Negócios do Esporte

Arquivo : outubro 2013

Ronaldo, um homem de (muitos) negócios
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Erich Beting

Ronaldo voltou a dar as caras, ou pelo menos as letras, neste final de semana. Assinou mais um artigo na “Folha de São Paulo” sobre a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. E, mais uma vez, mostrou maestria como um homem de negócios. Ou melhor. De muitos negócios. Algo que, aos poucos, vai minando toda a credibilidade que ele havia conseguido com a bola nos pés.

Como mesmo gostou de frisar na abertura de seu texto, há cinco meses Ronaldo mora em Londres. E ele usou a capital inglesa como exemplo em seu texto para falar sobre o legado dos Jogos Olímpicos. Frisou o quanto a área leste da cidade se desenvolveu após as Olimpíadas, que foram usadas exatamente para “justificar” o uso de alguns bilhões de libras do cofre público na preparação da cidade para o evento:

“Mas o que gosto de notar é como a Olimpíada, para os londrinos, não terminou com o fim da competição. Para os moradores da zona leste ou para os britânicos que viram 29 medalhas de ouro serem conquistadas, Londres 2012 foi apenas o começo daquilo que fica após os dias de evento, o corre-corre de jornalistas e a festa nas ruas com bandeiras de todas as cores –o tão falado legado.
Olhando para o nosso país, acho que precisamos rever a ideia de que a Copa do Mundo no Brasil é aonde queremos chegar –o destino de uma jornada”.

Agora só faltam nove meses para o Brasil parir a Copa.

As “descobertas” que Ronaldo teve ao morar por cinco meses em Londres soam como mais uma tremenda piada de mau gosto daqueles que teoricamente são os líderes do processo do evento no país. É impossível que uma pessoa que há mais de 20 anos trabalha com o esporte nunca tenha se atentado a isso, que uma Copa não é o fim, mas o meio. Ou, pior, é pavoroso pensar que há três anos Ronaldo passou a ser membro do COL sem ao menos saber o que significa para o país o evento.

Como também é mais uma vez detestável a propaganda nada velada à Ambev ao final do texto, ao teimar com a estúpida campanha “Imagina”, aquela que criticava os “pessimistas de plantão” e mandava o torcedor imaginar o congestionamento de  trios elétricos e, claro, a festa que está programada para junho/julho de 2014. Propaganda tão desastrosa que quase virou “verdade” durante os protestos pré-Copa das Confederações, com as pessoas indo às ruas, mas por motivos beeeem diferentes daquele planejado pelos otimistas de plantão.

Pelo menos fica claro que Ronaldo está aproveitando bastante o tempo em Londres. A ponto de não acompanhar o noticiário esportivo no país. Afinal, a classe a qual ele pertenceu, hoje, mostra claramente o que pensa sobre os rumos que o futebol tem tomado no Brasil.

A reunião desta segunda-feira entre o grupo do “Bom Senso FC” e a CBF é só mais um indício de como a Copa não é o “destino da nossa jornada”…

Imagine depois da Copa?


Fifa concentra foco no Brasil ao adiar decisão sobre 2022
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Erich Beting

A Fifa oficializou hoje que fará uma consulta a atletas, treinadores e parceiros comerciais da entidade para saber se mudará a data da Copa do Mundo de 2022, prevista para ocorrer no Qatar. Além disso, a entidade anunciou que qualquer decisão ficará para depois da Copa de 2014.

A decisão tem dois objetivos claros. Além de prolongar o jogo de cena sobre o futuro do Qatar (que envolve não apenas as questões climáticas, mas o ex-aliado e hoje inimigo Bin Hamman), ela deixa o Brasil no centro das atenções e das preocupações da Fifa até a próxima Copa.

Em Zurique, a cada reunião com parceiros comerciais, que são os patrocinadores e as empresas de mídia, funcionários da Fifa sempre questionam os brasileiros sobre o clima no país e o temor de que a onda de protestos volte como um tsunami em junho do ano que vem.

