Negócios do Esporte

Arquivo : maio 2015

Necessidade faz São Paulo ir para o caminho certo
Comentários Comente

Erich Beting

O São Paulo tem um enorme problema para resolver em relação à maioria dos outros clubes. Há mais de um ano, o Tricolor paulista não tem um patrocinador máster para o uniforme. Isso vai atrapalhando, e muito, as já combalidas finanças do clube, tanto que, no fim do ano, um empréstimo da Under Armour, antes mesmo de começar a vestir o time do São Paulo, já se fez necessário.

Mas, ao que tudo indica, o Tricolor está conseguindo fazer do limão uma limonada. E, assim, vai começando a reduzir a dependência do clube de um patrocinador único, diversificando as fontes de receita e, aos poucos, ajudando a ensinar o próprio mercado a importância que se tem no relacionamento com o torcedor do clube de futebol.

Após os acordos com Gatorade e Copa Airlines, nos quais não está prevista exposição de marca na camisa ao longo do ano de parceria, o Tricolor criou uma ação interessante. Promoverá um fim de semana de jogos de futebol entre torcedores e ídolos do clube, entre eles o goleiro Rogério Ceni (leia aqui).

A medida, segundo o clube, mais do que gerar receita, tem como objetivo mostrar a eventuais parceiros comerciais como o clube pode ser usado como uma plataforma de relacionamento exclusiva para as marcas. Um patrocinador poderia, por exemplo, oferecer esse mesmo tipo de ação para seus clientes.

A ideia é ótima. O clube usa a estrutura que está ociosa, promove um evento para antigos jogadores e, ainda, dá ao torcedor uma oportunidade única de contato com o que ele mais gosta de acompanhar, que é a rotina do time para o qual torce.

Com a Copa do Mundo, as marcas perceberam o valor que existe em criar ações “sem preço” para seus consumidores usando o esporte. Elas viram, como nunca, que há boas possibilidades a serem feitas. O São Paulo, agora, mostra que há caminhos ainda mais interessantes para as marcas, que é usar a paixão do torcedor como combustível para ações que não dependem do jogo, do desempenho do time, etc.

Num futebol que maltrata tanto o produto como o nosso, dá muito mais resultado promover essas ações que não dependem do evento esportivo, mas apenas do vínculo emocional do clube com o torcedor.

Por necessidade de buscar novas receitas que vão além do patrocínio máster, o São Paulo tem buscado o modelo que existe nos Estados Unidos de geração de riqueza para os clubes: apostar em ações de relacionamento da marca com os fãs, sendo o intermediário para isso.

A necessidade tem feito o São Paulo rumar para o caminho certo, em que o clube é uma plataforma de negócios para os eventuais parceiros comerciais, e não um mero espaço publicitário. E isso é uma ótima notícia no horizonte do esporte no país.


Escolha de chefe de delegação escancara o estilo Del Nero
Comentários Comente

Erich Beting

A escolha de um desafeto do governo de Dilma Rousseff para chefiar a delegação brasileira na Copa América é o primeiro gesto mais contundente de Marco Polo Del Nero à frente da CBF, em menos de um mês como presidente da entidade. Depois de prometer tentar barrar a aprovação da Medida Provisória 671, que joga duro contra os clubes em busca de uma renegociação da dívida com o governo, Del Nero mostra que não quer diálogo com o Planalto.

A escolha de João Dória Jr. para o cargo de chefe da delegação é um recado. A função que o empresário e jornalista exercerá em Santiago deve ser muito mais escolher bons vinhos para os jantares dos dirigentes brasileiros do que realmente representar a CBF em reuniões protocolares.

A CBF não precisa de mais patrocínio, ou pelo menos não precisa do bom relacionamento de Dória com o empresariado para conseguir um. Da mesma forma, o empresário não precisa da CBF para ganhar mais holofote, apesar de o futebol sempre ajudar na promoção das pessoas.

A pergunta, que sempre aparece quando se anuncia o chefe de delegação de uma seleção brasileira é exatamente a mesma. Mas, afinal, o que faz tal pessoa?

