Negócios do Esporte

Arquivo : Corrupção

Que ano foi esse?
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Erich Beting

É bem provável que, no fim de 2014, estávamos pensando no “ano mágico” que havíamos acabado de atravessar. Afinal, não só teve a Copa, mas que Copa memorável que tivemos no país! Um futebol bem jogado, uma festa bacana e muito aprendizado trazido para cá pelo maior evento do esporte mais popular do mundo.

Era natural, e essa era a minha ideia original, que viveríamos em 2015 um ano de ressaca. Poucas mudanças bruscas no futebol, a expectativa olímpica começando a aumentar a partir de agosto, as marcas começando a aquecer os tambores para 2016, sem grandes investimentos no esporte, os mesmos cartolas de sempre mandando e desmandando…

Até 27 de maio era mais ou menos esse o roteiro. O Brasileirão começava, as dúvidas sobre a performance técnica da seleção brasileira continuavam (que ano não foi assim desde que você se conhece por gente que acompanha futebol?), as marcas timidamente começavam a traçar seus projetos olímpicos…

Aí veio a prisão de José Maria Marin, a delação premiada de J. Hawilla nos Estados Unidos e o futebol virou de cabeça para baixo.

Sempre achamos, trabalhando ou não com futebol, que os dirigentes que estavam no comando do futebol no país tinham atitudes no mínimo suspeitas. Hoje, os três últimos presidentes da CBF são acusados formalmente pela Justiça dos Estados Unidos de práticas de crimes de corrupção. Um está preso, um sumiu faz três anos (Ricardo Teixeira sempre foi um homem de visão), o outro acaba de pedir licença do comando da entidade…

Joseph Blatter, o presidente da Fifa há quase 20 anos, foi tirado da cadeira máxima do futebol. Diversos outros dirigentes estão caindo, entre eles o até então ilibado Michel Platini, ex-craque de bola da França que trocou a fama conquistada pelos dólares desviados em acordos obscuros, ao que tudo indica.

O ano de 2015 pode vir a ser o começo do fim de um sistema mafioso que corroeu o futebol nos últimos 40 anos. As vísceras de um modelo de negócios que mais era um modelo de negociatas estão expostas, e a necessidade de mudança é enorme.

No final das contas, aquele que tinha tudo para ser um ano morno no esporte talvez tenha sido um dos mais importantes das últimas décadas. A ressaca pós-Copa foi acompanhada de um vendaval que rachou o status quo e colocou, sob nova perspectiva, o mercado do futebol.

Isso sem falar no que ainda vão se desenrolar as investigações sobre doping iniciadas na Rússia. Tal qual o castelo começou a ruir na América do Sul para o futebol, é muito provável que o esporte atinja novo patamar a partir do instante que combater, de forma sistemática, a burla de regras do doping, que envolve, como se vê no atletismo, pagamento de propinas a dirigentes para acobertarem as histórias.

No marasmo que geralmente caracteriza o ano em que não há Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, será impossível, na cronologia do esporte, deixar 2015 para lá. Dentro das quadras, piscinas e campos, tudo correu mais ou menos como sempre, sem grandes feitos.

Mas, fora das competições, nunca houve tanta evolução num mesmo ano como esse que passou!

Agora é virar a página e começar 2016 com o espírito olímpico em dia. Para, daqui a um ano, podermos dizer “e que Olimpíada tivemos”! O blog, naturalmente, volta a falar de esporte e negócios na próxima semana, após uma pausa para recarregar as energias!

Bom Ano Novo a todos!


Os patrocinadores nunca deixarão a Fifa
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Erich Beting

As declarações estapafúrdias de Joseph Blatter, tentando ver problema na investigação iniciada pela Justiça dos Estados Unidos, e não no sistema corrompido que domina boa parte do futebol, colocam ainda mais lenha na fogueira acesa desde 27 de maio, quando começou para valer o jogo de xadrez na política da bola.

