Negócios do Esporte

Arquivo : agosto 2014

A Globo finalmente se mexeu. Será que isso é bom?
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Erich Beting

Demorou, mas finalmente a TV Globo percebeu que a estratégia do “quanto pior, melhor” não pode funcionar para o futebol brasileiro. Há cinco anos que a emissora meio que fica só de canto, olhando o circo pegar fogo e os clubes se desunirem como nunca.

Agora, constatou-se o óbvio: se o futebol continuar desunido, será cada vez menos um bom produto.

No domingo, a Globo teve, no Rio e em São Paulo, o pior índice de audiência do ano (detalhes aqui e aqui). Nada anormal, não fosse o fato de os índices negativos terem sido com Corinthians e Flamengo, seus dois maiores clientes, na transmissão ao vivo!

O fundo do poço era uma crônica anunciada (e quem lê o blog sabe que desde 2010 que se bate nessa tecla).

A vaidade de se autodenominar como “mais valioso” fez os clubes deixaram de lado o que realmente faz deles objetos de valor, que é a construção de um campeonato emocionante e de alto nível técnico. Time de futebol só pode ser rival dentro de campo. Fora dele, os dirigentes precisam engolir vaidades e entender que trabalham para algo maior, que é o campeonato que disputam.

Com o efeito de ressaca pós-Copa, o baque começa a preocupar. Nunca o público deixou tão claro que anseia por mudança. Por isso o movimento da Globo não é apenas simbólico. Ele pode representar de fato uma boa mudança para o futebol.

O grande problema é que, mais uma vez, o sentimento de que as coisas têm de melhorar veio de fora para dentro. Não foram os próprios clubes que perceberam a necessidade de se articular e discutir melhorias para o futebol. Pior que isso, a origem do clamor por mudança é de quem tem todos os times na mão pelo poder econômico.

O futuro continua a ser uma grande incógnita…


Temos de querer a Copa, Mano!
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Erich Beting

Mano Menezes reclamou após o modorrento 0 a 0 de Coritiba e Corinthians às críticas e comparações feitas ao “futebol” praticado no Brasil em relação àquele da Copa do Mundo. Para o treinador, não é possível comparar o Mundial com o Brasileirão.

É verdade, são realmente preparações e níveis técnicos completamente distintos. Mas não podemos aceitar que o “Padrão Brasil” seja o do jogo que fez jus às duas letras iniciais dos dois time.

O que mais mudou na Copa em relação ao período anterior a ela foi o nível de exigência do torcedor. Antes, apenas quando ligávamos a TV no futebol da Europa tínhamos acesso a um espetáculo de alto nível. Boa parte dos jornalistas e dos torcedores estava acostumada a não ver, nos gramados daqui, um futebol de qualidade. Assim, acostumamo-nos a ver, na boa vontade dos jogadores, sinônimo de bom jogo e de disputa “emocionante”.

Aí veio a Copa. Por ser no Brasil, jornalistas e torcedores que nunca haviam tido a oportunidade de ver grandes jogos in loco. Pudemos perceber que é possível praticar um futebol defensivo, mas bonito, como o da Costa Rica. Tivemos, por 30 dias, contato com algo bem diferente daquilo que víamos por aqui. E, por isso mesmo, aumentamos a cobrança por melhoria na qualidade da bola que é chutada por aqui.

Não podemos esquecer a Copa do Mundo. Temos, pelo contrário, de trabalhar para conseguir um padrão melhor para o futebol que é jogado no Brasil. O futebol feio é um limitador de público. Sendo assim, ele perde o interesse para diversas outras formas de entretenimento, gera o afastamento das pessoas e, por fim, diminui consideravelmente o campo de trabalho para aqueles que vivem (ou pretendem viver) dele.

Mano Menezes, pelo bem do seu emprego, é preciso que torcedores e imprensa queiram ver o Corinthians, maior orçamento do futebol brasileiro, praticando um futebol de dar gosto.

Pensar no resultado de curto prazo é não olhar para o óbvio. A continuar nesse ritmo, em 30 anos, o futebol praticado no Brasil estará restrito a um público fanático, que torce para o clube independentemente do grau de satisfação de espetáculo que ele apresente. E o mercado de trabalho ficará, logicamente, muito menor.