O Qatar pode, nesse sentido, esperar. Mas não será de se estranhar se, dependendo do que acontecer no Brasil em 2014, a Fifa optar por um caminho mais seguro, usando as condições climáticas para repensar a sede do Mundial de 2022. Nunca uma candidatura de oposição à entidade pode ter custado tão caro…


Ingresso barato é prejuízo real para um clube?
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Erich Beting

No início da semana publiquei aqui o resultado da ação de “queima de estoque” adotada pelo São Paulo nos ingressos para os jogos no Morumbi. O resultado de aumento do faturamento em R$ 1 milhão (leia aqui) gerou uma boa discussão sobre se a atitude foi completamente correta ou não.

Em tese, o argumento contra o preço de ingresso muito baixo é de que isso denigre a imagem do clube e do espetáculo. Como ponderei no post de segunda, há uma enorme justificativa para a ação pontual do São Paulo. Com o time na zona de rebaixamento e jogando mal, o valor do produto que ele oferece ao torcedor não pode ser alto. Daí o fato de o clube ter encontrado um “preço-ótimo” ao fazer o ingresso mais barato a R$ 10. O mesmo não se aplica ao Cruzeiro, líder do campeonato e próximo do título. Para o torcedor, o interesse em ir aos jogos é maior, o que faz o preço poder ser maior também.

É tudo questão da básica lei de “oferta e procura” que rege o mercado desde o tempo do escambo.

Mas há outro ponto que parece ter se tornado um mantra para os teóricos de marketing esportivo no Brasil. Há quase uma certeza de que o ingresso baixo vai gerar um tremendo prejuízo na imagem do clube. Essa tese vira verdade absoluta quando se refere a um clube de grande torcida do Brasil. Só que será que isso é verdade?

Para ficar no exemplo do São Paulo, que voltou à zona do rebaixamento nesta semana. O que é mais prejudicial para o clube. Encher o estádio com o torcedor pagando pouco pelo ingresso neste ano ou o time jogar a Série B em 2014?

Para o torcedor, não há bem mais valioso do que o próprio clube. Para o patrocinador, é muito, mas muito mais interessante, ver o time jogando com a casa cheia, com a TV aberta mostrando e, logicamente, contra os principais times de maior torcida.

O valor do ingresso, nesse cenário, é o que menos importa. Ainda mais quando o futebol no Brasil ainda vive uma era paleozoica, em que os clubes pouco trabalham o fortalecimento de suas marcas e os patrocinadores buscam muito mais exposição de marca do que propriamente criação de relacionamento duradouro com o fã.

No futuro, sem dúvida, deverá existir uma preocupação em valorizar o produto do futebol como um todo. Isso passa por uso mais racional do dinheiro, pela melhoria na qualidade dos estádios, na qualidade dos atletas, na qualidade do jogo, etc. Até lá, ingresso mais barato é um caminho para o clube faturar mais.

O que o futebol no Brasil precisa parar de fazer é tentar vender carro usado a preço de zero quilômetro.


A morte dos X Games no Brasil
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Erich Beting

Há questão de três semanas, durante fórum sobre marketing esportivo no Rio de Janeiro, o vice-presidente comercial e de marketing da ESPN no Brasil, Marcelo Pacheco, apresentou os números da realização da etapa brasileira dos X Games, realizada em abril deste ano na cidade de Foz do Iguaçu (PR).

Hoje, a ESPN emitiu comunicado confirmando que estão canceladas todas as etapas dos X Games fora dos Estados Unidos para 2014. Foz, Munique, Barcelona e Tignes (França) foram retiradas do mapa, e apenas o país de origem da emissora e da competição vai continuar a receber os principais eventos de esportes radicais do mundo.

