do crescimento nacional batendo à porta e espantando a marolinha, Márcia Lins, então secretária de Turismo e Esporte do Rio, celebrava o investimento público no esporte:
''Uma série de investimentos acontece. No ano passado, o governo gastou mais de R$ 70 milhões só no esporte, com recursos incentivados, realizando diversos projetos, eventos importantes, como trazer os Jogos Mundiais Militares, estar com a Copa do Mundo, com a Copa das Confederações e Jogos Olímpicos. Neste ano realizaremos a Soccerex, a maior feira de futebol do mundo que acontecerá no período da Copa do Mundo. Enfim, há uma série de iniciativas que planejamos estrategicamente para que possamos aproveitar todas estas oportunidades abertas pela a Copa do Mundo e Olimpíadas'', afirmou Lins em março de 2010.
Hoje, com os protestos batendo literalmente à porta do governador Sergio Cabral, o derrame de dinheiro do contribuinte para bancar uma festa para dirigentes do exterior parecia, realmente, uma aposta arriscada.
Sem o dinheiro do governo, a Soccerex mudou de data e de local. Havia estacionado no Maracanã. Os organizadores, assim, passaram a tentar trabalhar no improviso, manter as contas equilibradas e fazer o evento acontecer mesmo assim. Hoje, a menos de um mês de seu início, os ingleses decidiram dar para trás e passar o vexame de cancelar a feira.
Qual o prejuízo de imagem para o país que esse cancelamento gera?
Sinceramente sempre achei o propósito da Soccerex um tanto quanto inútil em solo brasileiro. A indústria do futebol é pequena e centralizada, não precisando de um evento único para reunir os profissionais e gerar negócios. Como por aqui o mercado ainda engatinha, a feira se tornou muito mais um ponto de encontro no fim de ano do que propriamente um evento para fazer negócios.
Isso pode até ser um erro estratégico de quem achava que a feira serviria para fazer as pessoas ganharem dinheiro ao participar dela, mas há um prejuízo para o Brasil. Afinal, essa desistência dá uma boa mostra de como funciona a indústria do esporte por aqui. Na Inglaterra, berço da Soccerex, a convenção de Manchester tem forte apoio governamental. Mas, por lá, a reunião de empresas para gerar negócios é, de fato, eficiente.
Sem gerar negócios e precisando cancelar a feira em cima da hora, a impressão que fica para o estrangeiro é que, diferentemente do que Pero Vaz Caminha profetizou lá em 1500, no marketing esportivo do Brasil em se plantando, nem tudo dá…
A indústria esportiva brasileira ainda passa por um processo de formação. O mercado ainda tem um comportamento ''estranho'', por assim dizer. A menos de oito meses da Copa do Mundo, a principal feira de negócios de futebol é cancelada por não conseguir ter dinheiro para acontecer. Não deixa de ser incongruente. Mas, sem dúvida, é bastante revelador.
Fazer do esporte uma profissão no Brasil ainda é uma tarefa complexa. A dependência do setor político deixa o mercado absolutamente instável, o que afasta investimento mais consistentes. Por outro lado, o investidor privado, inseguro, raramente monta um plano estratégico tendo o esporte como principal foco. E, assim, o barco segue a maré. Na alta, com mais dinheiro e, na tormenta, procurando o colete salva-vidas. A Soccerex é só mais uma que não encontrou o colete…