Soma-se a isso uma declaração, um pouco mais contundente, da Adidas, parceira de mais longa data da Fifa, clamando por mudanças significativas no controle da entidade.

Será que a bonança da Fifa está com os dias contados? Os patrocinadores farão uma fuga em massa da entidade? Veremos as empresas tomando a atitude que delas esperamos?

Não, não veremos.

Os patrocinadores principais nunca deixarão a Fifa. Pelo menos se continuarem a serem empresas do tamanho que são hoje, quase todas líderes, ou quase isso, em seus mercados.

E o motivo é muito maior do que a Fifa e a corrupção nela impregnada.

As marcas não deixam a Fifa porque isso é um péssimo negócio. Apesar de toda a sujeira que existe no futebol, a Copa do Mundo é um negócio que se tornou maior do que a Fifa mesmo. As marcas se atrelam à entidade apesar da corrupção, para ganharem com os direitos exclusivos que passam a deter sobre o Mundial a cada quatro anos.

Não por acaso, quase 90% da arrecadação da Fifa atualmente é de contratos relacionados ao Mundial. A previsão orçamentária feita pela entidade leva em conta o quadriênio do Mundial. Os contratos de TV e patrocínios somam quase US$ 4 bilhões, praticamente tudo o que a Fifa ganha de dinheiro a cada quatro anos.

Por conta disso, por mais desastroso que seja o comando da entidade, ele consegue entregar um dos melhores produtos que existe, que é a Copa do Mundo. Seja ela na África do Sul, no Brasil, na Alemanha, na Rússia ou até mesmo no Qatar.

A Fifa sobrevive à pior crise já passada por uma entidade esportiva do tamanho dela porque ela conseguiu ter um produto que é um dos mais desejados do esporte mais popular do mundo. Enquanto isso não mudar, e dificilmente irá, as marcas nunca deixarão a Fifa. Por mais corrupta que a entidade possa ser.

 


Briga na CBF mostra que troca de poder sempre é lenta
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Erich Beting

Quando Ricardo Teixeira se afastou da presidência da CBF, em março de 2012, ficou claro que abria-se ali um vácuo de poder dentro do futebol brasileiro. Depois de quase 25 anos, a maior liderança saía de cena para não mais voltar (hoje percebe-se quão bem antecipado foi esse movimento feito por Teixeira).

O levante que começa a ser organizado pela Primeira Liga e pela carta dos clubes paulistas (detalhes aqui) mostra que qualquer troca de poder, quando feita de forma democrática e pacífica, requer tempo. Não bastou Teixeira renunciar há quase quatro anos. Muito menos José Maria Marin ser preso em maio deste ano.

Só quando Marco Polo Del Nero caiu acusado pelos mesmos crimes de seus dois antecessores é que os clubes perceberam que haveria condições para levantar a voz contra o poder constituído há quase três décadas.

Em 1987, os clubes decidiram dar um tapa na enfraquecida e falida CBF para assumirem o poder e criarem a Copa União. Desgastada pelos sucessivos desmandos da ditadura militar, que levaram o Brasileirão de 1986 a ter 80 clubes, 680 jogos e terminar só em fevereiro de 1987, a CBF teve de aceitar a imposição dos clubes e entregou a eles o controle do Brasileirão.

Agora, quase 30 anos depois, são os sucessivos desmandos de gestões fraudulentas que levam a CBF a ter de aceitar a nova imposição dos clubes. Se não for agora, será no próximo ano. Mas, da mesma forma que não havia condições para a entidade trazer para si a gestão do futebol jogado entre clubes naquela época, agora também não há.

O poder começa, lenta e gradualmente, a trocar de mãos.

Lá atrás, o movimento de transferência de poder aos clubes acabou a partir do instante em que Ricardo Teixeira, amparado pelo sogro João Havelange, então presidente da Fifa, assumiu o controle do futebol, em 1989. Hoje, é difícil imaginar que exista alguém que consiga ter poder suficiente para recolocar os clubes sob controle.

