Negócios do Esporte

Arquivo : março 2013

O risco do ranking do UFC
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Erich Beting

Principal fenômeno de expansão na mídia do esporte nos últimos cinco anos, o UFC deu um arriscado passo recentemente. Desde que passou a crescer, sob comando de Dana White, o grande segredo da liga de lutas mais desejada do mundo foi exatamente dar preferência ao entretenimento no lugar do esporte.

Dana é quem, com pulso firme, comandava o espetáculo de seus lutadores. Como bem apelidou Galvão Bueno na primeira transmissão da TV Globo do UFC, era a reprodução do circo de Roma em pleno terceiro milênio. Tal qual o imperador do passado, o chefão do UFC é quem escolhia os dois gladiadores no octógono.

Isso assegurava nem sempre o duelo esportivamente mais equilibrado, mas sem dúvida eram os dois maiores personagens que estavam em ação naquele momento. Com o melhor pagamento de bolsas para os seus atletas, Dana assegurava que a luta que promovia seria desejada pelo público a partir dos protagonistas.

Talvez quem melhor tenha encarado essa “missão” dentro da liga tenha sido Chael Sonnen. O falastrão americano estava longe de ser o número 2 em qualidade esportiva, mas com certeza era o líder no quesito promoção de uma luta. O que ele fez de ação promocional para que o Brasil quisesse ver os duelos com Anderson Silva tem de entrar no balanço final do UFC como estratégia bem sucedida para ganhar popularidade no país.

Só que agora a formação das lutas deverá ser baseada não mais no “feeling” do criador da liga, e sim no desempenho técnico dos desafiantes. Sem dúvida que, esportivamente, há um ganho para o UFC. É bem provável que duelos de cinco segundos de duração tornem-se raridade.

Mas, como ferramenta de marketing para promoção da liga, o UFC terá prejuízo com o seu ranking. Pelo menos o sonho de ver o esporte como o segundo em popularidade no país estará longe de ser alcançado. Boa parte do consumo da modalidade nos últimos meses foi impulsionado pelo caráter promocional de seus lutadores.

Nem sempre o público quer apenas a melhor disputa esportiva em cena. Considerando que o UFC fez sua fama, principalmente no Brasil, a partir dos critérios nada esportivos para a seleção dos lutadores, a massificação do esporte pode estar com os dias contados.


Barcos e a formação de um ídolo
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Erich Beting

Em recente entrevista ao UOL, José Carlos Brunoro, diretor executivo do Palmeiras, afirmou que sofreu ao decidir pela saída de Hernán Barcos do clube. A história é conhecida de todos, e claramente é o típico caso para ser exposto em sala de aula. Esqueça o que você faria como torcedor. Mas e no papel de gestor do clube, qual decisão você tomaria?

Por todas as circunstâncias envolvidas no atual Palmeiras, a escolha foi pela saída do atleta mais carismático e um dos poucos motivos de orgulho à época para o palmeirense médio.

Aqui já vai uma primeira ressalva importante. Entenda por “palmeirense médio” o torcedor que gosta e acompanha o time, mas não é fanático por ele. Sim, existe esse tipo de cidadão, que raramente é aquele que se dispõe a comentar em blogs, ir a jogo de futebol, mas está por dentro do que acontece no cotidiano do time de coração. Ah, e o mais importante. Estatisticamente ele é a maioria do composto de uma torcida. Em qualquer clube.

A saída de Barcos é o típico caso de falta de gestão de marketing dentro de um clube. Sim, existe toda a história do risco financeiro, mas no caso, como o próprio Brunoro comentou, não haveria risco de perda do atleta por um processo contra o clube. O problema era, claramente, fazer com que o jogador tivesse um nível de relacionamento com o Palmeiras praticamente inviabilizasse a sua ida para qualquer outro time.

Na Europa, os departamentos de marketing dos clubes entenderam a importância de formar e cultivar a relação dos ídolos com os torcedores. Um bom exemplo é o Chelsea. O clube tem contrato de gerenciamento de imagem de 18 atletas da equipe principal. Para cada um deles, cria uma série de ações de relacionamento com o torcedor, criando vínculos emocionais que fazem o jogador sempre ter um carinho maior com a instituição.

Em menos de dois meses no Grêmio, Barcos conquistou o torcedor com o mesmo estilo que ganhou a torcida palmeirense. Entra em campo e faz gols. A grande diferença foi no jogo de terça-feira pela Copa Bridgestone Libertadores. Em ação com a imagem do jogador, o Grêmio pediu que os torcedores fossem à Arena com um tapa-olho nas cores do clube e com o número 28, usado por Barcos. Uma ação simples e eficiente, que já torna o atleta uma “propriedade” do seu torcedor.

No Palmeiras, sem a existência de um departamento de marketing montado de forma a fazer com que haja estrutura suficiente para se trabalhar a imagem do ídolo, Barcos foi apenas mais um jogador, sem criar um vínculo maior com o torcedor.

