A classe C e o domínio estrangeiro nas marcas esportivas
Erich Beting
Nunca o Brasil vendeu tantos calçados esportivos como em 2012. Da mesma forma, nunca tivemos um preço final tão caro para a venda de calçados como nos últimos anos. Esses são alguns resultados de uma pesquisa feita pela consultoria Gfk sobre a comercialização de tênis no Brasil.
E mostram uma nova tendência para o mercado das marcas esportivas no país. As empresas brasileiras vão encolher e deixar de ser protagonistas num futuro muito mais rápido. E isso está diretamente ligado ao aumento de consumo da classe C e da estúpida lógica de proteção de mercado imposta pelo governo.
O levantamento mostra que o brasileiro tem gasto em média US$ 94 para comprar um tênis. É um valor médio muito próximo ao que os suíços gastam para comprar seus calçados (por lá o custo médio é de US$ 100). Mas é bem maior do que sul-africanos (US$ 72) e chilenos (US$ 52) pagam em média para adquirir um calçado. Quando comparamos os padrões de renda e custo de vida entre os quatro países, o sentimento de que algo está errado torna-se ainda maior.
Mas o pior de tudo é que o número não chega a surpreender. Ele só é mais um reflexo da estúpida escalada de custo de vida no Brasil e que está, neste caso, ligado diretamente a uma visão tacanha do governo de proteção à indústria nacional.
Em 2010, o governo baixou uma lei que tenta coibir a importação de calçados esportivos. Nela, o tênis que é fabricado em alguns países da Ásia (liderados obviamente pela China) é sobretaxado. São US$ 13 a mais por par de calçado. O resultado, claro, é o de que o Brasil é um dos países em que um tênis para a prática esportiva tem o valor final mais caro.
A medida tinha como objetivo tentar proteger a indústria nacional. O movimento antidumping era liderado pela Vulcabras|Azaleia, dona da marca Olympikus, que apostava no aumento de poder de consumo da população para manter-se como a maior em volume de vendas entre as marcas esportivas no país. Para isso, a sobretaxa ao tênis importado evitava que o preço das marcas concorrentes ficasse próximo ao que ela praticava.
Mas o aumento do poder de consumo da população gerou uma mudança interessante na venda de artigos. A impressão inicial era a de que o brasileiro da classe C, que é a mais volumosa e, consequentemente, a que mais vende, fosse comprar mais dos mesmos produtos. Só que, com o aumento do poder aquisitivo, a classe C passou a buscar produto de maior valor agregado. Os tênis de marcas consagradas, como Nike e Adidas, passaram de objetos de desejo para objetos de consumo, devidamente parcelados pelo cartão de crédito que antes não estava disponível.
O reflexo disso está no aumento do consumo de marcas estrangeiras nos dois maiores mercados de esporte, que são os tênis de corrida e os calçados para a prática do futebol. De acordo com o levantamento da Gfk, a corrida tem 17% das vendas de calçados no país, superando o futebol, que domina 13% do mercado.
Nesses dois esportes, em que as marcas estrangeiras são as mais admiradas (Asics e Mizuno na corrda, Nike e Adidas no futebol), o salto de consumo se dá exatamente entre as marcas importadas. Não à toa, essas são também as duas modalidades que possuem os calçados mais caros para o público final.
No segmento de corrida, 60% das vendas são de calçados acima de R$ 150. Desse montante, 67,1% são de marcas estrangeiras.
No futebol, as marcas locais não vendem nenhum produto acima de R$ 150, enquanto as estrangeiras dominam 62% do mercado.
O aumento da classe C no Brasil, fenômeno bastante observado nos últimos cinco anos, fez com que uma nova realidade começasse a se estabelecer no mercado nacional. Com mais dinheiro nas mãos do consumidor, as marcas estrangeiras, que possuem uma melhor imagem na mente das pessoas, passaram a ter um aumento de vendas.
E as medidas de tentativa de proteção ao produto nacional por parte do governo só fizeram piorar a vida de quem consome.
Aos poucos, as marcas nacionais vão deixar de ser protagonistas dentro do mercado, que terá uma demanda maior de empresas estrangeiras. Muito mais inteligente para o governo seria, a partir de agora, trabalhar para incentivar que essas marcas produzissem a maior parte ou a totalidade de seus artigos em solo nacional. É um caminho para manter empregos, reduzir os custos e permitir ao consumidor não ter preços suíços num país com muito menor poder aquisitivo.