Com o mercado europeu em crise, o fim dos X Games na Espanha, França e Alemanha é justificável. No Brasil, que é um dos principais produtores de atletas e tem um público cativo para os esportes radicais, a saída representa também o fim da competição no país.

Pela terceira vez a ESPN ensaia mergulhar de cabeça no projeto de trazer os X Games para cá. E, pela terceira vez, o projeto naufraga logo após a primeira tentativa. Patrocinadores para custear a edição de 2014 existiam. Interesse da mídia em geral, além da ESPN, também. Da mesma forma, o público já havia comprado a ideia do evento em Foz, bem como a prefeitura local havia se comprometido em ajudar a realizar a competição.

A decisão da ESPN nos Estados Unidos, claramente, tem como base o que aconteceu na conta global do evento, sem ser feito um estudo caso a caso, país a país. Fazer a competição nos EUA requer menos esforço e possibilita ótimo retorno comercial para a empresa.

No Brasil, o mercado simplesmente vai ignorar qualquer nova tentativa de a emissora lançar um novo projeto de X Games no país. Para que um evento engrene, ele precisa ter, acima de qualquer coisa, perenidade.

Pensando numa redução de prejuízo na estratégia de globalização dos X Games, a ESPN acaba de matar qualquer chance de crescimento do evento no país que mais produz atletas para a modalidade. Curiosamente, a empresa seguiu o caminho contrário de UFC e NBA, que cada vez mais acreditam que é momento de perder dinheiro no Brasil como estratégia para solidificar a marca e, lá na frente, colher os frutos.

Infelizmente os X Games, no Brasil, morreram.


O fenômeno do Inter no sócio-torcedor
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Erich Beting

A Ambev comemorou nesta quarta-feira o fato de o projeto “Movimento por um futebol melhor” ter alcançado a marca de 600 mil torcedores. Concebido para tentar elevar a 3 milhões o número de sócios-torcedores entre os principais clubes do país, o movimento ainda está longe da meta de chegar a 1 milhão de pessoas até o fim deste ano.

Mas o grande fenômeno do projeto é o Internacional.

O clube conta, hoje, com cerca de 18% de todos os sócios cadastrados pelo programa. São praticamente 106 mil associados ao clube, que lidera com folga o ranking. Hoje, o Inter tem cerca de 1,9% de sua torcida (cerca de 5,7 milhões de pessoas segundo o último levantamento do Ibope) associada ao clube. O número impressiona. É maior, por exemplo, do que o Barcelona tem de associados, sendo o clube espanhol uma potência mundial.

Qual seria o grande segredo do Inter?

Na origem, a criação do sócio-torcedor foi uma alternativa encontrada pelo clube para aumentar a presença de público no Beira-Rio e ter mais dinheiro. Foi lá no início da gestão de Fernando Carvalho que o Inter buscou um caminho para atrair torcedor e ganhar dinheiro de alguma forma. O clube criou o sócio-torcedor e deu a quem fosse contribuinte o direito a entrar gratuitamente no estádio.

O sistema entrou em colapso em 2006, na reta decisiva da Libertadores. Na campanha do primeiro título continental, o sócio-torcedor virou a menina dos olhos. Em 2008, a grande celebração do clube foi ao lotar o Beira-Rio para a decisão da Sul-Americana apenas com sócios-torcedores. Era a consagração do modelo. No ano seguinte, no centenário, o projeto de alcançar os 100 mil sócios, quando até cachorro teve sua carteirinha. Desde então, o clube vem tentando engajar o torcedor, fazer com que ele tenha interesse em ficar sócio. Hoje, são mais de R$ 40 milhões ao ano provenientes do programa.

O sucesso do modelo do Inter está calcado, como pode se ver, não apenas em fornecer ingressos para os jogos. A origem do programa foi assim, mas depois disso o clube passou a trabalhar para fazer com que o torcedor resolvesse sentir-se “obrigado” a se associar. Como sempre digo por aqui, é importante que a paixão do torcedor pelo clube seja correspondida.

