Palmeiras: de refém do centenário a refém de si próprio
Erich Beting
''Não podemos ficar refém do centenário''. A frase foi quase um mantra de Paulo Nobre, presidente do Palmeiras, durante os primeiros meses de 2014. No ano em que festeja seus primeiros cem anos, o dirigente afirmava que não poderia nunca cometer loucuras para que o clube não entrasse num buraco ainda maior do que aquele no qual se meteu há algum tempo.
Realmente, Nobre não deixou o clube ser refém do centenário. Conseguiu uma proeza ainda maior. Fez do Palmeiras um refém de si próprio.
O Palmeiras que agora olha para a tabela e tenta se equilibrar na corda-bamba que o separa da Série B pela terceira vez na história está parado no tempo, perdido dentro de si mesmo, sem saber olhar para os lados, para a frente. Só olha para o próprio umbigo, ou para a própria pizza, ou para a história de campeão do século que ficou e que, possivelmente, não volta nunca mais ao futuro.
Nobre não quis cometer loucuras em sua gestão, o que era uma atitude louvável. Loucura, no olhar dele, era gastar o que não devia com contratações absurdas. Esse foi um mau que acometeu a gestão de Luiz Gonzaga Belluzzo, que quase levou o Palmeiras ao título nacional em 2009, mas que acabou destruindo as finanças do clube para mais uma boa década.
Mas Nobre caiu no erro de ficar tão preocupado com isso que não buscou alternativas. Começou errando ao permitir que Barcos, o único ídolo do time, fosse vendido para o Grêmio, numa transação para lá de estranha. Argumentou que não havia como pagar pelo atleta, mas gastou muito mais por menos de um ano de quatro jogadores e para contratar outro que não se compara ao argentino.
Ao perder o ídolo, Nobre perdeu também o ponto que unia a torcida ao time. Se a imagem de Barcos fosse bem trabalhada, ele seria capaz de ajudar a levar torcida ao estádio, vender camisas, deixar o torcedor feliz com o fato de ter um atleta que era desejado pelos outros clubes, mas que só vestia aquele uniforme.
Sem Barcos, o clube ficou refém da performance em campo para atrair o torcedor. Na primeira falha na Libertadores, a casa literalmente caiu, e o presidente rompeu veementemente com as torcidas organizadas, numa ruptura que ajudou, e muito, no sossego que os jogadores passariam a ter dali para a frente e numa certa independência para o trabalho dentro do clube, algo que é muito importante e que foi a chave do sucesso da mudança de patamar do futebol inglês nos anos 90. Não foi pensando nisso que Nobre agiu, mas poderia ter acertado mais uma vez se fizesse disso um ponto para a independência do clube em relação à torcida.
Com a Série B e o nível técnico mais baixo, o Palmeiras não teve dificuldades para subir. Em vez de preparar o terreno para voltar com força à elite, Nobre seguiu fiel ao mantra. Não saiu em busca de ideias para ter um centenário que ligasse o torcedor ao clube sem ser por conta apenas do passado. Foi melhor seguir sem ''cometer loucuras''.
Veio o Paulistão, e a vaga nas semifinais deu um alento à torcida. Até ali, provava-se eficiente a política de gastos controlados utilizada pelo dirigente e idealizada por José Carlos Brunoro, que tal como o clube, havia sido brilhante no passado e evocava o espírito de profissionalização que precisa finalmente virar padrão no ambiente amador do futebol.
Mas a derrota para o Ituano voltou a colocar uma pá de cal na esperança alviverde. Sorte que logo depois começou o Brasileirão, e com ele a promessa de que era hora de voltar a brincar com os grandes em nível de igualdade. Gilson Kleina caiu (e a política de pés no chão fica onde nessa hora?), Gareca chegou, prometendo uma novidade dentro do paupérrimo futebol brasileiro. Até que o time não estava mal pré-argentino. Quem sabe seria possível sonhar com uma vaga na Libertadores, como presente do centenário.
Passou o mês da Copa. E, para não ficar refém do centenário, o Palmeiras desfez todo o time e moldou-o à luz do que pedia Ricardo Gareca. Contratou, contratou, contratou. Na lógica ilógica do dirigente, trocar técnico e jogador aos borbotões, desde que eles estejam dentro do plano financeiro do clube, é o mesmo que ''não cometer loucuras''.
No fim das contas, Gareca já saiu, com um aproveitamento irrisório. A política de contrato por produtividade, que era mais uma das medidas inteligentes de Brunoro e Nobre, mostra-se inócua a partir do momento que não é todo grupo que faz parte dela. Pior. O seu jogador mais improdutivo é exatamente aquele que tem o melhor salário. E não perde dinheiro por conta disso.
Internamente, se o clube não expõe suas crises como sempre aconteceu. Mas externamente ele implode de forma cristalina.
Paulo Nobre ficou tão preocupado em não deixar o Palmeiras refém do centenário que tornou o clube refém dele mesmo. Dos erros do passado, das glórias do passado, do pensamento ultrapassado. Toda empresa, para não morrer, precisa de inovação. Preservar o que é tradicional, mas inovar na gestão. Se não houver capacidade de inovação, que pelo menos a empresa se adapte rapidamente ao que é novo. Saiba olhar a concorrência, o ambiente, se adapte a ele, mantenha clientes e conquiste novos.
Com o futebol, não é diferente. Mas Paulo Nobre ficou muito preocupado em não errar como os rivais do passado, que se perderam tentando conquistar feitos grandiosos justamente no ano do primeiro centenário. Erro dos outros, que não perceberam o básico. Torcedor vive de sentimento, e não de títulos. O orgulho da vitória ajuda, mas não é fundamental. O que mais afasta o torcedor de sua paixão é a frustração da derrota aliada ao sentimento de que está abandonado pelo seu grande amor.
Não dá para ganhar sempre, mas não se pode perder sempre.
Paulo Nobre tentou não fazer o Palmeiras refém da pressão pelo título no centenário. Acertou. Mas ao ficar tão preso nisso, não soube planejar o clube para viver do futuro.
O Palmeiras hoje é refém dos seus defeitos centenários. E parece que ainda não se deu conta disso.