Negócios do Esporte

Arquivo : março 2015

Bahia mostra como o futebol está parado no tempo
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Erich Beting

O veto do Bahia à Itaipava Arena Fonte Nova é apenas mais um capítulo nas brigas que os clubes de futebol têm travado com os novos donos dos estádios.

Os baianos juntaram-se à lista que já tinha Corinthians, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Inter e Palmeiras. Esses clubes estão usando estádios novos sem terem precisado pagar por ele, ou ainda sem precisar pagar, casos de Grêmio e Corinthians. Só que esses clubes não entenderam que, pelo modelo de negócios implementado, eles não são mais os únicos donos do espaço (o Grêmio, após a desistência da OAS, é a exceção a essa lista).

Quando o Bahia decide romper com a Fonte Nova por não aceitar, entre outras coisas, que a empresa administradora do estádio tenha mais interesse em realizar outros eventos do que os jogos do clube, ele literalmente joga para a torcida. O problema não é o tratamento “injusto” que é dado ao Bahia, mas o próprio produto que o clube tem a oferecer a seus consumidores.

Em 2015, foram oito partidas disputadas na Itaipava Arena Fonte Nova sob mando do Bahia. Desse total, sete por competições oficiais (Baianão e Copa do Nordeste) e um amistoso, contra o Shakhtar Donetsk.

Metade dos jogos deu prejuízo, enquanto metade das partidas deu lucro. Dos jogos lucrativos, dois foram irrisórios (R$ 27 mil e R$ 5 mil). Só o duelo contra o Campinense pela Copa do Nordeste, no sábado passado, e o amistoso contra o Shakhtar, em janeiro, deram pelo menos mais de R$ 200 mil de lucro.

O Bahia se ofende por ser preterido para uso da Fonte Nova. O clube reclama que o espaço é usado para casamentos e festas, sem receber a “massa” torcedora. Só não enxerga, ou não quer falar, que é mais negócio emprestar o estádio outros eventos do que abrir para partidas de futebol.

O que os cartolas do futebol parecem não ter percebido é que nunca houve um investimento privado tão alto na modalidade quanto agora. Logicamente turbinado pela Copa do Mundo, mas esse investimento representa uma nova realidade para o esporte. Não há mais estádio “público”. Os espaços hoje têm um dono que precisa ter retorno sobre o investimento que foi feito. Por isso, ele precisa ver o que é mais vantajoso para o seu negócio.

Ao romper com a Fonte Nova, o Bahia dá um recado amedrontador para a indústria. Os clubes usam a força da torcida para se dizerem vítimas de uma realidade. Só não percebem que eles são incompetentes também para promover um espetáculo mais interessante para o público.

Faltam bons motivos para os torcedores irem aos jogos de futebol. Quem é responsável por pagar a conta desses estádios sofre, na pele, essa realidade. Os clubes, como sempre, não estão preocupados com quem irá pagar a conta. Não dá para culpá-los. Foi assim que viveu o futebol brasileiro desde os anos de Getúlio Vargas, que usava o circo do esporte para entregar entretenimento gratuito às pessoas.

A chave é que o presente mudou. Hoje, ter um estádio novo significa gastar bastante para construí-lo e mais um tanto para mantê-lo. Como não é mais o ente público o responsável por isso, alguém precisa pagar essa conta. O futebol precisa entregar um produto melhor para ser interessante para um estádio ter o time jogando nele. Do contrário, será muito mais negócio receber casamentos, shows, festas religiosas, etc.

O Bahia romper com a Fonte Nova alegando que está fazendo um mau negócio só mostra que o clube segue parado no tempo. O público já cansou do produto que o futebol entrega para seu torcedor. É preciso melhorar a entrega. Foi isso que os clubes ingleses e alemães perceberam há 20 anos. E é por isso que eles são os que têm melhor média de público e renda nos estádios de futebol pelo mundo…


O não de Ibra à Pokerstars só o torna maior
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Erich Beting

Ibrahimovic recusou um patrocínio de 4 milhões de euros. A negativa do jogador sueco para a Pokerstars (detalhes aqui) ajuda a torná-lo, atualmente, num dos mais eficientes garotos-propagandas do futebol. Ibra recusou o patrocínio por não gostar de pôquer. E isso explica bastante o porquê de ele ser um cara excelente para endossar algum produto.

