Negócios do Esporte

Get Lucky

Erich Beting

A febre de compartilhamentos nas redes sociais dos últimos dias é a apresentação feita no último domingo pelo grupo Daft Punk (em conjunto com Pharrell Williams, Nile Rodgers e Stevie Wonder) da música ''Get Lucky''. A performance sensacional de todos durante o Grammy, a maior festa de premiação do universo da música, foi daquelas de deixar gravado na memória de quem pode acompanhar um momento desses (para quem não viu, vai o link no fim do texto).

Mas o que raios isso tem a ver com marketing esportivo?

O fato é que a maneira como rolou o show para ''Get Lucky'' mostra que todos ali se ''deram bem'', como pede a música em seu título, mas dentro de um conceito completamente diferente daquele ao qual estamos acostumados. Para se dar bem, houve ensaio, testes, preparação, concentração, antecipação de ideias, junção de ritmos, etc.

E aí entra a questão do marketing e da gestão do esporte no Brasil como estamos acostumados a ser. Culturalmente, somos o país do improviso. Talvez nenhuma outra nação no mundo seja tão hábil em usar o talento para superar as adversidades. Nós nos damos bem em cenários em que o restante dos povos, quase sempre, não consegue sequer sair do lugar. É o tal do ''jeitinho'' brasileiro, que pode ter diversas interpretações, mas que, no fundo, é algo que revela de forma cristalina a forma com a qual estamos acostumados a trabalhar.

E nessa base do improviso, chegamos, após seis anos e meio, à Copa do Mundo. A primeira grande prova pela qual teríamos de ter passado enquanto nação. E, a menos de cinco meses do Mundial, o que apresentamos? Só temos um estádio pronto dos seis que ainda faltam para o evento. Não cumprimos a agenda prevista para a melhoria na mobilidade urbana, também deixamos de lado reformas importantes que poderiam acontecer no setor hoteleiro e, também, não soubemos projetar de forma positiva a imagem do Brasil a partir do evento.

Ficamos à espera de ''nos dar bem'', sem entender que, para isso, é preciso ser mais eficiente no dia-a-dia, sem confiar tanto no improviso, sem deixar tanto para o talento superar a falta de planejamento. A performance de ''Get Lucky'' no Grammy só confirma o estilo americano de planejar um evento de entretenimento. É preciso ser impecável, do começo ao fim, para que na hora, em vez de ''tudo dar certo'', tudo ser ''simplesmente fantástico''.

Domingo boa parte dos televisores nos EUA estarão ligados na final do Superbowl, o campeonato de futebol americano. Uma parte maior ainda de pessoas estará com o olhar grudado na tela na hora do show de música no intervalo da partida. Faz parte do negócio, é uma forma a mais de entretenimento, é um jeito de ampliar o alcance do evento, que se torna a cada dia mais mundial, apesar de o esporte só ser de fato popular em terras americanas.

Não interessa se é no Superbowl ou no Grammy, o americano sabe como poucos trabalhar para gerar nas pessoas o maior entretenimento possível. Esse seria um dos grandes aprendizados brasileiros com a Copa do Mundo. Levar, a um novo patamar, a nossa relação com o futebol. Preocupar-se com a qualidade do espetáculo, com a qualidade do serviço oferecido ao público, trabalhar para fazer do evento uma festa sem igual.

Só assim é possível se ''dar bem'', sem qualquer alusão pejorativa ao termo. Enquanto isso, o único jeito é olhar o ''Get Lucky'' e procurar entender de que forma fazer para nos darmos melhor no segundo teste que teremos, em 2016. Para este ano, infelizmente, a Copa do Mundo sairá ainda com a característica do ''jeitinho'' brasileiro. Sem dúvida será um evento muito legal. Mas duvido que provocará, nos jogadores, o mesmo que essa apresentação de ''Get Lucky'' conseguiu fazer nos grandes nomes da música popular mundial.

Era com esse pensamento que deveríamos ter começado a jogar a Copa do Mundo, lá no fim de 2007, quase comecinho de 2008. Temos capacidade para realizar, mas só com o talento, é impossível se dar bem. Alguém acha que Daft Punk, Pharrell Williams, Nile Rodgers e Stevie Wonder só foram sentar no mesmo palco naquela hora de fazer a performance para o show? Por mais talento que eles tenham, seria impossível sair algo de tamanha qualidade assim. E esse foi o grande bonde perdido pelo Brasil na Copa de 2014…