Negócios do Esporte

Arquivo : outubro 2011

Rio-2016 já tem as primeiras baixas
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Erich Beting

O Rio-2016 já sofreu as suas primeiras baixas. Toda a equipe que estava responsável pela gestão dos patrocínios de 2016 foi demitida (leia aqui). A mudança na equipe é reflexo, entre outras coisas, da malfadada concorrência para a escolha do fabricante de material esportivo para os Jogos.

Por enquanto, Leonardo Gryner, homem-forte do marketing do COB, assumirá a função de negociar os patrocínios para 2016. A expectativa é de que mais de US$ 1 bilhão seja levantado pelo comitê local. A concorrência na área de parceiro oficial do setor de automóveis está em vigência, com expectativa de mais US$ 150 milhões a serem pagos pelo vencedor (o comitê já arrecadou mais de US$ 700 milhões com outras quatro cotas).

A saída da equipe de marketing é indício de que nem tudo corre bem no processo de venda dos patrocínios para as Olimpíadas. O maior problema, porém, foi a expectativa gerada pelo CoRio após a abertura dos dois processos iniciais de licitação, que resultaram nas vitórias de Bradesco, Bradesco Seguros, Claro e Embratel.

Ao todo, essas cotas conseguiram superar metade da expectativa de faturamento do Comitê com os Jogos. Mas tanto Bradesco quanto Embratel-Claro tinham a necessidade de “conseguir” a cota, já que alguns de seus concorrentes diretos (Itaú e Oi) estão na Copa de 2014.

A tendência é a de que menos dinheiro comece a entrar nos cofres com os patrocínios às Olimpíadas. Ainda mais porque, do jeito que a expectativa do comitê está alta, diversas empresas têm preferido partir para projetos individuais ligados ao esporte olímpico. As primeiras baixas em 2016 são um prenúncio disso.

O ministro e a verdade

Ainda é cedo para condenar ou absolver o ministro Orlando Silva Junior das acusações publicadas na revista Veja e no Fantástico no último final de semana. O fato é que seu cargo é, hoje, objeto de desejo. E, por isso mesmo, pode ter muita motivação política nas denúncias que apareceram. Se houver, de fato, a comprovação da culpa, que o ministro seja, no mínimo, afastado do cargo. É mais um bom exemplo que o governo federal pode dar no sentido de que dinheiro público, ao contrário do que se costuma praticar por aqui, tem dono. E esse é um ótimo caminho para a melhora da gestão pública no país. Seja no esporte ou em qualquer outro ramo de atividade.


A meia-entrada deve encarecer a Copa no Brasil
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Erich Beting

O que é para ser um benefício para o povo brasileiro muito provavelmente ocasionará um ônus para a população que comprará os ingressos para os jogos da Copa do Mundo de 2014.

O debate sobre a aplicação do benefício da meia-entrada para estudantes e idosos no Brasil poderá fazer com que a Fifa aumente o preço do ingresso para o torneio para manter a margem de lucro esperada com a comercialização dos bilhetes.

A perda de receita, segundo matéria publicada há alguns dias na “Folha de São Paulo”, é calculada pela Fifa em cerca de R$ 180 milhões. Hoje, um jogo de empurra sobre quem “pagaria” essa conta toma a entidade máxima do futebol e os governos federal, estadual e municipal.

O problema é simples. A lei brasileira prevê a venda de meia-entrada enquanto houver ingressos disponíveis para um evento artístico ou esportivo. Para quem organiza o evento, a lei é um terror. Não é possível prever, de antemão, qual será a receita com a comercialização dos bilhetes. Ela pode ser, no final das contas, metade do que previsto se todos os ingressos comercializados for para estudantes e/ou idosos.

E é esse o temor alegado pela Fifa. A entidade faz uma previsão de quanto pode deixar de arrecadar, mas reclama do governo brasileiro o não-cumprimento do contrato assinado entre ambos para o país abrigar a Copa. Como acontece com todo país anfitrião do Mundial, o país-sede tem de assinar um documento em que se dispõe a aceitar as normas da Fifa sobre uso do estádio e comercialização de bilhetes da competição.