O estilo despojado do atacante cairia como uma luva para a empresa, que já tem Ronaldo e Rafael Nadal como garotos-propagandas e jogadores. Mas de que adianta ter um rosto para a marca se ele não traduz os princípios daquela empresa. A atitude do sueco é perfeita. Ele passa o recado de que não quer dinheiro, mas sim endossar apenas aquilo no que acredita ou confia.

É, a grosso modo, um comportamento completamente oposto ao de Roberto Carlos, vegetariano declarado que fez propaganda para a Friboi, produtora de carne. A repercussão negativa do fato tornou a campanha completamente falsa, a ponto de ser retirada do ar e ir parar na Justiça.

O recado que Ibrahimovic dá ao não aceitar um valor astronômico para propaganda é claro. Quem quiser se associar a ele precisa, acima de tudo, oferecer um produto que tenha sentido para o jogador. É isso que torna o garoto-propaganda mais eficiente. Neymar, Cristiano Ronaldo e Messi, aparentemente, ainda não conseguiram atingir esse grau de maturidade em suas relações comerciais.

Ibra, de um jeito ou de outro, consegue conferir a seus patrocinadores uma impressão mais autêntica do que os “concorrentes” ao trono de principais garotos-propagandas do mundo da bola nos dias de hoje.


Memória de Portugal Gouvêa não merecia esse São Paulo
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Erich Beting

O São Paulo acaba de levar um baile do Palmeiras como há muito não se via. Um time perdido, sem alma, sem lógica, completamente indolor. Um time que reflete, no campo, o que acontece nos bastidores do clube.

O que poderia ter acontecido com o São Paulo que saiu de primeiro tricampeão seguido do futebol brasileiro em 2008 a um clube sem rumo nos últimos três a quatro anos?

O problema do Tricolor paulista atual é, exatamente, a política conturbada do clube. Falta, no São Paulo, alguém que reúna os “Cardeais”, como são chamados os conselheiros do clube, e mostrem aquilo que o clube sempre se gabou de ter como diferencial em relação aos demais, que era uma instituição imune às crises políticas.

Em 2001, quando Paulo Amaral concorria à reeleição, Marcelo Portugal Gouvêa conseguiu derrotá-lo por apenas dois votos de diferença. Na ocasião, o São Paulo vivia situação muito similar à de hoje. Crise política, debates acalorados pela mídia e uma tremenda bagunça dentro de campo. Para piorar, naquela época, o clube estava afastado da tão familiar Copa Libertadores havia 8 anos, desde a derrota para o Vélez na final de 1994.

Portugal Gouvêa foi eleito, recolocou o time na Libertadores, foi semifinalista em 2004 e campeão em 2005. Deixou a presidência em 2006, campeão brasileiro, sem modificar o estatuto para manter-se no poder. Fez o sucessor, Juvenal Juvêncio, e manteve-se próximo à política do clube até o momento em que a saúde debilitou-o. Em 29 de novembro de 2008, Portugal Gouvêa morreu. E o São Paulo, sem saber, começou a sua derrocada.

Falta ao São Paulo um articulador tão bom quanto se espera de Paulo Henrique Ganso. Ou quanto foi Kaká, no semestre passado. Falta alguém que consiga mostrar aos Cardeais o que Portugal Gouvêa conseguia fazer como poucos. As diferenças políticas precisam ser colocadas num segundo plano para o clube conseguir ser bem-sucedido.

O São Paulo de hoje é uma desonra a Portugal Gouvêa. E explica, pela política tumultuada que permeia o clube, a falta de competência dentro de campo. O problema do São Paulo está longe de ser apenas técnico. É político. Como quase sempre acontece na maioria dos clubes.


Palmeiras repete sucesso do Arsenal que mudou futebol inglês
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Erich Beting

O ano era o de 2005. O Arsenal havia acabado de abrir seu novo estádio, o Emirates Stadium. Time tradicional da cidade mais populosa da Inglaterra, com uma boa frequência de torcida no estádio, mas sem conseguir grandes performances em campo, o Arsenal começou a impressionar pelos números de arrecadação em bilheteria na nova casa.