A mudança representa, nesse começo, um sopro de esperança. O problema a resolver, na cada vez mais natural Liga do Brasileirão, é o contrato de televisão. Se continuar negociado de forma individual, a liga não terá força econômica suficiente para levar o poder todo para as mãos dos clubes. Para essa mudança acontecer, porém, a mentalidade dos dirigentes de clube precisa mudar radicalmente.

É exatamente nesse sentido que paira a grande dúvida sobre o quão eficiente será, para o espetáculo futebol, a transferência de poder que se aproxima.


Efeito cascata provocado pela Fifa vai mudar o futebol
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Erich Beting

O efeito é cascata. Começou lá no 27 de maio com a prisão dos dirigentes e vai se ramificando mundo adentro. O fato é que, depois que ficou provada uma parte do esquema de corrupção que assola o futebol desde que TV e empresas passaram a pagar alto para ter os principais eventos, começou uma grande investigação sobre os negócios da bola em todo o mundo.

O escândalo da vez é na Itália. Por lá, a procuradoria descobriu que as empresas de mídia vinham fazendo vários adiantamentos aos clubes para que eles pudessem terminar o ano com o balanço financeiro no azul e, assim, continuar a disputar a Série A no ano seguinte. Em troca, os clubes favoreciam as empresas que faziam os pagamentos na discussão sobre a renovação dos direitos de TV (detalhes aqui).

Isso, aliás, poderá abortar de vez o já amalucado projeto da Liga dos Campeões das Américas trazido por aqui pela agência MP&Silva, envolvida no escândalo de futebol na Itália.

modus operandi não é muito segredo, mas agora os italianos conseguiram descobrir quem paga, quem recebe e tudo mais. É, a grosso modo, o mesmo que aconteceu com J. Hawilla e Traffic no começo do ano. Sabia-se como era o negócio, mas ninguém conseguia comprovar. A partir do momento em que o fio do novelo de lã começou a ser desenrolado…

O interessante é observar que a crise de imagem que atravessa o futebol será, no fim das contas, benéfica para o negócio. Antes, a Fifa dava o exemplo, para o mau, de como gerenciar as coisas. Pouca transparência, bastante arrogância e nenhuma preocupação de fato com o desenvolvimento do futebol eram alguns dos princípios básicos que regiam a entidade máxima do futebol.

Se o topo da pirâmide era assim, porque seria diferente nos outros lugares?

Isso gerou um modelo de negócios amplamente favorável à corrupção. Dirigentes remunerados por debaixo dos panos, empresas pagando mais por direitos que teriam menor valor, adiantamentos de verba para cobrir rombos em troca de favores. O modelo do futebol é ditado pela força econômica. Quem paga mais, leva.

Agora, porém, o sistema sofre uma mudança. O escândalo deflagrado nos EUA mostrou para outros países que há muito dinheiro desviado e sonegado por debaixo de alguns negócios da bola. Isso tem feito com que o futebol, como nunca antes aconteceu, comece a ser alvo de investigações mais severas por parte dos países.

A Itália é só mais um exemplo de como isso tem acontecido com maior frequência. E, caso os italianos consigam mostrar que, além dos contratos de patrocínio, os direitos de TV ainda representam uma caixa preta no universo da bola, fatalmente a faxina começará a ficar mais severa.

Imagine então o dia que as transações de jogadores no futebol passarem a ser o alvo das investigações?

A Fifa abriu a porta para que o futebol inicie uma faxina sem precedentes na história do esporte. Invariavelmente, toda crise traz melhorias para o ambiente de negócios. Com o futebol, não será diferente.


Modelo do futebol precisa ser revisto
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Erich Beting

A renúncia de Carlos Miguel Aidar, somada à crise da Fifa, reforça a necessidade de o modelo do futebol ser revisto.

A origem do futebol no Brasil remonta à formação social do país. Inicialmente, o futebol era jogado pelos clubes, que eram formado muitas vezes por grupos diferentes de pessoas. Os ingleses, os italianos, os alemães, os operários, os brasileiros, etc. Aos poucos, esses grupos começavam a querer rivalizar entre eles, literalmente para ver quem era o “melhor da cidade”.