Só que o Brasil tem batido o pé sobre a questão da meia-entrada, enquanto relevou, por exemplo, a proibição de comercializar bebida alcoólica em estádios.

No final das contas, a Fifa poderá ter como solução deixar mais caro o bilhete a ser vendido para a população local. Dessa forma, na pior das hipóteses, ela ganhará o mesmo que estava prevendo em caso de vender o número previsto de meia-entrada.

E quem perde com isso? Sem dúvida é o torcedor, que tem um evento encarecido exatamente por conta da existência de uma lei que, pretensamente, foi feita para conceder um benefício à população.

A meia-entrada possivelmente vai encarecer o preço do ingresso para a Copa, como já encarece uma série de serviços ligados à venda de bilhetes para cinemas, shows e eventos esportivos atualmente.

O debate da Copa do Mundo poderia jogar uma luz sobre essa situação peculiar do mercado brasileiro. Será que a lei da meia-entrada é realmente um benefício para a população? Do ponto de vista do organizador do evento, sem dúvida, há várias formas de compensar a perda de receita. E ela passa, necessariamente, pelo aumento do preço do ingresso.


Briga de egos entre Andrés e Juvêncio pode minar acordo com Femsa
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Erich Beting

A disputa entre Andrés Sanchez e Juvenal Juvêncio quase coloca a perder o principal contrato em conjunto formado pelos quatro maiores clubes de São Paulo. A Femsa notificou o G4, grupo que intermediou o acordo entre os times, perguntando qual seria o futuro do negócio com Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos já que os dirigentes de dois dos clubes publicamente estão trocando farpas (leia a matéria aqui).

O episódio revela o quão improdutivo para os clubes de futebol é a não-profissionalização de suas gestões. As frases de efeito que Andrés e Juvêncio disparam para a imprensa são prato cheio para a discussão entre torcedores e para gerar audiência na mídia. E são péssimas para os negócios que São Paulo e Corinthians podem gerar.

Os clubes de futebol precisam entender que a única concorrência que existe entre eles é dentro de campo e na contratação de funcionários. Em todo o restante, eles devem ser parceiros e gerarem negócios em conjunto. Uma mostra é o caso envolvendo a Femsa e os quatro paulistas. O acordo, que envolve cifras milionárias, pode ser desfeito pela agressividade entre os dirigentes.

É exatamente por comportamentos assim que os clubes no Brasil não conseguem se organizar minimamente para fazer qualquer negociação conjunta. Enquanto cada um olhar apenas para suas vaidades, sem pensar de que forma é possível ganhar mais em conjunto, o próprio negócio vai se esvaziar.


Americanização atrapalha expansão da Indy
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Erich Beting

O Brasil tinha tudo para sediar duas etapas da Fórmula Indy em 2012, mas o projeto deverá ser, pelo menos para o ano que vem, abortado. Nada relacionado à crise financeira que volta a assustar o mundo, mas sim a um dilema interno da própria categoria do automobilismo.

Existe um racha entre as equipes maiores e as menores da Indy sobre o projeto de expandir as provas para além do território dos Estados Unidos. Uma extensa reportagem sobre o tema foi publicada nesta semana no Sport Business Journal, dos EUA.

O problema são os diferentes interesses comerciais envolvidos.

As etapas realizadas fora dos EUA na Indy têm tido pouca audiência no mercado americano (neste ano, o GP em São Paulo foi realizado na segunda-feira, enquanto o GP do Japão foi exibido na madrugada nos EUA), mas têm gerado bons acordos comerciais tanto para a Indy quanto para as equipes menores, que não têm patrocínios anuais já negociados.

Com isso, o impasse está criado. Os grandes (Ganassi e Penske), que possuem seu negócio focado totalmente no mercado americano, não querem mais etapas fora dos EUA. Contentam-se com o GP no Brasil, hoje um dos principais mercados da Indy por conta do patrocínio da Apex à categoria, e aceitam a etapa de Motegi, no Japão.

Já os menores enxergam nessas corridas internacionais a chance de obter patrocínios pontuais, garantindo um aumento no caixa, já que as despesas das provas são bancadas pela Indy.

