O choque entre o velho e o novo no Rio
Erich Beting
Imagine que você seja dono de um bar que tem show ao vivo todo fim de semana. Você investiu numa bela reforma do espaço, criou um local que atende tanto ao público comum frequentador do bar quanto aquele cara mais endinheirado, que havia deixado de ir para lá porque ele estava ''meio caído''. Você colocou cadeiras mais confortáveis para o cliente, deixou melhor a visão de quem está lá para ver os artistas tocarem, melhorou a qualidade do atendimento dos garçons, aumentou o número de funcionários que trabalham no estabelecimento, fez um belo camarim para as bandas que aparecem, etc.
Com toda essa reforma, os custos aumentaram. Para fechar a conta todo mês, você precisa ganhar mais do que precisava antes. Com isso, para a ''conta fechar'', foi preciso tomar algumas medidas. Uma delas foi aumentar o preço da entrada para quem vai acompanhar o show. Outra medida, dura, mas necessária, foi começar a cobrar também daqueles amigos que aparecem a toda hora para te fazer companhia e curtir o bar. Não dá para deixar o pessoal ir lá e, pelo menos, não pagar os custos que você tem com a compra da bebida, o pagamento do cachê da banda, etc.
Agora imagine o seguinte. No estado que você mora, existe uma lei que te obriga a colocar, nos três primeiros meses do ano, artistas locais para se apresentarem. Essa lei foi uma manobra feita pela Associação dos Artistas, que estava perdendo prestígio e conseguiu achar um jeito de manter-se ativa e, mais do que isso, com receita garantida. Afinal, parte do que o artista arrecada com shows vai para ela.
Bom, a associação consegue impor essa lei. Os artistas geralmente são caras que estão em começo de carreira, que não arrastam público para os eventos onde tocam. No máximo vai a família do cara. Não é todo dia, mas pelo menos umas duas vezes por mês, quem toca, além dos caras bons, são esses menos atrativos para o seu público. Você não tem alternativa. É isso que precisa ser feito para aquele bar continuar a existir, até para não ser injusto com o cliente assíduo e com os caras que sempre tocam naquele lugar e que têm um público fiel sempre presente.
Neste ano, a Associação dos Artistas tem uma nova ideia. Ele diz que não é mais você quem determina o quanto vai cobrar do teu cliente para ir ao seu estabelecimento. Você está obrigado a limitar em R$ 50 o preço do couvert artístico. Não importa se o cara faz shows que as pessoas pagam até R$ 800 para ver, não importa se naquele dia haverá muita gente que seria a chance de você fazer o lucro do ano. Nada disso. Teu limite é R$ 50.
Essa regra foi imposta depois que um dono de um boteco que também está na sua cidade, não muito distante, decidiu fazer pressão com essa associação. Esse cara tem influência, estava há muitos anos no pedaço, tinha vendido o bar, mas recomprou-o para não vê-lo acabar e, agora que voltou, está tentando colocar a casa em ordem, mas antes ele precisa reduzir o poder da concorrência.
Aí surgiu essa regra que impede o bar de cobrar mais. É o mesmo valor para o dono do bar que custa pouco para ser mantido em pé daquele outro que acabou de ser reformado e tem investido para dar ao cliente mais conforto.
Parece um tanto quanto injusto que o dono do bar reformado tenha de se submeter a essa regra, não? Quem deve determinar o quanto ele cobra do cliente não pode ser uma regra da Associação de Artistas, mas o dono do lugar. E ele vai saber se está cobrando mais caro ou mais barato por conta de quanto cliente tem na casa, não é? No dia em que houver os dois melhores artistas do estado tocando, ele vai cobrar mais caro, afinal o público vai querer ver. Quando as atrações não forem tão legais assim, naturalmente ele não poderá cobrar tão caro, se não haverá pouca gente no bar e possivelmente ele vai ter de pagar para abrir o estabelecimento naquele dia, não é?
Pois essa é a situação atual do Maracanã. A Federação de Futebol do Rio criou uma série de regras para tentar aumentar o público nos jogos. Entre elas estão o limite de R$ 50 para o ingresso, independentemente se o jogo é no estádio do Madureira ou no da final da Copa do Mundo, se ele reúne Flamengo x Duque de Caxias ou Flamengo x Fluminense na final do campeonato.
Não é APENAS o preço do ingresso que determina a quantidade de gente no estádio. Com certeza não é por causa do valor do bilhete que os Estaduais tenham menos de 5 mil pessoas por jogo de média de público. Acho que tem muito mais a ver com essa decisão tomada pela CBF (ops, pela Associação dos Artistas) de que o campeonato estadual precisa ser mantido com 19 datas e sem o menor grau de atratividade para o público.
O Rio sente na pele o choque do novo com o velho. E, possivelmente pelos comentários que veremos abaixo, esse texto vai provocar a mesmíssima situação…