Foi assim que surgiu, em 1902, o Campeonato Paulista. Até então, nada além da reunião de confrades, de clubes que tinham meramente como objetivo se divertir ao final de semana, mas numa brincadeira que foi ficando um pouco mais séria ao longo do tempo.

Os campeonatos pelo país evoluíram, desde os anos 1930 o jogador passou a ser considerado profissional, a televisão entrou na jogada, os patrocinadores também e, agora, o marketing dentro dos clubes começa a decolar. Mas e a estrutura de gestão dessas entidades?

Esse é o ponto que, literalmente, não mudou desde que Charles Miller trouxe as primeiras bolas para o Brasil.

Continuamos a ter o futebol regido por entidades que nada mais são do que meras associações de pessoas. E isso gera um ambiente completamente propício para a corrupção.

Tal qual acontece na política, o dinheiro no futebol não tem dono. A dor do prejuízo sempre cai sobre o clube, nunca sobre o dirigente responsável pela dívida. As acusações que recaem sobre Aidar, de recebimento de comissões sobre transação de jogadores e também em contratos de patrocínio, nada mais são do que o escancaramento da realidade dentro do futebol.

Enquanto os contratos não se tornarem públicos, será impossível vigiar a rota do dinheiro no futebol. Que o diga a tabelinha Neymar-Barcelona, ou o pagamento recém-descoberto de Blatter a Platini, que possivelmente mudará o rumo futuro da Fifa e, consequentemente, do futebol.

O modelo de associação clubística para o futebol funcionou até o momento em que se profissionalizou o esporte. Desde que os jogadores passaram a receber salários, criou-se a necessidade de fluxo de caixa para o futebol, e isso já exigia, desde aquela época, que o clube passasse a ser tratado como uma empresa, tendo como maior finalidade as conquistas, mas pensando o tempo todo em como atuar para gerar receita, montar times fortes e ganhar títulos.

Como não fez isso há 80 anos, o futebol passou a viver a mercê da honestidade de quem está no comando. O problema é que é muito dinheiro orbitando na esfera futebolística, com a maior parte dele indo para o atleta. Nos últimos 30 anos, o montante de grana envolvido se tornou ainda maior.

O ambiente do futebol, do jeito feudal como é organizado, é prato cheio para que a farra com o dinheiro alheio engorde os cofres errados. E isso se transforma em algo completamente incompatível quando comparado ao que se transformou o futebol na atualidade.

As decisões a serem tomadas pelo comitê de reforma da Fifa nos próximos meses podem ser fundamentais para começar, de cima para baixo, a mudar isso. O futebol vive hoje numa encruzilhada. As principais divisões de cada país são absolutamente profissionais dentro de campo, mas precisam urgentemente se tornar profissionais fora dele. Não dá para considerar, da mesma forma, uma equipe da Série A com uma de Série D.

O modelo não pode continuar a sendo o mesmo de 80 anos atrás.


A imagem que resume o atual momento do futebol
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Erich Beting

Acabei não conseguindo, na semana passada, colocar a foto no ar. Mas ela é a síntese do que acontece hoje no mundo do futebol. O protesto dos jogadores panamenhos após a eliminação com dois pênaltis duvidosos (e só coloco duvidoso por não ter havido consenso no debate no dia seguinte na Máquina do Esporte, porque para mim foram pênaltis escandalosamente mal marcados) da Copa Ouro.

Atletas do Panamá protestam, ainda no vestiário, contra dirigentes da Concacaf

Atletas do Panamá protestam, ainda no vestiário, contra dirigentes da Concacaf

O protesto é a síntese do que pensam muitos jogadores sobre como funciona o meio no qual eles trabalham. Só que quando haveria um protesto semelhante a esse, numa manifestação pública de desgosto e revolta contra os dirigentes?