Temos de querer o futebol da Copa do Mundo de volta! Afinal, ele é o exemplo de como é possível praticar o melhor futebol do mundo. E, dessa vez, foi aqui em casa… Conformar-se com o que estamos fazendo com o futebol é uma tremenda falta de visão.


O risco do ‘jeitinho’ para o Rio-2016
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Erich Beting

O sucesso da Copa do Mundo é o maior perigo para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Entramos hoje na contagem regressiva para o 5 de agosto de 2016. Passado quase um mês do término do Mundial de futebol, os olhos de todos, agora, voltam-se para a Cidade Maravilhosa.

O Rio de Janeiro terá de conseguir entregar, nos próximos 731 dias, um evento que comprove na prática aquilo que conseguimos vender na teoria. O plano que fez da cidade vencedora da concorrência para sede dos Jogos de 2016 foi um dos mais brilhantes planos estratégicos já feitos no esporte nacional.

Soubemos vender muito bem nosso peixe naquele 2 de outubro de 2009. Foi o tal do plano perfeito. Mostramos, claramente, que, se o COI quisesse se mostrar uma entidade moderna, teria de escolher pela primeira vez um país sul-americano para abrigar os Jogos. Respaldados pela maré otimista que cercava o Brasil à época, os dirigentes do comitê internacional deram ao Rio a responsabilidade de ser o anfitrião do maior evento esportivo do planeta.

Para que tudo não vire pó, o Rio tem pela frente um desafio ainda maior do que aquele vencido aos 45 do segundo tempo pelo Brasil em relação à Copa do Mundo. Conseguimos fazer um Mundial genuinamente brasileiro, naquela improvisação assustadora, mas eficiente, que tanto marca nosso país.

Só que o relógio olímpico é mais cruel. O COI acompanha a rédea curta a preparação da cidade-sede. A mídia americana entra de sola muito mais do que na Copa. Os atletas, então, são muito mais engajados e exigentes que os jogadores de futebol. A complexidade de uma Olimpíada impede que sejamos tão adeptos do bordão “no final dá certo”.

Está passando da hora de o Rio executar o projeto Olímpicos. Aparentemente falta muito. Na prática, sabe-se que não sobra quase nada de tempo para a cerimônia de abertura.

Se não quiser ver a pira olímpica apagar, o Rio precisa abolir o “jeitinho”. Deu certo na Copa do Mundo. É arriscar muito esperar que novamente consigamos uma mágica tão grande nas Olimpíadas.

Faltam só dois anos…


Por que o profissionalismo sucumbe no esporte?
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Erich Beting

Há cerca de um ano e meio, Flamengo e Palmeiras trouxeram sopros de esperança para o torcedor. Após gestões temerárias nos dois clubes, eram eleitos presidentes que traziam consigo o discurso da profissionalização e, especialmente, da racionalização dos gastos. Tanto Eduardo Bandeira de Mello quanto Paulo Nobre conseguiram ganhar a credibilidade do torcedor ao afirmarem que suas gestões iriam resgatar a grandeza de seus clubes, o orgulho de ser Mengão e Verdão e, melhor ainda, equilibrando financeiramente a casa.

Hoje, o Flamengo figura na zona de rebaixamento do Brasileiro, o Palmeiras flerta mais uma vez com ela e, fora de campo, parece que a casa da Mãe Joana continua. O clube paulista já pegou mais de R$ 100 milhões emprestados do próprio presidente, enquanto o Flamengo tenta adiantar as cotas de televisão de 2017 e 2018!!!!

O profissionalismo do discurso mostrou-se, na prática, tão ruim ou pior que a loucura descabida das gestões anteriores.

O fato é que o ambiente do esporte no Brasil hoje é tão viciado que é muito, mas muito difícil, conseguir fazer algo diferente. Os clubes estão endividados e, assim, precisam achar uma maneira de equilibrar o caixa e manter a competitividade esportiva. É, a grosso modo, tentar manter uma padaria aberta mesmo sem ter dinheiro para comprar a farinha de fazer o pão. É uma arte, requer muito malabarismo, jogo de cintura e, sobretudo, competência.

