Dono do Redskins peita presidente dos EUA. E se fosse aqui?
Erich Beting
Reza a lenda, ou pelo menos é isso que filmes e seriados americanos tentam transmitir, que o presidente dos Estados Unidos é o homem mais poderoso do planeta. Ir contra o Mr. President é quase uma sentença para que o cidadão ou aquela instituição se dê mal.
Só que filme americano algum já pensou em retratar o que acontece no Washington Redskins, time que disputa a liga de futebol americano, a NFL. Pelo menos lá, o presidente dos Estados Unidos não manda. Barack Obama teve seu pedido ignorado para a mudança do nome do clube.
Em meio a uma corrente politicamente correta de coibir o uso do apelido Redskins (que numa tradução livre quer dizer ''pele-vermelha'', maneira pejorativa usada pelos americanos para se referirem ao povo indígena no passado), Obama deu seu pitaco outro dia, de maneira politicamente correta, por assim dizer, sobre abolir o apelido.
“Não quero prejudicar os maravilhosos torcedores do Washington Redskins, que o amam com razão, mas, se dependesse de mim, eu pensaria em trocar o nome. Nomes como redskins ofendem um bom número de pessoas'', afirmou Mr. President.
A resposta veio por meio de uma nota oficial assinada por Daniel Snyder, proprietário do Washington Redskins:
''Washington Redskins é muito mais que o nome que nós temos chamado nosso time de futebol americano ao longo das últimas oito décadas. É o símbolo de força, coragem, orgulho e respeito, valores compartilhados pelos próprios índios americanos'', afirmou Snyder, entre outras coisas (leia a reportagem completa aqui).
Ao peitar Obama, o dono da franquia explica, mesmo que indiretamente, como funciona a cabeça do esporte nos Estados Unidos. A lógica é mais ou menos simples de ser entendida. E, para deixar bem claro, é preciso enumerar tudo o que acontece por meio de alguns ''princípios básicos''.
1 – O clube tem um dono.
2 – O dono vê no clube um negócio, que precisa ser rentável. Sendo assim, você precisa saber conseguir dinheiro para manter o negócio funcionado.
3 – A razão de ser do negócio clube é o torcedor. É por causa dele que existe o clube.
4 – Para satisfazer o torcedor, é preciso criar conexões com ele, que vem, principalmente, por meio de conquistas esportivas.
5 – Além das conquistas esportivas, é preciso ressaltar a história e o vínculo emocional que o torcedor tem com o clube.
6 – Como a pessoa é dona do clube, ela faz aquilo que considera melhor para ele, sem precisar de interferências, até mesmo do presidente dos Estados Unidos!
Não necessariamente nessa ordem, esses são alguns dos preceitos que explicam um pouco de por que o esporte nos Estados Unidos tem a área de marketing muito bem desenvolvida. Até por conta de um traço cultural americano, de ser um povo que gosta de estimular e receber estímulo para o consumo, isso funciona muito bem. O torcedor ama o clube, mas sabe que aquilo é um negócio e que há alguém que merece ganhar dinheiro às custas dessa paixão. Se ela está sendo correspondida, ok, é isso que ele quer.
Na Europa, essa mentalidade começou a permear a cabeça de alguns dirigentes de alguns clubes, especialmente na Inglaterra e na Alemanha. Não à toa, essas duas ligas são as mais avançadas em questão de geração de receitas, produção de bom espetáculo e, também, na invasão de investidores para a compra dos clubes (ainda mais na Inglaterra). Aos poucos, outros países começam a aderir à era do clube de futebol com dono.
Donos que sabem que a razão de existir de um clube tradicional é o torcedor. E que essa paixão precisa ser alimentada. Por mais popular e público que seja o esporte, o dono do clube continua soberano na hora de tomar uma decisão.
Por aqui, com a cultura esportiva baseada nas associações dos clubes, não há hoje qualquer brecha cultural para que um time venha a ter um dono. Nem mesmo em outros esportes, que reúnem menos torcedores que o futebol, essa hipótese é considerada.
Por conta disso, os conchavos políticos são fundamentais. São eles que garantem o prestígio dos presidentes, muito mais do que o negócio de um clube, que seria dar lucro e trazer o resultado em forma de desempenho esportivo. E, assim, fica muito, mas muito difícil, um projeto de longo prazo ser colocado em prática dentro de um clube. O mesmo raciocínio serve para a política, em que os planos são muito mais de poder do que de governo. É o sistema que leva a isso, muito mais do que a incompetência de quem está nos cargos.
Ah, mas na Espanha Real Madrid e Barcelona seguem o modelo brasileiro e são um sucesso…
Sim, mas lá, principalmente por uma questão de conveniência, o governo permitiu e estimulou o fim da competitividade interna para promover a Espanha por meio de dois únicos clubes.
Você, torcedor, aceitaria ver seu clube passar só a sobreviver para outros dois brilharem?
Pois é.
Por mais impopular que possa parecer, os lugares onde o esporte mais encanta o consumidor são aqueles em que a gestão deles é feita de maneira absolutamente privada. Por mais interesse público que o tema possa gerar. Barack Obama e o Washington Redskins estão aí para provar isso.