Negócios do Esporte

O atleta precisa deixar de ser espectador do esporte

Erich Beting

O nariz de palhaço usado pelos atletas no vôlei foi a grande imagem esportiva do final de semana no Brasil.

O protesto feito pelos jogadores na Superliga coloca ainda mais pressão para que a cartolagem furada do vôlei se atualize. Com a participação dos principais nomes do país, inclusive aqueles que representam a seleção brasileira, o gesto tem ainda mais força do que aquele do Brasileirão de 2013, feito pelos jogadores de futebol, com o movimento que deu início ao Bom Senso FC.

Os jogadores do vôlei colocaram a CBV numa encruzilhada. Pressionam a entidade a se posicionar, a não deixar a poeira baixar e esperar o escândalo ser esquecido para que as coisas se ajustem. É fundamental, no processo de melhoria da gestão esportiva, que o atleta pense, se posicione, entenda a sua parte na cadeia produtiva do esporte.

Nos Estados Unidos, a classe dos atletas costuma ser bastante ativa. Para o bem e para o mal. Nas últimas semanas, a NBA se viu às voltas com uma situação no mínimo inusitada.

Alguns jogadores começaram a se aquecer para os jogos com uma camisa com os dizeres ''I can't breathe'' (''Eu não consigo respirar''). A frase foi a última dita pelo camelô Eric Garner quando foi imobilizado por policiais nos EUA. O caso, ainda não solucionado, gerou revolta nos EUA, já que a princípio os policiais foram absolvidos. Há a suspeita de o crime ter motivo racial, já que o policial era branco e o camelô, negro. Os atletas que vestiram a camisa eram quase todos negros. Diante do posicionamento dos atletas, a NBA criticou a atitude apenas pelo fato de os jogadores não cumprirem o acordo que os obriga a usarem uniformes com a marca da Adidas, patrocinadora da entidade. Mas não foi além no caso, aplicando punições aos atletas, exatamente para não gerar uma crise de imagem, evitando passar o recado de que é contra a iniciativa.

No Brasil, não estamos acostumados a ver o atleta tomar posição. Ainda reflexo da cultura militarizada do esporte no país, acostumamos a considerar os esportistas apenas máquinas de competir, não de pensar. Essa falta de atitude, muitas vezes, causa um enorme problema. O atleta que não pensa em nada além da performance é facilmente manipulado. E, assim, permite que os dirigentes pratiquem gigantescos abusos sem serem questionados e pressionados pelos atos.

Em entrevista ao UOL, a frase de Murilo, do vôlei, é emblemática (a entrevista completa pode ser lida aqui).

UOL Esporte – Antes das matérias com denúncias contra a CBV você acreditava que isto acontecia?
Murilo – Não. A gente confiava porque…cara, eu estou na seleção há 10 anos, o Ary (Graça, presidente na época dos desvios) já era presidente e ele sempre foi muito de se vangloriar do modelo de gestão que tinha lá dentro. A conquista do Centro de Treinamento de Saquarema. Conquista atrás de conquista e a gente sempre elogiando, brigando junto. Descobrir isso é praticamente como ser traído. A gente sempre ficou ao lado dele, sempre apoiou as decisões dele e na verdade aquele castelo meio que desmoronou.

O atleta que questiona, que pergunta, que se intromete, geralmente é tachado de ''chato''. O posicionamento incisivo dele, porém, é importante para que não se tenha uma geração completamente alienada. Quanto mais questionador o atleta se torna, mais competente precisa ser o dirigente para trabalhar com ele.

O caso do vôlei é a prova disso. Não podemos mais ver a performance esportiva tirar o foco da necessidade de competência na gestão. Desde os tempos de Carlos Arthur Nuzman que o vôlei usou o argumento esportivo para ser visto como exemplo de sucesso. Desde aquela época, porém, o modelo de excelência foi calcado na criação de uma seleção brasileira vencedora, a despeito de nunca termos um histórico sólido de existência de uma liga nacional de vôlei.

Em quase 25 anos de excelência na performance dentro de quadra, o vôlei não conseguiu ser um esporte sólido nacionalmente. Os times que jogam a Superliga não criaram um modelo para sobreviverem sem ser às custas do patrocínio de uma empresa. A cada ano, é sempre um perrengue para justificar o investimento para o ano seguinte.

Se a CBV podia autoproclamava o berço da excelência na gestão, então deveria ter dado aos clubes condições para existirem de forma mais concreta. Mas, pelo contrário, nunca foi feito nada para mudar essa realidade. Não apenas por ''culpa'' da entidade, mas porque atletas, clubes e mídia nunca cobraram da entidade esse tipo de carência. Em 2009, a revista Máquina do Esporte teve como reportagem de capa o vôlei, e o título da chamada era ''Abandono'', mostrando que a Superliga caminhava para a insolvência se o modelo não fosse alterado. A entidade rebateu a reportagem usando os números da seleção como resposta. O problema, porém, sempre foi mais embaixo.

Com o estouro do escândalo no vôlei, é bem possível que os demais atletas comecem a perceber que é preciso se posicionar e ser crítico. Só assim ele poderá ser realmente um profissional do esporte. Quando o atleta perceber que, na verdade, ele que é o dono do show, os pratos da balança vão começar a querer se equilibrar.

O vôlei vai sobreviver ao que aconteceu. E, muito possivelmente, sairá fortalecido dessa situação. Os narizes de palhaço são o indício mais claro de que não dá mais para quem é o artista principal se comportar sempre como um mero espectador da indústria.