Negócios do Esporte

O problema não é (só) a seleção

Erich Beting

Sai Carlos Alberto Parreira e entra Gilmar Rinaldi. Esse é, pretensamente, o início de uma mudança na seleção brasileira de futebol. E é, também, a prova de que podemos trocar os nomes que forem, mas que nada de fato poderá sofrer alteração.

No dia da humilhante derrota brasileira para a Alemanha, escrevi neste espaço que os 7 a 1 poderiam servir para ensinar o futebol do Brasil que é preciso mudança.

Ao ver as primeiras repercussões sobre a mudança de coordenador de seleções da CBF, fica claro que, mais uma vez, boa parte da mídia simplificou o problema e estamos caminhando para não usar o rolo compressor germânico como espécie de ''cantinho do castigo'' para aprendermos a lição.

O problema não é a seleção brasileira de futebol. Ou melhor. Não é só quem dirige a equipe principal do país ou quem coordena todas as seleções que representam a nação.

O enrosco hoje é o futebol praticado no Brasil.

Quem assistiu aos jogos dos últimos dois dias desta volta garganta abaixo do Brasileirão das Séries A e B vê isso com facilidade. Saiu o futebol coletivo, de velocidade, trocas de passes e algumas jogadas individuais e entrou esse amontoado que costumamos chamar de ''futebol brasileiro''.

Não há Gallo, Rinaldi ou Guardiola que resolva isso só trabalhando na esfera da seleção brasileira. Continuar pregando renovação baseado na premissa de que talentos brotam naturalmente nessas terras e que falta só um bom treinador para dirigir o time nacional é ignorar o contexto em que o futebol está inserido nos dias de hoje.

O exemplo alemão, que virou moda agora com o título mundial, não vem da conquista de domingo passado, mas de um trabalho de médio e longo prazo, que começou com a renovação de todo o futebol alemão.

Entenda-se por todo a cadeia inteira do futebol: atletas, treinadores, dirigentes, comissão técnica, patrocinadores, governantes, jornalistas e, por fim, torcedores. São esses, a grosso modo, os componentes da indústria do futebol.

Não é apenas o técnico que precisa se reciclar no Brasil. A mídia, os patrocinadores, os torcedores, todos precisam rever seus conceitos.

– Os jornalistas precisam aprender a ver jogo de futebol, e não a considerar sucesso apenas o resultado dentro de campo.

– A mídia, que transmite o evento, precisa entender seu papel na formação de um produto de qualidade. É aceitar sentar e dialogar em vez de usar o fator econômico para não perder o poder e manipular o futebol como quer para continuar a pagar pouco por ele.

– Os patrocinadores, da mesma forma, precisam entender que eles também precisam valorizar e melhorar os seus parceiros.

– Os torcedores são aqueles responsáveis por financiar e fiscalizar o bom andamento do futebol. É o dinheiro dele que dói na hora que há uma má gestão de um clube, quando um atleta vai embora, etc. Se ele paga por isso, precisa cobrar também.

E aí entramos na questão crucial, que é a melhoria daqueles que trabalham diretamente no futebol.

Os atletas, a grosso modo, começaram um movimento ainda desordenado, mas importante, de questionamento e enfrentamento. Baseados na experiência que viveram ao jogar no exterior, começaram a pedir melhores condições de trabalho por aqui.

Os dirigentes aos poucos se qualificam, mas raros são aqueles bem preparados que chegaram ao topo da cadeia. Ainda são os mesmos de 30, 40 anos atrás, que dominam e ditam os rumos do futebol.

E os treinadores são apenas o reflexo dessa cadeia empobrecida. Sem a qualificação do todo, como é possível exigir deles um bom desempenho?

As empresas que são líderes de mercado e conseguem manter-se no topo são quase sempre aquelas que apresentam maior capacidade de inovação. São aquelas que não param no tempo, que estão a todo instante se adaptando às mudanças que o mundo impõe.

Por isso, trocar Parreira por Rinaldi não muda nada. Da mesma forma que dificilmente mudaria muita coisa trocar Scolari por Guardiola (no máximo conseguiríamos jogar um futebol mais coletivo).

O futebol brasileiro perdeu sua capacidade de inovação, que é muito diferente de improvisação. Enquanto não estimularmos a inovação, estaremos fadados a tentar viver de lampejos de improviso. Em 2014 ficou provado que isso não resolve mais.