O fantástico mundo paralelo da publicidade no esporte
Erich Beting
O jogo do Corinthians contra o Novorizontino, no dia 10 de abril, pela última rodada da primeira fase do Paulistão, servia para praticamente nada. O Timão já estava classificado para as oitavas, e o rival tentava uma improvável vitória para conseguir chegar à mesma fase do campeonato, por outro grupo.
No intervalo da partida, surge a mensagem no meu WhatsApp: ''Pior ação da história do futebol mundial'', seguida de várias fotos do telão da Arena Corinthians com nomes de marcas e um contador de giros. Depois, a foto de um setor da ala oeste do estádio ocupado por cerca de cem torcedores com faixas com os nomes das marcas.
''Pediram para a torcida gritar o nome do patrocinador. Se atingisse um volume X, aconteceria algo que não foi possível entender pelo sistema de alto-falante da Arena. Mas foi um dos silêncios mais constrangedores que eu já vi no estádio''. Foi o relato de quem me mandou as imagens.
Fomos atrás da história e, à época, descobrimos apenas que ela era promovida pela agência de publicidade DM9 (detalhes aqui) e não envolvia o pagamento de nenhuma verba dos três patrocinadores da ação, apesar de a agência prometer um cheque de R$ 100 mil para o clube investir no Centro de Treinamento.
Avança a história para 6 de maio. Sexta, quase 23h, recebo outra mensagem no WhatsApp, com um vídeo feito pela DM9, sobre a história de toda a ação ''Ganhar no Grito''. O vídeo, com narração em inglês, relata um efusivo sucesso de um clube que tem 30 milhões de patrocinadores, que gritam o nome das marcas com um fervor parecido ao momento em que soltam o grito de ''Todo Poderoso Timão''…
Pelo jeitão do vídeo, época de lançamento e tudo mais, a DM9 decidiu inscrever essa ação para concorrer a algum prêmio no Cannes Lions, principal festival da publicidade. Este ano, pela primeira vez, haverá premiação para a categoria esporte, com dez diferentes sub-categorias.
Mas será que vale a pena inscrever essa ação para o festival? A DM9 faz um desserviço ao esporte ao usá-lo para inventar uma história que não existiu (vale ler o compilado do site ''Meu Timão'' sobre o vídeo). Pior ainda. Provavelmente para não invalidar a inscrição a um prêmio, a agência retirou a possibilidade de se colocar comentários sobre o vídeo publicado, que fatalmente revelaria o conto de fadas do ''storytelling'' criado por ela.
Sou um dos maiores críticos à entrada do publicitário com uma visão completamente deturpada de construção de marca para trabalhar a temática do esporte. Já critiquei, por aqui, a bobagem feita pela Zurique Seguros há quatro anos, quando resolveu fazer uma brincadeira antes de um Palmeiras x Santos (relembre aqui).
O apetite por leões de Cannes faz com que as agências busquem o esporte para conversar. Isso resultou, no passado, em duas ótimas ações. Uma foi a da Ogilvy com o Sport (leia aqui) e a outra, da Leo Burnett com o Vitória (relembre aqui). Mas isso não pode virar desculpa para que os clubes virem plataforma para se criar histórias fictícias que vão contra a essência do vínculo do torcedor com o clube.
O fantástico mundo paralelo da publicidade no futebol tem mania de transformar uma relação verdadeira num conto de fadas que não transmite a realidade do engajamento do fã com o esporte. Quando consegue fazer essa ligação, o esporte é uma ferramenta capaz de gerar excelente retorno para as marcas. Quando vão longe disso e, pior, tentam fingir que a ação foi um sucesso, o fracasso é redundante.
O vídeo abaixo é a prova de quão impossível é acreditar no conto de fadas contado pela DM9. Muito mais inteligente teria sido a agência se preocupar em contar a linda história da ação promovida pelo Corinthians com refugiados torcedores do clube que moram no Brasil, ocorrida dias depois daquele 10 de abril na mesma Arena Corinthians.
Mas, muito provavelmente, essa não foi uma sacada publicitária da agência…
PS: Alguns minutos após a veiculação do comentário no blog, o vídeo foi colocado em modo privado