O que o sim de Tite à CBF pode mudar nas relações do futebol
Erich Beting
Tite pode vir a ser um funcionário da CBF sendo que, há meio ano, ele assinou um manifesto em que pedia a saída de quem está no comando da entidade. Naturalmente isso se tornou alvo de reportagem e comentários pelas redes sociais tão logo o treinador entrou na sede da CBF para negociar uma possível ida para a seleção.
Os mais puritanos argumentam que Tite será incoerente se aceitar trabalhar para um patrão que ele mesmo pediu para sair não tem nem um ano. Outros, mais pragmáticos, argumentam que o treinador não pode se prender a isso para ter a oportunidade de chegar, com plenos poderes, ao cargo máximo de um técnico no Brasil.
Mas há uma importante discussão por trás de um eventual aceite do treinador para o cargo.
Tite pode não concordar com o que pensa o seu patrão, porém pode perfeitamente trabalhar para ele. Vivemos numa era de aumento de intolerância no convívio social exatamente pela dificuldade que estamos tendo em aceitar uma opinião contrária à nossa.
Quando assinou o manifesto contra a CBF, Tite fez, como boa parte dos outros críticos à forma como a entidade tem sido conduzida hoje, o seu papel como profissional que atua no meio do futebol. Expôs sua insatisfação com a maneira com que o futebol é gerenciado pelo principal órgão representativo dele.
Isso não pode, porém, significar que é impossível a ele sentar, conviver e, quem sabe, melhorar as próprias atitudes dentro da CBF.
Num modelo baseado num sistema político como o do futebol, a melhor forma de conseguirmos fazer aparecer nosso trabalho é fazer parte dessa engrenagem. Isso não significa concordar com as práticas ali adotadas ou fechar os olhos para as condutas erradas que acontecem. É ter a noção de que só é possível conseguir mudanças quando se faz parte do processo de discussão dentro da entidade.
Tite tem a oportunidade de levar seu vasto conhecimento para dentro da CBF e, com ele, ajudar a transformar o futebol desde a raiz, que é uma das maiores críticas que temos feito nos últimos dois anos ainda sob o luto dos 7 a 1.
Pelo histórico do futebol nacional, desde os tempos da extinta CBD, é difícil acreditar que há ouvidos abertos para que as coisas se transformem. Mas, considerando algumas pequenas atitudes recentes da CBF, é inegável que há uma maior abertura ao diálogo, até mesmo com ferrenhos opositores, como nunca antes aconteceu.
Eduardo Bandeira de Mello, presidente do Flamengo, apanhou da opinião pública por aceitar o cargo de chefe da delegação do Brasil na malfadada Copa América do Centenário. Outro crítico ácido dos comandantes do futebol brasileiro, Bandeira foi visto como “vendido” ao aceitar acompanhar o time nacional. Mas será que, como presidente de um clube filiado à CBF, ele não tem de aceitar esse tipo de convite? O cargo que ele representa não é maior do que a vaidade pessoal?
Guardadas as devidas proporções, Tite tem todo o direito de dizer sim para trabalhar na CBF mesmo sendo crítico a seus patrões. E cabe ao comando da entidade entender que esse crítico pode ter muito a ajudar dentro da própria CBF não apenas como treinador do time principal masculino.
Um “sim” de Tite à CBF pode nos mostrar que é importante ter diferenças de opinião dentro de um mesmo ambiente de trabalho. Não adianta nada clamar pela democratização do comando do futebol brasileiro se, quando há a chance de fazer parte do processo, não nos mostrarmos abertos ao diálogo.
Tite é o melhor treinador do futebol brasileiro na década. Logicamente, é o mais indicado para ser o técnico da seleção brasileira. Mas esse “sim” pode ir mais além do que o comando técnico dos jogadores.