O debate deve fazer com que Porto Alegre não seja, pelo menos em 2012, escolhida para abrigar mais uma prova em solo brasileiro. Da mesma forma, uma etapa na China, que estava na rota de expansão da Indy para 2013, deverá ser postergada.

O impasse mostra bem como funciona o mercado americano de esporte. Com acordos de televisão muito fortes, o foco das equipes é o próprio mercado interno. Expandir mundialmente a marca não é tão interessante assim para as equipes, já que muitos dos patrocinadores atuam apenas no solo americano.

O crescimento do mercado interno brasileiro poderá causar um efeito similar por aqui, especialmente para o futebol. Com a economia forte, as empresas locais se fortalecem. E, aí, jogar fora do país não é mais a melhor solução, como parecia ser há questão de uma década.

A americanização dificulta os planos da Indy de ser mais forte internacionalmente. Da mesma forma, porém, a categoria consegue sobreviver, com pequenos solavancos, num mercado em mutação (para pior) como o dos Estados Unidos.


O que motiva o cancelamento da licitação de material esportivo de 2016?
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Erich Beting

Essa é a pergunta, ainda sem uma resposta concreta, que paira no mercado esportivo desde a tarde de ontem, quando o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de 2016 divulgou um comunicado informando que adiou o processo de licitação para a escolha do fornecedor do material esportivo para o quadriênio 2012-2016 do time brasileiro (leia aqui). A concorrência era para ser encerrada nesta sexta-feira, às 18h, depois de mais de um mês que o processo havia sido tornado público pelo Comitê.

A lacônica justificativa dada pela entidade, que não vai se pronunciar além do que já dito no comunicado (enviado igualmente para a imprensa e para as empresas concorrentes). Ou seja, quase nada.

Dizer que as “recentes transformações de mercado” levaram ao cancelamento do processo é o mesmo que nada. Até porque, se há um setor que não sofreu grandes alterações pela chegada de Copa do Mundo e Olimpíadas no país foi o de fornecimento de material esportivo. O crescimento econômico do país já tinha feito com que as empresas do segmento aumentassem seus lucros significativamente desde 2006 e, também, fossem obrigadas a investir mais em aquisição de propriedades patrocinadas.

Ao que parece, Rio-2016 sofre de um problema muito comum no mercado de patrocínio esportivo, que é quantificar o real valor de um investimento.

O primeiro processo de licitação das Olimpíadas no Rio de Janeiro foi para o setor financeiro, com a venda das categorias de serviços bancários e de seguros. Ambas foram vencidas pelo Bradesco, que ao todo pagou US$ 500 milhões pelo negócio. O valor astronômico se justifica pela necessidade que o banco teve em não ficar para trás de seu maior concorrente, o Itaú, que já patrocina a Copa do Mundo (por um valor cerca de cinco vezes menor do que esse).

O sucesso dessa negociação causou uma espécie de “inflação” nos direitos das Olimpíadas. Nas disputas seguintes, os valores continuaram próximos daquilo imaginado pela organização. Até chegar o processo relacionado ao fornecimento de material esportivo.

As cifras que envolviam a licitação beiravam os R$ 200 milhões, entre dinheiro pelo patrocínio e investimento em fornecimento de peças de uniforme. Um valor absurdamente alto para o que tem geralmente sido pago pelo vencedor dessas licitações nas últimas edições dos Jogos Olímpicos. Algumas empresas nem chegaram a continuar no processo depois de receber a carta de intenções para concorrer.

Obviamente o Rio-2016 não poderá dizer que “não houve interessados” para justificar o cancelamento da licitação, até mesmo porque havia empresas interessadas em ganhar a concorrência, mas talvez os valores a serem oferecidos não chegassem ao total planejado pelos organizadores. Daí a alternativa de se falar sobre as “recentes transformações de mercado”.

A bola da vez, agora, é a licitação para o serviço de automóveis. É a primeira vez que o COI libera esse tipo de contrato para ser negociado localmente. A decisão é justificada pelo excelente momento que vive a indústria automotiva no Brasil, em detrimento de sua queda no restante do mundo. A ideia é alcançar cerca de US$ 150 milhões com o processo, novamente um valor acima do que paga mundialmente o consórcio Kia-Hyundai para apoiar a Copa do Mundo de futebol.