Nos primórdios do futebol, o chefe de delegação era o cara que deixava tudo mais ou menos ajustado para o time disputar a competição. Ele se reunia com os dirigentes de outras entidades, cuidava dos bastidores e outras necessidades. Com a profissionalização que há hoje, mesmo em se tratando de um torneio organizado pela Conmebol, o chefe de delegação é praticamente uma figura protocolar. Vai a encontros de dirigentes, mas praticamente não participa de nada além de eventos paralelos à competição em si e à rotina da seleção.

Por isso mesmo, tanto faz se irá Dória Jr. ou um cone “chefiar” a delegação brasileira.

Del Nero já havia colocado Walter Feldman, político que era do PSDB e crítico do PT, para ser uma espécie de principal executivo da CBF. Uma de suas funções é usar a influência que tem no Congresso para articular em favor dos interesses da entidade e do futebol com os políticos, especialmente os de oposição ao governo, com quem Feldman tem ótimo trânsito.

Agora, o recado é outro. Dória fez campanha por Aécio Neves nas eleições, promovendo encontro do candidato com representantes do empresariado nacional. A aproximação a alguém “de mercado” é uma forma de mostrar que não haverá brecha para diálogo com o governo também por parte da CBF.

Del Nero traz consigo uma característica que era marcante em João Havelange. Apesar de negar veementemente que futebol e política se misturavam, o antigo presidente da CBD (a predecessora da CBF) e da Fifa sabia como poucos usar a influência do esporte sobre os políticos para realizar diferentes manobras em favorecimento das entidades que comandava.

O atual mandatário da CBF não costuma se apressar em negar a relação entre política e futebol. Mas sabe, como poucos cartolas da atualidade, a importância que tem, nos bastidores, saber jogar também o jogo da política.


Estaduais não são o problema, mas todo o restante
Comentários Comente

Erich Beting

O problema maior não são os Estaduais, afinal. Os campeonatos locais foram a base de sustentação do futebol no Brasil. No início dos anos 1900, foram esses os torneios responsáveis pelo princípio de organização do futebol no país. Com as dimensões continentais do Brasil, nada mais natural que os clubes jogassem, primeiro, em suas redondezas. São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais. A partir daí começou a expansão dos campeonatos estaduais de futebol pelo país.

Brasileirão, mesmo, só foi começar a ter a partir dos anos 70, quando a expansão interna promovida pela ditadura acelerou a construção de estradas e aeroportos, fazendo com que fosse menos difícil jogar um dia no Oiapoque e outro no Chuí. Além do fato de o governo militar querer ampliar o sentimento nacionalista, o que tornava de certa forma natural se construir um campeonato que reunisse times do país todo, ou de quase todo o país.

Por conta disso, os Estaduais são parte importante da cultura de futebol do Brasil. Foi com base nele e nas rivalidades locais que construímos a base da paixão, algo tão fundamental para que o futebol arrebate milhões e leve multidões a estádios, TVs e tudo o mais. Acabar com os Estaduais é, enfim, negar a própria história e sustentação do futebol no país. E é uma decisão errada.

Os Estaduais são um sucesso, é só ver o que foram as últimas semanas, quando eles entraram em sua fase decisiva. Estádios lotados, audiência alta na televisão, mídia focada em comentar os jogos, as conquistas, os heróis e vilões. É algo tão atrativo que, em 13 partidas nas novas arenas, foram mais de 400 mil pessoas aos jogos e R$ 19 milhões em geração de receita de bilheteria (detalhes aqui).

O problema é que, para chegarmos a quatro jogos atrativos, são necessárias outras 15 partidas completamente entediantes. Isso na conta individual! Quando elevamos para a proporção de que cada Estadual tem, pelo menos, 16 times na disputa, chegamos a quase duas centenas de jogos inúteis para apenas 15 a 20 partidas realmente atrativas para o público, a mídia e os patrocinadores.

Os Estaduais não podem acabar, mas também não podem continuar do jeito que estão. Hoje, eles servem para massacrar o começo de temporada dos grandes clubes e tentar fazer com que apareçam algumas equipes menores. Com três meses para 19 datas, é humanamente impossível de as duas coisas acontecerem de maneira coerente.

Os Estaduais não são o problemas, mas os dirigentes que os comandam precisam, urgentemente, buscar uma nova fórmula para fazer com que a competição que deu origem ao futebol no Brasil não seja tão maltratada como tem sido. Poderíamos ter tido três meses de festa, e não três semanas…