O que seria o grande mérito flamenguista nessa história toda virou pó em pouco mais de um ano. A austeridade fiscal cobra o preço de um time que, dentro de campo, está longe de lembrar o passado glorioso do Rubro-Negro e muito menos de resgatar o orgulho do torcedor. E, aí, a diretoria, pressionada pelo resultado dentro de campo, comete erros que dificilmente cometeria numa empresa, em que não existe um consumidor tão exigente (nem tão fiel) quanto no futebol.

Da mesma forma, nos lados do Palmeiras existe um grande sentimento de frustração pelo fato de o clube só sobreviver pelos empréstimos de Paulo Nobre. Não há patrocínio máster na camisa, não há competitividade do time dentro de campo, há perda de jogadores importantes e que poderiam engajar o torcedor (como Barcos e Allan Kardec).

Ao se deparar com tudo isso, o torcedor logicamente pergunta: “É isso o que os ditos profissionais conseguem fazer?”.

O caso mais recente que mostra um caminho é, goste-se ou não, o do Corinthians. Quando a diretoria liderada por Andrés Sanchez assumiu o clube, ele vivia a mesmíssima situação de Flamengo e Palmeiras. Muitas dívidas, despesas altas e poucos caminhos a serem vislumbrados.

O que o Corinthians fez de diferente foi, primeiro, equilibrar o caixa. Renegociou as dívidas e adotou uma política clara de não-endividamento. Não se faria loucuras a partir daquele ponto. O Flamengo fez a primeira parte do plano, enquanto o Palmeiras executa a segunda. Só que ambos não olharam o terceiro passo fundamental nessa história: o torcedor.

A queda na Série B ajudou o Corinthians nesse sentido. O clube passou a contar histórias que resgatassem o carinho da torcida pelo time. E, na base de uma boa plataforma de comunicação, recolocou-o ao lado do clube. O resgate não se deu pelo resultado dentro de campo, mas pela lembrança do torcedor de que o Corinthians é mais do que o momento, é uma condição de vida.

Não havia a figura do profissionalismo no discurso de Andrés Sanchez. Pelo contrário. Ele representa o que há de mais caricato na história da cartolagem do futebol brasileiro. É centralizador, truculento, frasista, tirador de sarro. Mas teve uma enorme virtude. Deu, aos profissionais que faziam parte do cotidiano do clube, autonomia para gerenciá-lo. Atuando dentro de um plano bem estabelecido e com as metas muito bem traçadas, o Corinthians saiu das catacumbas para o topo do mundo. E perdeu o pé exatamente quando Andrés deixou de lado todas essas virtudes e virou “mais do mesmo”, sendo apenas o cartolão igual aos outros.

O profissionalismo no esporte só conseguirá ser enraizado quando deixar de ter discursos de profissionalização para ações práticas disso. O presidente do clube é uma mera figura política. Ele que tem de dar as caras, mas não as cartas, no dia-a-dia de uma entidade. Abaixo dele, é preciso ter gente com autonomia para traçar o planejamento e executá-lo. Logicamente dependendo da aprovação e supervisão da diretoria, mas com a liberdade para não perder o rumo das coisas.

O governo federal tem, hoje, todas as condições para conseguir exigir essa nova postura dentro dos clubes. A força da caneta da aprovação da Lei de refinanciamento das dívidas (o Proforte, nome da vez para a quinta medida do gênero no futebol brasileiro) faz com que a oportunidade esteja passando na porta.

Se conseguir exigir melhoria de gestão para a continuidade da existência dos clubes, o governo conseguirá iniciar a revolução que tanto se pediu após os 7 a 1 da Alemanha. Não adianta achar que partirá do comando do futebol qualquer movimento de mudança. Isso implicaria, necessariamente, na mudança do comando do futebol.

Qualquer transformação só virá quando o futebol arejar suas ideias. Para isso, é preciso mudar a forma como os clubes se organizam. E, a partir deles, naturalmente vamos precisar mudar a forma como o futebol é gerenciado no Brasil.

Se não, o profissionalismo vai continuar a sucumbir no esporte. Não por falta de vontade de novas cabeças que aparecem, mas por total incapacidade de se mudar as coisas no meio viciado em que atualmente o esporte se encontra no país.