Com medo, Rio tenta fugir do rótulo de “Capital do Esporte”
Erich Beting
O discurso em 2010 era animador: ''Vamos ser a capital mundial do esporte''. Os planos do Rio de Janeiro eram ambiciosos. Na Copa do Mundo de 2014, a Cidade Maravilhosa já abrigaria o centro de mídia e também, entre outros jogos, a tão sonhada final da competição. A consagração veio em outubro de 2009, quando a cidade foi escolhida para receber os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.
Pronto! O cenário estava armado e, não restava dúvidas, o Rio era a ''Capital Mundial do Esporte''. Assim, com letras maiúsculas cada palavra da frase.
Nesse contexto, vieram investimentos altos do Rio, que passou, tal qual Eike Batista, a querer conquistar o mundo. Fazer a Soccerex custa R$ 20 milhões por ano? Sem problemas! Vamos trazer os principais eventos do esporte para cá, o valor é o de menos! Com esse pensamento, investir para trazer o Oscar do Esporte, reunindo todos os principais nomes do mundo, era algo simples de ser feito. Era só redigir o contrato, passar o cheque no fim de tudo e pronto! Tudo em nome da Capital Mundial do Esporte…
Essa era, mais ou menos, a lógica que permeava a cabeça dos políticos do Rio entre 2009 e 2013.
Até que vieram os protestos no meio do ano passado, no embalo da Copa das Confederações e do aumento das tarifas de ônibus. E eles foram ligados aos dois acontecimentos. E continuaram. A rua da casa de Sérgio Cabral, governador fluminense, virou um transtorno. O sentimento de que a cobrança sobre a prefeitura e o governo não iria mais parar veio à tona.
E mudou, radicalmente, o posicionamento que o Rio de Janeiro tomou em relação a qualquer evento esportivo. Se, antes, o Rio sonhava em ser a Cidade do Esporte, hoje a história é bem diferente. Qualquer investimento além daquele já planejado para os megaeventos está sendo cancelado.
Foi assim com a Soccerex, no fim do ano passado. É agora, a dois meses do Laureus. Está sendo na discussão sobre prover a segurança para o Fan Fest na Copa do Mundo. Outros eventos de outras modalidades, que seriam preparatórios para Rio-2016, já começam a ter condições mais duras de negociação com o Rio.
O problema que acomete o Rio é, basicamente, aquele que faltou para o país em todo o processo de sede dos dois maiores eventos esportivos do planeta. Ao assinar os contratos com Fifa e COI, o Brasil se comprometeu a fazer o evento acontecer, mesmo que não houvesse financiamento privado para eles. Até aí, nenhuma novidade. É assim desde que COI e Fifa endureceram o jogo após verem que tinham uma mina de ouro em suas mãos.
Acontece que, no Brasil, ficamos no oba-oba de que teríamos Copa e Olimpíada e esquecemos de ficar com o devido ''frio na barriga'' de que teríamos de planejar e, principalmente, executar com maestria toda essa história de megaeventos. Os estádios estão ficando prontos quase dois anos depois do previsto. As obras de entorno, que seriam importantes para ajudar na mobilidade urbana já caótica da maioria das sedes, estão uma a uma sendo derrubadas, ou subdimensionadas em relação ao plano original.
O atraso não é de agora. Em 2008, menos de um ano após a escolha do Brasil como sede da Copa, um levantamento da equipe da Máquina do Esporte já mostrava que estávamos mais atrasados que a Alemanha pré-2006 e que, em alguns pontos-chaves, já estávamos atrás da África-2010, que caminhava para fazer do Mundial uma oportunidade perdida para ajudar no desenvolvimento do país.
O cancelamento de eventos que serviriam para promover o Rio de Janeiro para o mundo é mais uma prova de que não conseguimos levar para a prática aquilo que a teoria mostrava ser possível. Faltou, basicamente, conversar com quem fez grandes eventos de sucesso para implementar, da mesma forma, esses conceitos por aqui.
Londres fez isso na pré-candidatura para 2012. Uma equipe designada pelo governo inglês foi a Munique (sede dos Jogos de 1972), Montreal (1976), Barcelona (1992), Sidney (2000) e Pequim (que receberia os Jogos de 2008). Conversou com todos para então montar o plano das Olimpíadas. De Munique, extraiu o conceito do Parque Olímpico. De Montreal, entendeu onde o Canadá errou para ter de pagar, até 2006, a conta dos Jogos de 30 anos antes. Em Barcelona, aprendeu como revitalizar uma área degradada da cidade. Em Sidney, descobriu que, para manter o orçamento em dia, precisaria criar uma lei para evitar a especulação imobiliária. E, em Pequim, soube como fazer um bom marketing promocional do país a partir do evento.
Só a partir disso foi construído o projeto olímpico londrino. Executado com maestria, dentro do orçamento, sem grande desgaste com a população, mesmo com uma grave crise econômica estourando no meio do processo.
Por aqui, não estudamos, não conversamos, não planejamos. E, agora, nos resta como alternativa cancelar.
O Rio percebeu, tardiamente, que não dá mais para ganhar com os eventos. Ou melhor. Até dá para faturar, mas o custo disso está muito alto para correr riscos aparentemente desnecessários. E, nesse contexto, é melhor tentar fugir do rótulo de ''Capital do Esporte''.