É só lembrar o que fez o time da Croácia no vestiário da Arena Corinthians depois de o Brasil ter ganho o jogo de abertura da Copa numa arbitragem desastrosa. Os atletas arrebentaram os vestiários, mas em nenhum momento expuseram, publicamente, qualquer mensagem contra a Fifa e seus dirigentes. Será que, se fosse hoje, não teriam feito o mesmo comportamento que os atletas do Panamá?

O futebol começa a passar por um período de gigantescas transformações. Uma delas é a manifestação pública dos atletas sobre o que eles pensam. Mudar o comando do futebol de um dia para o outro é impossível. Mas é impossível manter tudo do jeito que era antes…

É, mais ou menos, o que aconteceu com o Brasil após os 7 a 1. Será que o Bom Senso FC chegaria a existir caso o Brasil tivesse perdido num jogo apertado da Alemanha? Será que estaríamos questionando tanto o comando do futebol no país não fosse a goleada que calçou as sandálias da humildade nos torcedores?

Qualquer transformação sem revolução é lenta. Não será de uma hora para a outra que veremos novas caras no comando do futebol. Mas só o fato de os jogadores se sentirem incomodados mostra que muita coisa ainda está para mudar.


O que muda no futebol daqui para a frente
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Erich Beting

É praticamente impossível que o futebol permaneça na redoma que esteve pelos últimos 50 anos depois do estouro dos escândalos de corrupção que envolvem algumas das figuras mais importantes da política da bola. Num efeito tão ou mais avassalador que a falência da ISL, no começo dos anos 2000, a crise de agora deixa uma ferida aberta no coração da Fifa, que até então permitia-se o privilégio de ser uma empresa com faturamento bilionário e que não precisa dar grandes satisfações para além de seus acionistas, que são as confederações.

Essa crise de agora, porém, deve mudar exatamente essa condição. A Fifa não precisava se preocupar com a opinião pública. Seus dirigentes seguiam incólumes, uma vez que o principal campeonato que a entidade organiza, que é a Copa do Mundo, segue a ser o evento mais cobiçado do universo ao lado dos Jogos Olímpicos. Isso garantia uma espécie de “blindagem” para a Fifa. Por mais que a organização fosse massacrada por denúncias de corrupção, escândalos e quetais, a Copa do Mundo assegurava uma relativa paz à Fifa.

O que mudou é que os patrocinadores, que só estão na Fifa por causa da Copa, estão sendo pressionados a rever seus conceitos. Acionistas das empresas patrocinadoras, diante dos escândalos, perguntam cada vez mais sobre o que está acontecendo. Isso reflete numa pressão interna dentro dessas empresas que, no final das contas, começam a pressionar a Fifa para que os problemas se resolvam.

Para piorar o cenário, a Uefa, principal entidade de futebol do mundo ao lado da Fifa, começa a questionar a entidade-mãe sobre o que está sendo feito. A ruptura da turma de Michel Platini é uma pressão muito grande e, talvez, até maior do que aquela enfrentada pela Fifa com a opinião pública. Com seu afiliado mais poderoso ameaçando a deserção, é preciso ceder politicamente para poder continuar onde está.

No caso ISL, há quase 15 anos, a Europa e os principais dirigentes do futebol também estavam envolvidos. O caso serviu, também, para que as entidades na Europa se tornassem mais sérias e menos propensas aos erros que agora cometem Concacaf e Conmebol, de terceirizarem suas propriedades comerciais em troca de alguns favores, digamos assim, menos nobres.

Há quatro anos, Blatter conseguiu contornar a crise interna que envolvia a compra de votos para a eleição do Qatar. A sujeira tinha ficado embaixo do tapete suíço do QG da entidade. Agora, a situação é muito distinta. A crise é na opinião pública e interna. Ingleses e americanos, derrotados nas escolhas de 2018 e 2022, querem mudar o sistema. E isso representa muita coisa.