Para criar o ídolo, é preciso trabalhar ações que, por menor que sejam, deixe o atleta vinculado ao clube. Pode apostar que há fanáticos suficientes para consumir esses produtos. E, com certeza, haverá um carinho muito maior do atleta com o clube. Esperar que a paixão do atleta por um time seja espontânea é coisa de uma era em que o futebol não tinha nem transmissão pela TV.

Sim, há exceções, mas quase sempre elas são os grandes craques que marcaram uma era dentro de um clube. O jogador que tem destaque por um breve período precisa de muito trabalho para seguir vinculado ao clube. E isso, esportivamente, pode ser muito bom para o time.


A necessidade de longevidade no patrocínio
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Erich Beting

A pergunta foi feita ontem durante palestra que dei para uma empresa sobre o mercado esportivo no pré-Copa e Olimpíada.

“O que vai acontecer com esse mercado depois de 2016?”.

Há quase quatro anos, quando o Rio foi eleito sede dos Jogos Olímpicos, diversas pessoas vieram me falar que a hora do esporte havia chegado. Em meio à excitação pela realização dos dois maiores eventos esportivos do planeta em solo brasileiro, a visão era a de que o mercado alcançaria um patamar jamais visto.

Realmente estamos caminhando cada vez mais para isso. Só que, ao mesmo tempo que a expectativa se transforma em realidade, a dúvida para o “pós-evento” começa a se formar na cabeça de quem trabalha com o esporte.

“O que virá depois” é a pergunta do momento. E é, também, a resposta para o crescimento do mercado após 2016.

O Brasil do esporte em 2017 com certeza não terá o mesmo nível de investimento que viveu nos quatro anos anteriores. Mas, também,  não estará num nível tão baixo quanto o dos quatro anos antes de 2013, quando todo mundo acreditava que rios de dinheiro seriam despejados no esporte.

O fato é que estamos passando por um momento de grande aprendizado na área de patrocínio esportivo no Brasil. As empresas estão, finalmente, entendendo que o investimento no esporte não é uma mídia alternativa, mas sim um processo para construção e fortalecimento de marca.

Dois casos recentes que mostram isso são os dos novos detentores do nome da Copa do Brasil e da Copa Libertadores. Perdigão e Bridgestone, respectivamente, fecharam contratos de longo prazo. No caso da empresa de alimentos, o acordo para dar nome à segunda maior competição nacional é de três anos. Já em relação à fabricante de pneus, o patrocínio se estende até 2017.

Nos dois casos, as duas marcas pretendem usar o esporte para formar no consumidor um conceito em relação à empresa. A menção ao patrocínio pelas empresas de mídia é apenas uma parte do motivo para patrocinar, mas o fundamental é poder criar uma série de ações para o consumidor que os aproxime das marcas e, claro, do consumo.

Com a entrada de novas empresas no esporte, a confusão das pessoas em relação a quem patrocina e qual propriedade é cada vez maior. Sendo assim, é fundamental para as marcas criarem projetos que não tenham como objetivo apenas a exposição da marca, mas sim a construção de uma história para o consumidor a partir desse patrocínio.

O Brasil de 2017 deverá ter cada vez menos empresas envolvidas com o esporte, mas elas estarão, aos poucos, cada vez mais comprometidas com o patrocínio no médio e longo prazo.


O vôlei virou refém do dinheiro
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Erich Beting

Na noite desta segunda-feira serão definidas as duas últimas vagas para as semifinais da Superliga feminina de vôlei. Como acontece há quase uma década, as meninas jogam para saber se Sollys ou Unilever vão levantar a taça (os dois times, aliás, foram os que venceram por 2 a 0 o confronto das quartas e já estão nas semis). No masculino, o final de semana definiu os oito times classificados para a fase decisiva. Os seis primeiros colocados são times que têm apoio de empresas, enquanto o título dificilmente sairá de alguma equipe que não seja RJX, Sada Cruzeiro ou Sesi, os três que recebem os maiores investimentos.

A colocação das equipes no principal campeonato do país mostra hoje o quanto o vôlei virou refém do dinheiro no Brasil. Com o modelo de negócios implementados pela CBV e pelos clubes, o capitalismo é a única solução para uma equipe ser competitiva. E isso é péssimo para o próprio negócio da modalidade.

No vôlei, a existência dos clubes depende essencialmente do investimento das empresas. Raramente há uma preocupação dos clubes de viverem do relacionamento com os seus torcedores Sendo assim, o clube depende do interesse que a empresa tem em investir no esporte. Quando finda o motivo para a empresa ter o patrocínio, ele geralmente fecha as portas.

