Negócios do Esporte

Espanha tenta solucionar problema que ela mesma criou

Erich Beting

O governo espanhol decidiu intervir e assegurar uma divisão menos desigual da receita de televisão dentro do futebol do país. A medida faz parte de um trabalho da liga espanhola para tentar frear a hegemonia de Real Madrid e Barcelona na geração de receitas e que se estende para o resultado dentro de campo (detalhes podem ser lidos aqui).

O fato é que a Espanha tenta solucionar, agora, um problema que ela mesma criou há cerca de 20 anos. Quando o governo espanhol fez vistas grossas para a divisão de receitas dentro do país e estimulou as soberanias de Real e Barça, criou o problema que agora está mais do que claro dentro do futebol espanhol.

Pesquisas feitas no país mostram que o espanhol sente orgulho em ver uma equipe do país ser chamada de ''melhor do mundo''. Mesmo no cenário de rivalidade extrema como Real Madrid e Barcelona, é bom para a autoestima da Espanha ter um time encabeçando a lista dos melhores. Foi a partir disso que o país passou a desenvolver projetos para ter atletas e equipes dominantes em diversas modalidades.

Em tempos de crise, esse é um eficiente anestésico para a população. A Espanha do desemprego a 25% (4,8 milhões de pessoas) é também a Espanha campeã do mundo e da Europa no futebol, de Rafael Nadal e Fernando Alonso, de Barcelona e Real Madrid, do basquete bom de cesta, etc. É contraditório, e tem de ser mesmo. Afinal, o que o governo espanhol fez foi investir e permitir que o esporte criasse seus grandes líderes mundiais, nem que para isso fosse preciso sufocar a geração de mais ídolos e equipes competitivas.

Só que agora essa conta chegou. O interesse pelo futebol espanhol passou a ser o interesse por Barcelona e Real Madrid. Campeões de 9 dos últimos 12 campeonatos nacionais, eles criaram um enorme problema. Não há perspectiva, no médio prazo, de que a bipolaridade vá se encerrar. Este ano, por milagre e investidores estrangeiros, o Atlético de Madri conseguiu entrar provisoriamente na dança e briga pelo título. Até quando é a pergunta que sempre se faz.

Com o futebol mais bem organizado, naturalmente a lógica da bola vira automaticamente a lógica da grana. Pode mais quem tem mais dinheiro em caixa. Há 15 anos, quando os clubes ainda tinham uma gestão semiprofissional, esse cenário era mascarado. Hoje, com Barça e Real gerenciados de forma profissional, fica impossível competir em nível de igualdade. Equilibrar a diferença da televisão é o primeiro passo para tentar modificar essa realidade.

No futebol brasileiro, durante 20 anos de Clube dos 13, a arrecadação de TV, que é a maior fatia do bolo de receita do futebol no mundo, teve uma divisão mais justa entre os participantes. Desde que o C13 foi implodido, essa divisão passou a ser menos igualitária. Ainda temos o ambiente semiprofissional imperando dentro do futebol tupiniquim.

Será que daqui a 15 anos precisaremos baixar uma lei para tentar deixar a divisão de receitas mais justa e o futebol mais atrativo para o mercado brasileiro? Essa análise de cenário que foi inteligentemente sufocada por Corinthians e Flamengo na ruptura do C13 em 2010 precisa voltar urgentemente à pauta.

Mesmo num cenário muito difícil de hegemonia de apenas dois clubes, até por conta da extensão territorial do país, é natural que, com a maior receita sendo dividida de forma mais desigual, tenhamos pelo menos quatro diferentes tipos de disputas dentro do Campeonato Brasileiro. A do título, a da vaga na Libertadores, o bloco intermediário e os eternos ''gangorras''. Isso, para o futuro do esporte, é o pior cenário possível.

Só não ver quem não quer. Ou quem não estuda.