Será que teremos novamente um cancelamento às pressas do processo de licitação?


Governo italiano acelera lei para ajudar clubes a ter estádios
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Erich Beting

O governo italiano está muito próximo de aprovar uma lei que cria uma série de facilidades para que os clubes do país possam construir estádios próprios. A justificativa para a criação da lei é a devolução da competitividade dos clubes e do próprio país dentro do mercado europeu.

A Itália perdeu as concorrências para abrigar as edições de 2012 e 2016 da Eurocopa, enquanto que, no cotidiano dos clubes, sem estádios próprios, os times têm ficado para trás na geração de receitas. Milan, Juventus e Inter, que figuram entre os 20 mais ricos do continente, segundo levantamento anual da consultoria Delloitte, são os únicos que não chegam a ter 20% de seu dinheiro  oriundo dos dias de jogos.

Hoje, o futebol italiano convive com estádios com difícil acesso, falta de segurança e conforto para o torcedor e, mais do que isso, sem qualquer infraestrutura para permitir que ações corporativas sejam feitas dentro das arenas, fazendo com que uma importante receita seja deixada de lado, que é a venda de assentos corporativos, responsáveis na maioria das vezes por menos de 10% dos assentos dos estádios mas por cerca de 50% da receita de uma arena.

Os italianos relacionam essa situação a uma “herança maldita” da Copa de 1990. A conclusão é a de que o Mundial obrigou o país a erguer estádios enormes, adequados para o torneio, mas não para o dia-a-dia do futebol no país. O ponto-chave para essa constatação, a bem da verdade um tanto quanto tardia, foi a demolição do Delle Alpi, em Turim, e a construção de um novo estádio da Juventus. Em vez dos 67 mil lugares de antes, uma arena para 41 mil pessoas, tamanho mais do que suficiente para estar com uma boa taxa de ocupação e gerar receita considerável para o clube.

A Juve representou o ponto de virada para o futebol na Itália. Outro agravante no país é o fato de que esse novo estádio da Vecchia Signora é o primeiro de propriedade privada. Todas as demais arenas são públicas, erguidas pelos municípios, o que também dificulta a gestão diária do espaço e faz os clubes faturarem menos com o dia de jogo.

Foram necessários 21 anos e a perda da hegemonia do futebol italiano em solo europeu para que o salto da bota quebrasse e o país passasse a ver o futebol na Itália não com a grandiosidade da Copa do Mundo, mas com a realidade do seu cotidiano.

Será que precisaremos disso para, em 2035, repensar a gestão dos clubes e das arenas no futebol brasileiro? Ou ainda vamos sempre esperar do governo a lei salvadora para esconder as falhas anteriores?


Pesquisar é preciso; interpretar, mais ainda!
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Erich Beting

E estamos diante de uma nova polêmica em relação à “maior torcida do Brasil”. Após alguns anos de clara tendência de que isso iria acontecer, o Corinthians finalmente empatou com o Flamengo como dono do maior contingente de torcedores no país.

Mas e daí?

O número divulgado pelo Ibope, de que os dois teoricamente têm 13% cada um dos torcedores brasileiros, pouco revela, de fato, sobre como tem sido o comportamento dos torcedores em relação a seus times.

O resultado do levantamento serve, apenas, para um torcedor querer tirar sarro do outro, nada além disso.

Longe de querer desmerecer o Ibope e o resultado chegado por ele nessa enquete. Ao ver o número de entrevistados (9 mil pessoas em 12 regiões metropolitanas) e a abrangência que ele representa (50 milhões de brasileiros acima de 10 anos), não tem como duvidar dos resultados apresentados.

Só que é preciso, para quem trabalha com o esporte, não se findar ao número de “maior torcida” na hora de planejar um trabalho relacionado ao clube.

Qualquer pesquisa é uma base fundamental para uma marca trabalhar. É importante saber quem somos, mas muito mais importante é saber o que o consumidor pensa a meu respeito.