Isso ficou claro há cerca de quatro anos, quando o vôlei assistiu a uma debandada de seus antigos patrocinadores. Santander, Ulbra, Unisul e outras empresas que tradicionalmente estavam ligadas ao esporte decidiram mudar o foco dos investimentos. Em seu lugar, entraram novos times, mas todos eles ligados a empresas e com investimentos ainda maiores. Sesi e RJX, por exemplo, entraram na brincadeira com muito dinheiro, derrubando equipes que já estavam na modalidade com relativo sucesso, como a Cimed, que desmontou o time em Florianópolis após ver que não valeria o investimento necessário para manter o time em alto nível.

É impossível, hoje, que uma equipe consiga bater de frente com os gigantes Sada, RJX e Sesi. Há cerca de cinco anos, o custo médio para ter uma equipe de ponta na Superliga masculina era de cerca de R$ 4 milhões. Hoje, esse é o orçamento de uma equipe de médio para pequeno porte. Os três do topo investem em torno de R$ 15 milhões ao ano na equipe.

Para piorar, o ranking de atletas da CBV, que tenta dar uma equidade ao nível técnico entre as equipes, só faz aumentar a dependência do dinheiro. Jogadores repatriados não somam pontos para o ranking. Só que eles quase sempre são os que custam mais caro, então só podem reforçar os times com mais dinheiro.

O vôlei brasileiro nunca esteve tão endinheirado como antes. O problema é que isso faz com que o número de equipes com reais chances de disputa da Superliga se restrinjam a, no máximo, três ou quatro times no masculino e, quase sempre, dois no feminino. O esporte, curiosamente, virou refém do dinheiro.


O advogado que sabia de menos
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Erich Beting

A história é bizarra em todas as instâncias. O tal advogado que resolveu ir à Justiça para anular o contrato de patrocínio da Caixa ao Corinthians (leia aqui) jogou a corda para ele mesmo se enforcar.

A começar pelo momento em que resolve ir à Justiça (cerca de quatro meses depois de o contrato ter sido assinado), passando pelo fato de simplesmente não saber que a Caixa já investia em clubes de futebol e terminando pelo argumento de que colocar a marca numa camisa “não dá retorno de imagem”, a sensação que se dá é de que o advogado sabe de menos.

Não sabe, por exemplo, que a própria Caixa patrocina outros esportes: atletismo, ginástica, luta olímpica e o Comitê Paraolímpico Brasileiro. Mais ainda, antes do Corinthians, a marca já estava na camisa de Avaí, Figueirense e Atlético-PR.

Como escrevi aqui na assinatura do contrato entre empresa e clube, o acordo tem por trás uma disputa dos cinco maiores bancos do país pelo consumidor ligado ao esporte (para ver a seção nostalgia clique aqui). Nesse cenário, a Caixa vinha perdendo terreno para Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Santander e precisava ter uma propriedade que pudesse fazer frente à concorrência.

E é aí que o nobre advogado dá a corda para se enforcar. O argumento de que “não dá retorno de imagem” o patrocínio a uma camisa de futebol vira algo totalmente sem sentido quando o próprio advogado que entra com o processo mostra que só tomou conhecimento da relação da Caixa no futebol quando a empresa chegou ao Corinthians.

Como então, dizer que o patrocínio não trouxe maior alcance para a marca da Caixa?

Temos um enorme problema conceitual no Brasil. As pessoas costumam confundir patrocínio no esporte com caridade. Ainda mais quando ele vem de uma empresa estatal. Sim, a história contribuiu muito para isso. No passado, com o esporte quase nada profissionalizado, geralmente o investimento tinha cunho político. A empresa, seja ela estatal ou não, raramente tinha uma estratégia para investir no esporte.

O caso mais emblemático disso foi o investimento do Banco do Brasil no vôlei. No início dos anos 90, as empresas estatais foram levadas a investir nas confederações dos chamados esportes olímpicos para ajudar financeiramente essas instituições, que estavam à beira da falência.

Na época, apenas a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) tinha um projeto consistente para fazer do Brasil uma potência mundial no esporte. O planejamento da CBV, turbinado pelo dinheiro do BB, deu certo, e a história a gente já sabe. O banco, corretamente, se apropriou desse sucesso e passou a usar o vôlei para rejuvenescer a marca, aproximar-se do público jovem, aumentar a visibilidade da empresa, investir em ações de marketing, etc. A partir do sucesso dentro da quadra é que a estratégia para o patrocínio, que dura até hoje, foi criada.

Hoje, porém, o mercado de patrocínio esportivo mudou muito. As empresas estão cada vez mais planejando antes de investir. A entrada da Caixa no futebol, por exemplo, se deu por necessidade de posicionar a empresa frente a investimentos cada vez maiores e mais midiáticos dos concorrentes. A oportunidade que existia era patrocinar camisas de clubes de futebol, usando também o torcedor desses times para alavancar outros produtos a serem comercializados pela empresa.

No final das contas, essa tal ação do advogado parece muito mais a tentativa dele de alavancar nacionalmente seu nome do que propriamente de zelar pelo bom uso do dinheiro público. O que seria mais uma mostra de como o patrocínio faz sentido para a marca…