Daqui para a frente, ou a Fifa muda o modo de operação, ou cairá no erro de continuar achando que detém o poder absolutista no futebol. Uma coisa, porém, é certa. O ambiente de negócios no futebol tende a ser muito mais vigiado daqui para a frente, em qualquer canto do mundo. E isso vai gerar uma melhora, gradual, na qualidade de quem trabalha nisso.


Por que existe um intermediário nos contratos de patrocínio?
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Erich Beting

A pergunta surgiu diversas vezes para mim na última semana, desde que estourou o escândalo envolvendo contratos de patrocínio e mídia no futebol. “Por que é que precisam existir intermediadores nos contratos? Não é possível que uma empresa precise de um terceiro para fechar negócio!”. Em 140 caracteres ou um pouco mais, muita gente ficou revoltada com o modus operandi da corrupção no futebol.

Existem, basicamente, duas situações que permitem a existência de um intermediário na negociação de contratos.

A primeira é a incapacidade de o esporte negociar com as empresas e/ou agências de publicidade. Pelo amadorismo das instituições, elas acabam terceirizando o serviço a uma agência, que vai ao mercado em busca de compradores das cotas de patrocínio disponíveis. Esse modelo é muito usado por atletas e até mesmo por alguns clubes menores, seja do futebol ou de outras modalidades.

É isso, por exemplo, que explica parte do segredo de muitos contratos de patrocínio de atletas e instituições. Mas há o outro lado da moeda…

O segundo ponto é o modelo que foi implementado pela Fifa nos anos 70, sob a gestão de João Havelange, e que passou a ser “regra” em boa parte das grandes instituições do futebol pelo mundo. Em 74, quando assumiu a Fifa, Havelange precisava gerar receita para uma entidade que funcionava praticamente como uma espécie de fornecedora de licença para federações disputarem campeonatos. O brasileiro percebeu que havia um potencial enorme de geração de receita. Em parceria com Horst Dassler, herdeiro da Adidas, entregou os direitos de comercialização da Copa do Mundo a uma agência de marketing. E, então, o negócio cresceu.

O que a Fifa criou, a partir dos anos 70, foi um modelo de completa terceirização dos negócios das entidades esportivas. A Fifa passou a ser “vendida” por uma agência. No começo, a agência ficava com todo o risco do negócio. Ela pagava à entidade e ia ao mercado tentar negociar os direitos de placas de publicidade, patrocínio e TV e, assim, obter seu lucro. Para a Fifa, o negócio não representava risco. Ela recebia adiantado e não precisava se preocupar em “fechar a conta”.

Com o passar do tempo, esse modelo começou a ser visto em diversos outros eventos. E aí surgiu o problema. Sabendo que era um negócio da China para quem comprava, dirigentes começaram a combinar comissões “por fora” para ceder a uma ou outra agência esses direitos. Em 2001, quando a ISL faliu (a empresa criada lá nos anos 70 por Dassler), levou consigo um escândalo de pagamento de propina a dirigentes, entre eles Havelange e Ricardo Teixeira.

Agora, o escândalo revelado tem a mesma origem. Pagamento de comissões “por fora” a dirigentes sobre direitos cedidos a empresas de marketing. Os patrocinadores, muitas vezes, ficam vendidos nessa história. Tentam negociar diretamente com a confederação que organiza o campeonato, mas ela só aceita o negócio se ele for fechado com a agência de marketing que o representa. O dinheiro das empresas é pago de forma correta, conforme contrato. O que acontece depois que ele entra nessas empresas intermediárias é que é o problema.

Por isso mesmo patrocinadores e empresas de mídia cobram, com veemência, uma maior transparência das entidades esportivas. O fim desse modus operandi das agências intermediárias tende a baratear o custo dos eventos. Para quem compra, o melhor é ir direto ao vendedor, sem precisar passar por um terceiro.

O escândalo revelado há quase uma semana promete acabar com um sistema de quase 50 anos que impera no futebol. E vai passar a exigir, nas entidades, gestores cada vez mais qualificados para vender – e entregar – bem o produto.


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