A maior crise na Europa não é financeira!
Erich Beting
Há quatro anos que o mercado não se cansa de falar em crise na Europa. Desde a quebradeira geral, primeiro dos Estados Unidos e depois do restante do mundo, que muitos países europeus não conseguem sair do buraco em que se enfiaram. Grécia, Espanha, Itália e Portugal encabeçam a lista das grandes potências que hoje patinam, patinam e parecem não sair do lugar. Pior ainda, cada dia mais surgem novos problemas, novos dramas e aparentemente nenhuma solução.
Mas o problema que boa parte dos países da zona do Euro enfrenta atualmente está muito além da origem econômica. Claramente a Europa vive hoje uma crise de identidade. E talvez um dos símbolos que evidencia isso, na atualidade, seja a relação de Paris com o esporte.
O reaparecimento do Paris Saint-Germain ao mapa da bola, reconduzido pelos petrodólares do Qatar, é a síntese do conflito que está por trás da crise econômica europeia. A alternativa do PSG foi se juntar aos ricos. Definhando, sem poder de compra perante os rivais, sobrou ao clube a alternativa mais simples. Vendeu para um bilionário o controle acionário e, como um novo rico, foi às compras, montou um bom time e agora caminha para alguns anos de soberania na França e duelo grande na Europa. Algo impensável há sete anos, mesmo com a abundância de grana no continente, o PSG hoje é uma potência. Mas só conseguiu isso graças à venda de sua ''soberania'', por assim dizer.
A atitude do PSG não agradou a todos os torcedores. Há muitos deles que não se conformam com a venda do clube, tanto que parte das brigas que se seguiram nos festejos da conquista do título francês neste ano têm como motivo essa não-aceitação da venda do controle para os qataris. A força econômica do Qatar sobre o Paris e a França tem gerado diversas críticas ao novo modelo aceito pelo governo. Em troca de investimento, muitos bilionários do Oriente Médio têm feito a farra na Europa. Londres, que já tem um bairro ''patrocinado'' pela Emirates Airline, é a personificação dessa nova ordem geopolítica.
Enquanto trava o duelo contra a invasão estrangeira, os franceses também batalham contra a perda dos benefícios adquiridos. E a melhor tradução para isso está na venda dos direitos de exibição de Roland Garros em território francês (leia aqui).
A organização do Grand Slam francês já avisou que, no ano que vem, venderá a transmissão para a emissora que pagar mais caro, seja ela no sistema de TV aberta ou fechada. O anúncio, feito antes mesmo de começar a edição 2013 do torneio, foi um recado aos que reclamam do ''capitalismo selvagem'' dos gestores da competição. Em benefício próprio, a Federação Francesa de Tênis vai prejudicar a sociedade, tirando da TV aberta, gratuita, a transmissão do mais tradicional evento esportivo da capital francesa.
A lógica é a mesma que irrita a população, que não aceita que o governo tire dela os benefícios adquiridos no passado. Numa Europa que se acostumou a quase um século de governo garantidor de benesses, o fim do conceito de bem-estar social, ou pelo menos a sua readequação para uma realidade que caiba mais no bolso desses países, é quase uma afronta ao jeito europeu de pensar a vida.
No final das contas, a falta de dinheiro traz um sério problema, pois obriga os governos da Europa a repensarem o modelo que os consagrou e ditou suas preocupações pelo menos desde o término da Segunda Guerra, nos anos 40/50. O Estado tem de ser garantidor de diversos benefícios para a população, que por sua vez quer cada vez mais coisa sem ter dado relativamente nada em troca.
A atual geração por aqui não sabe o que é conceber a vida tendo de precisar ir atrás de benefícios do cotidiano. Seria, mal comparando, um brasileiro com carteira assinada não ter benefícios como vale-refeição, vale-transporte e seguro saúde. Por mais que seja argumentado a ele que retirar esses benefícios lhe dará a garantia de saúde financeira da empresa e consequentemente a manutenção do próprio emprego, ideologicamente ele não vai aceitar o fim dessa realidade.
A crise financeira na Europa poderia estar em estágio bem menos avançado não fosse também uma grave crise ideológica pela qual passam os moradores de boa parte do Velho Continente. E as situações de Paris Saint-Germain e Roland Garros evidenciam esse choque de valores pelo qual os europeus precisam passar.
Quando resolver que tipo de caminho querem seguir, pode apostar que os três: PSG, RG e a Europa mesmo, estarão rapidamente de volta a lugares de destaque.