O Inter parece que chegou a um limite de associação. É difícil acreditar que o clube, sem uma melhora na performance esportiva, possa atingir os 200 mil associados, meta que foi atualmente estabelecida pela diretoria de marketing.

Os números do Colorado mostram que os outros clubes podem crescer. Para isso, porém, precisam começar a estudar mais para ver como foi que o Inter criou esse fenômeno.


Bom senso
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Erich Beting

Para uma parte da minha geração, dizer que algo era uma questão de “bom senso” soava como uma propaganda dos cigarros Free. O fato não acusa tanto a minha idade, afinal eu era moleque de uns 8 anos de idade quando via o comercial que terminava dizendo “Free. Questão de bom senso”. Para falar a verdade, uma propaganda de cigarros disponível para criança assistir durante a programação da TV é que não era, exatamente, uma questão de bom senso.

Talvez esse seja o motivo para, nos últimos tempos, o bom senso ter sido cada vez mais deixado de lado no nosso cotidiano. No trânsito nas ruas, nas horas trabalhadas, nos preços cobrados por estacionamentos, bares, restaurantes e hotéis das grandes capitais do país, nos relacionamentos cada vez mais virtuais e menos reais, nas reações contrárias às opiniões dos outros, na intolerância com o erro (geralmente com o erro alheio), na abordagem de vários temas da nossa sociedade, em quase tudo o que está ligado ao esporte.

Por essa razão, o aparecimento do Bom Senso F.C., movimento liderado por alguns dos atletas mais expressivos do atual futebol brasileiro, é um tiro certeiro no que hoje parece ser o grande problema do esporte para os próximos anos. A exuberância dos gastos turbinada pela nova cota de televisão e por ilusórios acordos de patrocínio começa a deixar seus rastros.

Assim como os R$ 0,20 de junho não foram o único motivo para que as pessoas protestassem pelo país, agora não é só a proposta de calendário feita pela CBF que revoltou os jogadores. Ela foi aquela gota d’água que transbordou.

Na lista dos 75 primeiros signatários do manifesto, a maioria dos atletas havia jogado no exterior. É, mais ou menos, aquela história. O cara viajou, viveu outra realidade, voltou e, agora, percebeu que não dá mais para ser do jeito que está e que sempre foi.

Sim, o atleta é muitas vezes muito bem remunerado para jogar. Mas será que ele pode dizer que tem vida além do trabalho?

Um jogador de futebol, no Brasil, trabalha 350 dias por ano, no mínimo. Não há folga de final de semana, não há feriado prolongado, não há, praticamente, convívio com a família, graças à militarização imposta pelo “regime de concentração pré-jogo”.

Por isso mesmo a proposta de um calendário mais enxuto nas datas, mas não nos compromissos, fez o copo transbordar.

As principais reivindicações, que são a mudança no calendário e a criação de um sistema mais justo de remuneração aos atletas, impondo limites aos clubes, são reflexo dessa falta de controle que sempre existiu no futebol brasileiro.

Assim como aconteceu no início dos anos 2000, quando acabou a farra do dinheiro injetado pelos grupos de investimento, chegou a vez de a grana que foi jorrada nos últimos anos ficar mais curta. E isso vai causar, naturalmente, atraso no pagamento de salários ou mesmo o calote para alguns atletas.

O bom senso que a turma do Bom Senso pede é mais uma prova das bizarrices que o esporte no Brasil é capaz de produzir. O empregado está pedindo ao patrão para pegar leve na falta de equilíbrio. Quando isso acontece parece que já passou, e muito, da hora de os clubes começarem a agir de forma mais racional.

É impossível achar que o movimento “não dará em nada”. No mínimo uma geração de atletas mais questionadora do status quo apareceu. Isso é fundamental para que as mudanças sejam feitas.

Demorou, mas finalmente parece que o bom senso começou a chegar no futebol do Brasil…