Por isso costumo dizer que o fundamental não é ter a maior torcida, mas saber quem são os torcedores de um determinado clube. A que classe social ele pertence, onde ele está localizado, quais são os seus hábitos de consumo, quanto ele gasta por mês com o time…

A partir de todas essas informações, é possível um clube planejar, por exemplo, a realização de uma partida amistosa numa determinada região do país, ou então abrir uma loja oficial numa cidade onde há maior concentração de seus torcedores.

Essa grande pesquisa feita pelo Ibope foi além do tamanho das torcidas (o relato da Máquina do Esporte você confere clicando aqui), e pode servir de base para que o executivo que trabalha com o esporte em geral tenha uma excelente noção de como o consumidor enxerga as diferentes modalidades e os diferentes times.

Mas isso não é nenhuma novidade no esporte.

Da mesma forma que o Ibope fez isso agora, o instituto Sport Track já mapeia os hábitos de consumo ligados ao esporte desde 2006, e a Nielsen acabou de lançar sua primeira enquete relacionando o hábito do consumidor com o esporte.

Em vez de olhar para quem é maior, é preciso saber quem é melhor. A interpretação dos dados, o cruzamento de informações e o conhecimento pleno de quem é o torcedor é muito mais importante do que duelar por quem é maior que o outro.

É nesse sentido que o esporte passa a ter, agora, mais maturidade para atingir um novo patamar. Com dados concretos, ele pode se tornar um investimento muito mais interessante do que era antes, quando baseava-se apenas no tamanho da torcida.


São Silvestre na Paulista*
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Erich Beting

O movimento iniciado por um grupo de pessoas indignadas com a aberração de se tirar a chegada da corrida de São Silvestre da Avenida Paulista toma a cada dia mais corpo. Nesta terça-feira, diversos sites, blogs e diferentes mídias trazem esse importante texto que aborda diferentes aspectos sobre a retirada da prova de sua tradicional linha de chegada.

Leia o texto abaixo, feito a partir da apuração de diversos jornalistas e condensados numa reportagem extensa, e tire suas próprias conclusões.

 

São Silvestre na Paulista: é possível

Chegada da prova é transferida para o Ibirapuera, sob alegação de que a Paulista não tem estrutura para dispersão dos atletas. Especialistas contestam

Realizada há 87 anos na cidade de São Paulo, a Corrida de São Silvestre, pode passar por uma significativa mudança em seu percurso neste ano, tendo sua chegada transferida da Avenida Paulista para a região do Parque do Ibirapuera, obrigando os atletas a seguir pela Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em trecho de descida. A alegação das entidades envolvidas na organização da prova é a suposta falta de estrutura da avenida para a dispersão dos atletas, ao final da corrida. A dificuldade estaria na realização, poucas horas depois, do evento de Réveillon, que tem ocorrido na mesma Avenida Paulista em anos recentes, alguns quarteirões adiante do ponto de chegada.

A decisão de mudar o percurso, alterando uma das maiores tradições do evento, foi anunciada no início de setembro, como uma espécie de continuação de outra polêmica, ocorrida na edição de 2010 da São Silvestre. Na ocasião, a organização da prova entregou as medalhas de participação no kit do atleta, que habitualmente continha apenas o número de peito, o chip e a camiseta da prova. A razão para esta distribuição inusitada de medalhas antes da competição estava justamente na dispersão, pretendendo maior agilidade no escoamento de atletas, para não conflitar com o público do Réveillon.

Embora nem a empresa que organiza a prova, nem a Fundação Cásper Líbero (criadora do evento), nem a emissora que detém os direitos de transmissão para TV, nem a Prefeitura de São Paulo tenham se manifestado publicamente sobre a polêmica gerada com a mudança do trajeto, especialistas de vários segmentos contestam a alegação de que é impossível fazer a dispersão de 25 mil atletas sem comprometer o evento que acontece horas depois.

É fácil reverter o nó da dispersão

Armando Santos, diretor executivo da Corpore (Corredores Paulistas Reunidos, entidade que organiza em torno de 25 corridas de rua por ano) questiona a alegação da organização. “É uma equação extremamente simples: área de dispersão e gente. