Negócios do Esporte

Arquivo : maio 2014

Investir em atleta é um enorme risco
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Erich Beting

A Copa do Mundo representa uma oportunidade única para os atletas do Brasil. Nunca antes na história desse país os jogadores tiveram tantos patrocinadores pessoais como agora. É só dar uma olhada no levantamento exclusivo feito pela Máquina do Esporte para perceber. Os 23 convocados de Luiz Felipe Scolari vão representar 35 marcas no Mundial, além das empresas fabricantes de material esportivo (detalhes aqui).

A lista só não é maior porque algumas apostas, que pareciam certas, tornaram-se barcas furadas. E é isso o que mais chama a atenção. Desde sempre, investir em atleta, salvo algumas exceções, é um risco.

Basta lembrar um caso emblemático envolvendo essa seleção brasileira.

A Copa das Confederações foi um evento teste não apenas para Fifa e Comitê Organizador Local. Às marcas, o torneio serviu para direcionar os investimentos tendo em vista as ações de ativação na Copa do Mundo. Todos olhavam com carinho o que iria acontecer com a seleção e seus jogadores para direcionar, depois, a verba e errar o mínimo possível.

Em Brasília, Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, cidades que receberam as partidas da seleção, a torcida brasileira mostrou que aquele time tinha um xodó. Em todo jogo, os gritos de “Lucas” eram ouvidos, numa espécie de clamor popular por uma figura que era, até então, tão midiática quanto Neymar no país.

Antes da Copa das Confederações, Lucas era a segunda opção comercial para as marcas. Adidas, Volkswagen, Gillette, Gatorade e Guaraná tinham no jogador contratado a peso de ouro pelo Paris Saint-Germain do São Paulo uma aposta segura. Os gritos da torcida eram mais uma prova disso.

Mas Lucas não foi a campo e, depois da conquista brasileira, paulatinamente foi perdendo espaço na cabeça de Felipão e da própria mídia, com quem ele se relacionava tão bem.

De uma hora para outra, era estranho olhar as campanhas em que lá estava ele falando com propriedade sobre seleção brasileira e Copa do Mundo. Na quarta-feira, simplesmente ninguém se lembrou de pedir por ele na lista dos convocados de Felipão.

Investir em atleta é uma aposta de alto risco para as marcas. Apesar de barato em comparação a outros investimentos, o risco de insucesso é diretamente proporcional à performance e conduta do jogador dentro e fora de campo.

A gangorra vivida por Lucas em um ano é só uma prova de que o tiro, muitas vezes, pode sair pela culatra…


Por que falta patrocínio no futebol justo agora?
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Erich Beting

Milagres não acontecem. Qualquer história por trás de um acordo de patrocínio tem, necessariamente, um pouco de suor, de esforço, de trabalho para que aquele negócio saísse. Pode ser um trabalho meramente de influência política, ou um esforço gigantesco para provar que aquele investimento vale o quanto se paga. O caminho para se conseguir um patrocínio é árduo. E a prova disso é que, até mesmo no futebol, está difícil para os clubes terem sucesso na busca por um patrocinador.

Mas como isso pode acontecer a quase um mês do início da Copa do Mundo?

Esqueça o discurso de que o Mundial afeta na busca pelo patrocínio. Nunca, e repito para reforçar mesmo, nunca foi tão fácil conseguir um patrocínio no esporte brasileiro. Vivemos, hoje, um momento muito mais aquecido e interessado das empresas em investirem em esporte. Em diversas modalidades, não apenas no futebol.

E isso é exatamente o principal motivo para que esteja mais difícil arranjar um patrocinador. As empresas começaram, como nunca, a pensarem antes de agir. Ainda pensam menos do que deveriam, mas pelo menos já é um alento. Sabe-se que investir em esporte é preciso, então começa-se a calcular melhor o passo que será dado dentro dessa indústria.

Hoje, na Série A do Campeonato Brasileiro, dos 20 clubes que lá estão, quatro não terão, após a pausa da Copa do Mundo, um patrocínio máster na camisa. Palmeiras, Santos, São Paulo (a partir do Mundial) e Sport não encontraram ainda alguém disposto a pagar pelo espaço mais nobre no uniforme.

Num país que não está em crise econômica como o nosso, o número preocupa. Pode-se dizer que 20% dos clubes não tem patrocinador principal. Nos outros 16 times, cinco tem acordos relativamente menores e 11 estampam a marca de uma instituição bancária no uniforme (detalhes aqui).

Os bancos, sem o perdão do trocadilho, são quem bancam a elite do futebol no Brasil. Pior ainda. São apenas três instituições em 11 clubes e todas elas com risco enorme de, até o fim do ano, mudarem de projeto. A Caixa possui sete times. O Banrisul, os dois do Rio Grande do Sul. E o BMG, os dois de Minas Gerais. Todos, sem exceção, são patrocínios calcados em decisões políticas. Seja do governo federal ou dos locais ou até mesmo da política de boa vizinhança do banco mineiro, que não deixou na mão os times (e credores) locais.

Com o cenário das eleições a caminho, é possível que haja um rearranjo nesses investimentos a partir de 2015. E, aí, a conta pode saltar assustadoramente. Dos 20 clubes de Série A, possivelmente 15 estariam sem um patrocinador. Justo agora?

Da mesma forma que o futebol não aprendeu ainda a precificar seus ingressos, falta ter a noção exata de quanto vale o patrocínio de uma camisa. Se o critério de venda continuar a ser a exposição da marca, o preço que os clubes querem cobrar está completamente fora de propósito.

Em cinco anos, triplicou-se o valor cobrado para o patrocinador máster, enquanto a incidência dos times na TV aberta só caiu. Como as empresas estão mais exigentes antes de colocarem dinheiro no esporte, as diferentes realidades estão distantes.

Falta patrocínio justamente agora no futebol porque as empresas começaram a estudar melhor qual deve ser o valor de um patrocínio, em vez de agir por impulso. Gente interessada não é problema. Desde que o futebol entenda que é preciso baixar a bola. Não é incompetência o problema de quem está sem patrocínio.

É muito mais a soberba que atrapalha…


O show vale, mas não tanto quanto se pensa…
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Erich Beting

A pergunta “Quanto vale o show?” era entoada nos domingos dos anos 80 por Silvio Santos durante o massacre psicológico de seu “Show de Calouros”. Na ocasião, seu Silvio pressionava o público a determinar se um calouro tinha ou não chance de prosseguir e tentar fazer sucesso com sua arte.

Hoje, quase 30 anos depois, a mesma pergunta é a que mais tem martelado na cabeça dos clubes brasileiros. Dois acontecimentos recentes acabaram levando a isso.

O primeiro é o advento dos novos estádios. Com eles, esperava-se que o público naturalmente aceitaria pagar mais pela novidade e, assim, teríamos lugares mais cheios e com maior arrecadação. Em parte, isso aconteceu, mas o encanto se quebrou com o fim da “novidade” dos estádios prontos para a Copa do Mundo, e o público parou de pagar tanto. O resultado mais prático disso é o quanto 2013 teve um estouro na arrecadação dos novos estádios e como esse número parece ter estagnado e até regredido em 2014.

O segundo fator que contribuiu foi o sucesso do São Paulo ao adotar a estratégia de reduzir de R$ 26 para cerca de R$ 10 o tíquete-médio durante o Brasileirão de 2013. Com o time na zona do rebaixamento, o Tricolor paulista não só passou a encher o Morumbi como aumentou até mesmo o lucro ao receber seus torcedores. O sucesso foi tão grande que o clube paulista passou a atuar com a lógica do varejo básica. Ingresso mais baixo para ter mais gente consumindo a marca. O lucro, no fim das contas, pode até ser maior.

Agora, é o Fluminense quem adota estratégia similar. O Tricolor do Rio abaixou o preço dos ingressos e, em duas partidas, colocou quase 80 mil pessoas no Maracanã. No ano passado, segundo levantamento exclusivo da Máquina do Esporte, o Maracanã teve 51% dos assentos ocupados nas partidas da Copa do Brasil e do Brasileirão. Com ingresso limitado a R$ 30, o Flu começa a dar outra resposta na arquibancada (detalhes aqui).

Até hoje, sempre foi na base do “achismo” que determinamos as causas para o torcedor ficar afastado do estádio. Preço do ingresso, quase nunca, foi levado em consideração, uma vez que outros fatores sempre foram determinantes, como a má qualidade dos estádios, a falta de infraestrutura em transportes e até mesmo o horário dos jogos.

Com as novas arenas, aos poucos o futebol brasileiro começa a perceber o óbvio. O produto que é oferecido nos gramados vale R$ 10, e não os R$ 30 ou R$ 40 que pretensamente imaginávamos ser o preço “justo” para uma partida de futebol. O show vale alguma coisa, mas está cada vez mais claro que não é tanto quanto se pensa.

Olhar a realidade europeia sem levar em conta que estamos com 20 anos de atraso no quesito relacionamento com o torcedor é não ter noção da evolução histórica da ida de público aos estádios do Velho Continente. No começo dos anos 90, os europeus debatiam o esvaziamento dos estádios e a necessidade de atrair o torcedor. Só agora é que, com as arenas constantemente lotadas, debate-se a majoração no preço dos ingressos, especialmente na Inglaterra, onde o show está cada vez mais valioso.

Por aqui, começamos a achar a solução para o estádio vazio. O próximo passo é começarmos um projeto para melhorar a qualidade do espetáculo. E, só então, vamos perceber que será necessário mudar mais estádios além dos 14 que vão surgir até o fim do ano. O valor do evento, quem determina, é o público. E, hoje, ele tem certeza de que o futebol, por mais bonita e reformada que esteja a casa, não é digno de mais do que seus 10 a 20 contos…


Neymar, à beira do risco de passar a ser artificial
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Erich Beting

O episódio do “#somostodosmacacos” não foi o tiro certeiro que deveria. Quando Daniel Alves comeu a banana para tripudiar sobre o torcedor racista, teve uma atitude corajosa e digna. Quando Neymar publicou a foto com o filho, os dois comendo uma banana e viralizou o #somostodosmacacos, a sacada foi da mesma forma inteligente. Não tão agressiva quanto a do amigo de time, mas pareceu o tiro certo, na mídia certa, da forma certa.

Até que veio a revelação de que a foto e a criação da “hashtag” por Neymar tinham, por trás, um conceito de criação da agência Loducca, que já cria diversos trabalhos em conjunto com o brasileiro. Quando isso aconteceu, boa parte das pessoas deu uma banana para a história de ser macaco, e passou a desmerecer a atitude de Neymar por “ser propaganda”.

Como já havia exposto aqui antes mesmo de essa história das bananas premeditadas ter sido revelada, acredito muito mais em sermos seres humanos do que macacos. Racismo é crime, e deve ser punido dessa forma. Se somos humanos, é assim que devemos agir, como a própria NBA deu o exemplo nesta semana ao banir o dono racista do LA Clippers.

Ao tornar o que seria uma ação espontânea em algo premeditado, Neymar faz cair por terra qualquer argumento de autenticidade na história. Foi esse, exatamente, o problema da história envolvendo as bananas. Era uma ação que parecia espontânea, mas se revelou premeditada. E, aí, a sensação de manipulação das pessoas revelou o lado ruim da publicidade.

Fazer uma campanha de publicidade não é nenhum demérito, muito pelo contrário. Ninguém é contra a boa ideia criativa de um publicitário, desde que ela convença as pessoas, não as manipule.

Neymar ganhou fama mundialmente por ser um cara extremamente autêntico. A boa forma como ele conduz suas atitudes dentro e fora de campo moldam o perfil de um ídolo carismático. O estilo do cabelo, a forma agressiva como parte para cima dos adversários, a “ousadia e alegria” que ele consegue transformar em símbolo, até mesmo a atitude extremamente madura que mostrou ao assumir a paternidade não planejada…

Tudo o que Neymar faz causa repercussão. Hoje, no Barcelona, é repercussão mundial. Isso é fantástico, motra que ele já conseguiu chegar aos níveis de Cristiano Ronaldo e Messi, mesmo sem ainda alcançar o auge de performance deles.

O que Neymar não pode correr o risco, agora, é de que tudo o que lhe é autêntico comece a parecer artificial. A grande força de um ídolo é a autenticidade que ele representa para as pessoas. É isso que os transforma em mitos.

Num patamar muito mais alto, o que mais decepcionou as pessoas no passado recente com Lance Armstrong e Tiger Woods foi descobrir que os ídolos eram falsos. Armstrong, que vendia a sua pureza nas provas, foi comprovadamente flagrado no doping, mesmo que anos depois de ter se dopado. Woods, que sempre apareceu como um “cara família”, colocou isso por terra ao ter dezenas de casos extraconjugais revelados.

Num mundo cada vez mais dominado pelo marketing e pela propaganda subliminar, o que mais queremos ter é pessoas que sejam naturais e espontâneas. Nada contra o marketing e a propaganda, mas tudo a favor daquilo que é autêntico.

O ídolo não pode, nunca, ser artificial. Neymar, ao dar mostras de que pensa muito antes de dar qualquer passo, começa a flertar com aquela tênue linha que o separa de ser um exemplo para as pessoas para se transformar num ídolo artificial, com cada passo planejado e pouquíssima autenticidade.

Neymar tem de ser apenas Neymar. Ou Neymar Junior, como ele tem orgulho em ser. Autêntico, natural e, sobretudo, exemplo. Se cada passo que ele der for milimetricamente calculado, por mais bem intencionado que seja, vai parecer “propaganda” para as pessoas. Com tudo o que pode existir de aspas nela.