Em dois anos, o clube conseguiu pagar o que havia previsto para dez anos. E iniciou uma nova era no futebol inglês. Na última década, os demais clubes começaram a reformar seus estádios, procurar alternativas para arrecadar mais, especialmente com os espaços corporativos, que até então eram receitas sub-exploradas.

Dez anos depois, o futebol brasileiro começa a perceber o quão benéfico pode ser um novo estádio para as finanças do clube. E o responsável é um clube que lembra bastante o Arsenal. Time tradicional da cidade mais populosa do Brasil, com boa frequência de torcida no estádio, mas sem grande performance em campo, o Palmeiras começa a impressionar por fazer, em menos de três meses, mais do que os outros times em arrecadação de bilheteria.

O ponto a se discutir, porém, é o mesmo que ronda os debates na Inglaterra desde 2008, quando o país entrou na crista da onda da crise financeira mundial. O preço dos ingressos é incompatível com a realidade da maioria da população. Isso não significa, porém, que o clube tenha interesse em baixar o valor cobrado pelo bilhete.

E esse é o maior problema que haverá para o mercado brasileiro se adequar após ajustar-se à realidade dos novos estádios. Só na Alemanha que o estádio novo não é confundido com ingresso caro.

O futebol no Brasil deverá passar, pelas próximas duas décadas, por uma mudança significativa de aparato esportivo. A tendência é que os estádios sejam remodelados e/ou construídos novas e modernas arenas. Essa é a notícia boa. A ruim é que, pelo caso de maior sucesso até agora, a tendência é que caiamos no erro de aumentar consideravelmente o preço do ingresso por isso. Sem melhorar a qualidade do produto, isso é péssimo.


A dura tarefa de transmitir esporte na TV aberta
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Erich Beting

A Globo quis mudar a transmissão de Fórmula 1 e fez, do pré-evento, uma espécie de “show de auditório” sem auditório, mas com todas as firulas que só estamos acostumados a ver nesse tipo de programa. No meio da madrugada, Galvão Bueno era o grande astro da transmissão travestida de show da primeira prova da temporada. A iniciativa gerou desconforto, principalmente entre os fanáticos. Nas redes sociais, as críticas foram praticamente instantâneas. Nos sites especializados, idem. Tanto que a enquete do Grande Prêmio, com cerca de 5 mil internautas, apontou rejeição de 90% ao formato utilizado pela emissora.

A crítica é justificável. Por conta do horário da madrugada, muito provavelmente quem ficou acordado até tarde para acompanhar o GP da Austrália foi o cara que é, realmente, um fã daquele esporte. Ele possivelmente foi a maioria dos cerca de 1 milhão de pessoas em São Paulo e 700 mil no Rio de Janeiro que acompanharam a corrida ao vivo, segundo os dados do Ibope. Mas o ponto é que, seja por conta dessa transmissão diferente ou não, a audiência da F1 cresceu em comparação a 2014 (leia aqui).

E é aí que entra o grande desafio que tem a TV aberta na transmissão do esporte. É muito provável que o fanático por esporte (que obviamente é a absoluta maioria dos que me acompanham por aqui) não consiga entender que a TV aberta não foi feita para ele. Quer dizer, até pode ter sido, mas hoje geralmente há uma massa muito maior de não-fanáticos acompanhando o evento na TV aberta do que a de profundos conhecedores do tema. E, por isso, a transmissão trata o esporte muito mais como uma diversão do que com a seriedade que exige um fanático.

A razão para isso é relativamente simples. Há 20 anos que existe a opção de o brasileiro acompanhar esporte em canais exclusivos, com programação dedicada 24h somente a esporte. O aparecimento da TV a cabo no país mudou radicalmente a vida do fanático por esporte. Hoje, temos quase dez canais exclusivos de esporte no país. É um assombro, se considerarmos que, no começo dos anos 90 a Bandeirantes fez fortuna ao se denominar “o canal do esporte”.

A questão é que a TV aberta exige muito mais pluralidade de conteúdo. E, por conta disso, ela precisa falar para todo tipo de gente. O fanático, muitas vezes, não se conforma com a instrução “básica” que é passada a ele. A transmissão, que foi antes meramente informativa, precisa ser interessante para aquele que não dá tanta bola para a informação, mas muito mais para o show que é protagonizado pelo esporte.

