Por que o profissionalismo sucumbe no esporte?
Erich Beting
Há cerca de um ano e meio, Flamengo e Palmeiras trouxeram sopros de esperança para o torcedor. Após gestões temerárias nos dois clubes, eram eleitos presidentes que traziam consigo o discurso da profissionalização e, especialmente, da racionalização dos gastos. Tanto Eduardo Bandeira de Mello quanto Paulo Nobre conseguiram ganhar a credibilidade do torcedor ao afirmarem que suas gestões iriam resgatar a grandeza de seus clubes, o orgulho de ser Mengão e Verdão e, melhor ainda, equilibrando financeiramente a casa.
Hoje, o Flamengo figura na zona de rebaixamento do Brasileiro, o Palmeiras flerta mais uma vez com ela e, fora de campo, parece que a casa da Mãe Joana continua. O clube paulista já pegou mais de R$ 100 milhões emprestados do próprio presidente, enquanto o Flamengo tenta adiantar as cotas de televisão de 2017 e 2018!!!!
O profissionalismo do discurso mostrou-se, na prática, tão ruim ou pior que a loucura descabida das gestões anteriores.
O fato é que o ambiente do esporte no Brasil hoje é tão viciado que é muito, mas muito difícil, conseguir fazer algo diferente. Os clubes estão endividados e, assim, precisam achar uma maneira de equilibrar o caixa e manter a competitividade esportiva. É, a grosso modo, tentar manter uma padaria aberta mesmo sem ter dinheiro para comprar a farinha de fazer o pão. É uma arte, requer muito malabarismo, jogo de cintura e, sobretudo, competência.
O que seria o grande mérito flamenguista nessa história toda virou pó em pouco mais de um ano. A austeridade fiscal cobra o preço de um time que, dentro de campo, está longe de lembrar o passado glorioso do Rubro-Negro e muito menos de resgatar o orgulho do torcedor. E, aí, a diretoria, pressionada pelo resultado dentro de campo, comete erros que dificilmente cometeria numa empresa, em que não existe um consumidor tão exigente (nem tão fiel) quanto no futebol.
Da mesma forma, nos lados do Palmeiras existe um grande sentimento de frustração pelo fato de o clube só sobreviver pelos empréstimos de Paulo Nobre. Não há patrocínio máster na camisa, não há competitividade do time dentro de campo, há perda de jogadores importantes e que poderiam engajar o torcedor (como Barcos e Allan Kardec).
Ao se deparar com tudo isso, o torcedor logicamente pergunta: ''É isso o que os ditos profissionais conseguem fazer?''.
O caso mais recente que mostra um caminho é, goste-se ou não, o do Corinthians. Quando a diretoria liderada por Andrés Sanchez assumiu o clube, ele vivia a mesmíssima situação de Flamengo e Palmeiras. Muitas dívidas, despesas altas e poucos caminhos a serem vislumbrados.
O que o Corinthians fez de diferente foi, primeiro, equilibrar o caixa. Renegociou as dívidas e adotou uma política clara de não-endividamento. Não se faria loucuras a partir daquele ponto. O Flamengo fez a primeira parte do plano, enquanto o Palmeiras executa a segunda. Só que ambos não olharam o terceiro passo fundamental nessa história: o torcedor.
A queda na Série B ajudou o Corinthians nesse sentido. O clube passou a contar histórias que resgatassem o carinho da torcida pelo time. E, na base de uma boa plataforma de comunicação, recolocou-o ao lado do clube. O resgate não se deu pelo resultado dentro de campo, mas pela lembrança do torcedor de que o Corinthians é mais do que o momento, é uma condição de vida.
Não havia a figura do profissionalismo no discurso de Andrés Sanchez. Pelo contrário. Ele representa o que há de mais caricato na história da cartolagem do futebol brasileiro. É centralizador, truculento, frasista, tirador de sarro. Mas teve uma enorme virtude. Deu, aos profissionais que faziam parte do cotidiano do clube, autonomia para gerenciá-lo. Atuando dentro de um plano bem estabelecido e com as metas muito bem traçadas, o Corinthians saiu das catacumbas para o topo do mundo. E perdeu o pé exatamente quando Andrés deixou de lado todas essas virtudes e virou ''mais do mesmo'', sendo apenas o cartolão igual aos outros.
O profissionalismo no esporte só conseguirá ser enraizado quando deixar de ter discursos de profissionalização para ações práticas disso. O presidente do clube é uma mera figura política. Ele que tem de dar as caras, mas não as cartas, no dia-a-dia de uma entidade. Abaixo dele, é preciso ter gente com autonomia para traçar o planejamento e executá-lo. Logicamente dependendo da aprovação e supervisão da diretoria, mas com a liberdade para não perder o rumo das coisas.
O governo federal tem, hoje, todas as condições para conseguir exigir essa nova postura dentro dos clubes. A força da caneta da aprovação da Lei de refinanciamento das dívidas (o Proforte, nome da vez para a quinta medida do gênero no futebol brasileiro) faz com que a oportunidade esteja passando na porta.
Se conseguir exigir melhoria de gestão para a continuidade da existência dos clubes, o governo conseguirá iniciar a revolução que tanto se pediu após os 7 a 1 da Alemanha. Não adianta achar que partirá do comando do futebol qualquer movimento de mudança. Isso implicaria, necessariamente, na mudança do comando do futebol.
Qualquer transformação só virá quando o futebol arejar suas ideias. Para isso, é preciso mudar a forma como os clubes se organizam. E, a partir deles, naturalmente vamos precisar mudar a forma como o futebol é gerenciado no Brasil.
Se não, o profissionalismo vai continuar a sucumbir no esporte. Não por falta de vontade de novas cabeças que aparecem, mas por total incapacidade de se mudar as coisas no meio viciado em que atualmente o esporte se encontra no país.