Nesse sentido, por mais que o esporte preferido do fanático para as transmissões de TV aberta seja achincalhar Galvão Bueno, o estilo “showman” que ele adota nos eventos é fundamental para captar a atenção do telespectador que não é vidrado naquilo. Galvão aumenta a dramaticidade de um evento a níveis mais apelativos que o da Cantareira, mas com esse jeito de ser consegue hipnotizar o não-fanático.

O desafio para as transmissões na TV aberta é entreter as pessoas, além de informar. Conseguir fazer as duas coisas ao mesmo tempo é um talento que pouquíssimos rostos que figuram na nossa televisão conseguem ter. Afinal, o show tem de continuar…


O horário das 11h, um bom legado dos protestos
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Erich Beting

De forma involuntária, os protestos contra tudo e contra todos (até o Valdívia entrou na conta) realizados no domingo deixaram um legado para o futebol. O jogo do Palmeiras contra o XV de Piracicaba, às 11h, foi uma imposição da polícia, temerosa de que não conseguiria dar conta do povo na Paulista e de duas dezenas de milhar no Allianz Parque simultaneamente.

No fim das contas, a partida às 11h foi bacana para que pudéssemos, após muitos anos, testar alguma novidade dentro do futebol paulista. Mesmo que sem querer, o jogo matutino deixou boa impressão. Ele é, afinal, uma alternativa à regra. Estávamos, há décadas, acostumados a não mexer com o horário das partidas no Brasil. Pouquíssimas inovações foram feitas.

O horário das 11h é ótimo para o consumidor. O cara acorda, toma um café da manhã, vai para o estádio e, às 13h, já sai com o dever semanal cumprido de ir acompanhar o time no campo. É um horário convidativo para as famílias, mas também é bom para quem está em casa acordando ainda na preguiça dominical.

O esporte é, acima de tudo, entretenimento. O atleta não trabalha para ele, mas para promover um show para as pessoas. Geralmente é muito, mas muito difícil para os gestores do esporte entenderem isso. Tão importante quanto a qualidade do atleta está o interesse do público naquilo.

Atualmente, promover um jogo às 11h é sair da mesmice dentro do futebol. Taí um protesto que se perdeu no emaranhado de reivindicações deste domingo: pelo fim da partida de quarta-feira às 22h e pela imposição do horário de domingo das 11h! No médio prazo, até mesmo a TV deve agradecer o aumento de audiência no jogo pela manhã…


Sem inovar, Fórmula 1 vai virar um ex-esporte
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Erich Beting

A sucessão de trapalhadas do noticiário da Fórmula 1 às vésperas do início de mais uma temporada revela o quanto a falta de inovação é fatal para qualquer um. Chefiada desde sempre por Bernie Ecclestone, a F1 agoniza pela total falta de renovação em suas ideias.

Nos anos 80 e 90, a categoria alcançou seu ponto de maior prestígio no mundo. Ser piloto de Fórmula 1 era o máximo que um homem poderia querer na vida. Ela seria cercada de carros, mulheres e viagens. Era o status defendido e venerado nas páginas da Playboy levado a um nível ainda mais alto, já que envolvia jovens esportistas andando a 300 por hora.

Não por acaso, a F1 era uma categoria que circulava pelos lugares mais badalados da Europa, tinha patrocínio de marcas de bebida e cigarro e reunia algumas das marcas mais luxuosas do mundo entre seus parceiros comerciais.

O problema é que o mundo mudou. As páginas de Playboy já não são impressas em tão larga escala, os jovens mudaram bastante seus conceitos e, hoje, parece que o universo da F1 não faz tanto sentido assim.

A proibição à propaganda de cigarro na Europa obrigou a F1 a buscar novos mercados para expor seus parceiros comerciais. Foi, na primeira década do novo milênio, quando países asiáticos entraram na dança. Com o cerco cada vez mais fechado à exposição das propagandas de cigarro, as marcas começaram a desistir de patrocinar a F1.

Hoje, menos da metade das provas acontece na Europa. O que seria sinônimo de sucesso na expansão mundial da F1 é traduzido, na pele, por provas disputadas em locais onde o público local não tem interesse no evento e o público fanático não se interessa tanto assim em viajar e conhecer.

Para complicar, nesse mesmo período, surgiu o fenômeno Michael Schumacher, que estraçalhou recordes e transformou num samba de uma nota só a categoria. Não havia mais disputa, apenas um jogo para saber quem seria o segundo colocado. Isso fez os índices de audiência despencarem até mesmo na Alemanha, país de origem do heptacampeão.

No meio de todo esse processo, o que fez Bernie Ecclestone? Seguiu acreditando que a vida continua a ser aquilo que Hugh Hefner pregava, com muito sucesso, nas páginas da Playboy nos anos 60, 70 e 80. Não por acaso, os lugares onde a F1 consegue seus melhores contratos é em rincões dominados por ditadores. Ainda existe, logicamente, patrocínio milionários na categoria. Afinal, a Fórmula 1 é um dos poucos esportes que roda o mundo todo.

Recentemente, Ecclestone afirmou que não se interessava pelo público jovem:

“Eu não sei por que as pessoas querem se aproximar da chamada ‘geração jovem’. Por que eles querem fazer isso? É para vendê-los algo? A maioria destas crianças não tem dinheiro. Eu prefiro me aproximar do cara de 70 anos que tem um monte de dinheiro. Não há razão para nos aproximarmos destas crianças, porque elas não vão comprar nenhum dos produtos aqui. Se os marqueteiros miram esta audiência, eles deveriam fazer propaganda com a Disney”.

Se Ecclestone fosse minimamente preocupado com o negócio que comanda, saberia que a Disney é um fenômeno mundial exatamente por saber falar com a criança de 2 anos e o “cara de 70 anos”. E, muito provavelmente, o neto de 2 anos fará o avô de 70 anos guardar dinheiro para levá-lo à Disney em vez de ocupar o domingo assistindo a um bando de carro dando volta dentro de um autódromo.

A ATP, associação de tenistas, percebeu há alguns anos que seria preciso inovar para ser a “nova” Fórmula 1. Olhou, bastante, como a Disney faz para promover entretenimento dentro de um evento esportivo. Diversificou calendário, fabricou ídolos e hoje já começa a aparecer no retrovisor. Mesmo com os carros mais potentes do mundo, a Fórmula 1 deverá ser rapidamente ultrapassada…


A sociedade copiou o que há de pior no futebol
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Erich Beting

Domingo é dia de clássico. Durante a semana, só se fala nisso. Os times se preparam, as torcidas querem saber quem vai jogar, a mídia fica em cima. Cada declaração é exaustivamente reprisada e minuciosamente estudada. Nas redes sociais, comentários, curtidas, compartilhadas e estraçalhadas mostram que o clima é de tensão.

É impossível entender quem não se manifesta numa hora dessas. É, mais ainda, impressionante como aqueles que estão ligados no clássico praticamente só falam disso, só pensam nisso, só ficam esperando o domingo chegar. No domingo anterior, para deixar tudo ainda mais tenso, teve dirigente provocando o outro pela mídia.

Resultado.

Uma torcida não pode se aproximar da outra. Os amigos, durante a semana, quase não se falam. Ou, pior, se provocam e se xingam nas redes sociais, nas trocas privadas de mensagem pelo telefone celular, que até pode ser smart, mas tem donos que não se parecem tão espertos assim.

Atire a primeira pedra quem, apaixonado pelo futebol, nunca viveu essa situação pouco antes de um jogo decisivo. Esse talvez seja o grande problema que existe do torcedor. O fanatismo é tão grande que ele turva, cega, joga querosene na pólvora do barril que vai explodir.

É esse fanatismo doentio que causa um dos maiores males no futebol. A tal da torcida separada nos clássicos, a pancadaria na estação de metrô, na esquina da rua, na lata do lixo. A paixão cega torna a pessoa manipulável. Turva a razão, esmigalha o bom senso, torna tudo mais explosivo.

No Brasil, parece que no próximo domingo assistiremos a um grande clássico do futebol. O clima de guerra que precede as manifestações agendadas para o dia 15 lembra, bastante, aquele que estragou tanto o futebol brasileiro nos anos 90 e 2000.

Conseguimos, como sociedade, copiar o que de pior tem no esporte. A única coisa que talvez não seja didática no futebol para a vida é a paixão exagerada, cega, que mais destrói do que constrói.

É curioso ver que boa parte da sociedade questiona o torcedor uniformizado, aquele que tatua as cores do time e vai com ele, literalmente, “até morrer”. Mas não percebe que, no debate infindável sobre “coxinhas” e “petralhas”, está separando as pessoas em tribos e voltando a estágios primitivos da vida em sociedade.

Na era em que as redes sociais permitem um avanço da vida em sociedade até para o momento em que não estamos fisicamente reunidos, presenciamos um fato interessante, de aumento da segregação e do ódio entre seres pretensamente racionais e que podem conviver em paz. O cenário turbulento que está instaurado no país é, em grande parte, reflexo dessa Facebookização da sociedade, em que você curte apenas aquilo com que concorda e bloqueia aquele que tem uma opinião contrária.

Não se tolera mais o outro, tal qual a lógica de um torcedor fanático de futebol. Ele não admite que há bons jogadores ou belos jogos no time adversário, que seu time perdeu por ter sido pior, que pode conviver numa boa com o irmão, primo ou cunhado que torce para o outro time.

Um dos maiores males recentes do futebol é que o outro não é tolerado.

Só que nada na vida é #simplesassim. A vida não é preta ou branca. Tem, aliás, muito mais nuances que 50 tons de cinza.

As eleições do ano passado mostraram que a sociedade tem se esforçado para se separar em dois diferentes grupos, mais ou menos como duas torcidas organizadas. No Brasil, desde 1992, foram mais de 200 mortos em conflitos de torcedores que não se toleravam por estarem em times diferentes. Se acontece isso por causa do futebol, o que poderá acontecer entre aqueles que acreditam ser os únicos “defensores” do país?

A sociedade copia o que há de pior no futebol. Domingo é dia de clássico. Uma pena. Deveria ser dia para as famílias e amigos se encontrarem e celebrarem. Ah, claro. E discutirem política e futebol respeitando as diferenças e sabendo que, o melhor, acima de tudo, é poder estar juntos. Mas, infelizmente, parece que queremos transformar a vida em sociedade em algo como mostra o vídeo abaixo…


Sócio-torcedor prova que é preciso pensar em longo prazo
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Erich Beting

A marca dos 100 mil sócios do Palmeiras foi celebrada, não sem motivo, pelo clube e também pela Ambev (leia detalhes aqui). Dentro do “Movimento por um Futebol Melhor”, o Avanti foi o primeiro programa a conseguir chegar à marca centenária (o Inter já entrou para o Movimento com mais de 100 mil associados). Agora, ao que parece, os outros clubes começam a querer se mexer e tentam seguir uma nova fórmula para fazer o conceito do sócio-torcedor pegar.

O processo é similar ao que aconteceu com as companhias aéreas. Com o tempo, elas perceberam que oferecer “só” passagens aéreas como benefício era pouco para criar uma associação maciça. Buscaram, então, outras alternativas. O prêmio maior ainda é viajar sem precisar gastar, mas há diversas outras opções de compra.

Agora, os clubes entenderam que é preciso oferecer mais do que apenas ingresso para os jogos. Esse foi o conceito que o Inter criou em 2006, quando teve o primeiro salto no número de associados. Hoje, só ingresso não seduz. Os clubes buscam outras conquistas, tangíveis e intangíveis, para premiar o torcedor e, assim, conseguir mais associados.

Esse foi um dos segredos do Palmeiras nessa arrancada de agora. Logicamente o que mais motiva a associação é o estádio novo, mas ao mesmo tempo a movimentação nos bastidores, com a contratação de Dudu, impulsionou ainda mais o projeto. Ser o maior sócio-torcedor do Brasil é o que move, hoje, o torcedor.

O sucesso palmeirense mostra, também, que é preciso de tempo de investimento no esporte para que os frutos comecem a colher. Em 2013, quando lançou o “Movimento por um Futebol Melhor”, a Ambev dizia que, em três anos, o programa congregaria três milhões de associados e geraria receita suficiente para o Brasil parar de exportar jogadores, construindo uma das ligas mais fortes do mundo.

Logo após os primeiros meses, ficou claro que esses números dificilmente seriam alcançados. Havia, ali, duas alternativas. A primeira, mais simples, seria desistir da plataforma, esperar passar o primeiro ano e focar todos os esforços unicamente no patrocínio à Copa do Mundo. A outra, mais trabalhosa, seria manter o investimento no esporte, mesmo que as metas não fossem atingidas.

Passado o Mundial, a empresa voltou todo o foco para o projeto do “Futebol Melhor”. Agora, assiste ao crescimento do Palmeiras, que começa a puxar Corinthians e São Paulo, além de provocar outros clubes para também buscarem meios de trazer mais gente para os programas e, assim, poder reforçar o caixa.

Ainda está longe dos 3 milhões projetados para 2015 (não chegou ainda a 900 mil, sendo que cinco clubes respondem por mais da metade do número de associados). Mas a tendência, em 2015, é que o projeto de sócio-torcedor se consolide. Os clubes entenderam que é preciso ativar cada vez mais o consumidor para ter uma alternativa considerável de receita que vai além da dobradinha TV-patrocínio.

Para isso acontecer, porém, foram precisos três anos de aprendizado, tentativa e erro. Investir no esporte requer tempo para trazer retorno. A Ambev também começa, agora, a colher os frutos do investimento que vem fazendo em mais de 50 clubes. E vai mostrando que há vida além da exposição de marca para quem quer investir no futebol. Ele, aliás, pode ser uma excelente porta de entrada para ações no varejo, que é o principal interesse da Ambev dentro do programa.


Futebol do Brasil combate o sintoma, não a doença
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Erich Beting

Ao que tudo indica, com mais força será travado o debate “mata-mata x pontos corridos” sobre qual seria o formato de disputa mais adequado para o Campeonato Brasileiro de futebol. Dessa vez, parece que há maior inclinação para que se resolva pela volta do mata-mata dentro da fórmula do Brasileirão.

A gritaria que se faz, de um lado e de outro, sobre qual modelo seria o ideal, mostra o quanto o futebol no Brasil combate o sintoma, mas não a doença.

De um lado, apregoa-se que o mata-mata aumenta a imprevisibilidade do resultado e, assim, cria-se mais interesse para o público. Isso geraria mais gente nos estádios e mais audiência de televisão, o que na ponta final da tabela aumentaria a receita.

Do outro lado, defensores dos pontos corridos evocam a meritocracia do planejamento e a previsão de calendário como maiores benefícios do atual formato de disputa. Além de premiar quem se prepara melhor para a competição, cria-se melhores condições para as marcas que quiserem se associar ao evento, já que há uma certeza de que em 38 datas haverá pontos de contato com torcedores de todos os times.

Os dois lados têm sua razão. O problema é que tais argumentos só seriam possíveis de serem levantados em defesa de um lado ou de outro se fizéssemos o básico, que é promover o evento. Qualquer que seja ele. O grande segredo dos bons torneios em mata-mata e dos bons torneios em pontos corridos é que eles são promovidos corretamente. O torcedor se sente confortável para ir ao evento, quer acompanhar pela TV, pela internet, pelo celular…

No fim das contas, tanto faz a fórmula de disputa do campeonato. O que o torcedor quer é consumir a competição, sem se importar se haverá um único jogo para decidir o campeão ou serão dez partidas simultâneas que apontarão o desempenho final.

Perdemos muito tempo e fôlego para tentar mostrar se a fórmula A ou B é a mais adequada para “resolver” os problemas do futebol, que seriam a baixa atratividade para o público (no estádio ou na TV), a baixa qualidade técnica dos times e, ainda, o pouco interesse dos patrocinadores em se associarem ao evento.

Não adianta dar remédio para a tosse para quem está, na verdade, com pneumonia. Continua-se a combater os sintomas sem olhar, de fato, o foco da doença do futebol brasileiro.

A volta do público, de bons jogadores, da mídia e, consequentemente, dos patrocinadores, só ocorrerá quando houver, realmente, uma competição que seja atrativa para torcedores, jogadores, imprensa e empresas.

Como mudar isso? É preciso, urgentemente, criar uma marca para o Campeonato Brasileiro e, a partir dela, trabalhar os próximos passos. Como fazer isso? Pode estudar a Bundesliga (pontos corridos), a Premier League (pontos corridos), a Liga dos Campeões da Uefa (mata-mata), a NFL (mata-mata), a NBA (mata-mata)…

A fórmula de disputa de uma competição pouco importa. O que precisa se encontrar é a fórmula de fazer, do evento, o mais cobiçado. Por todos.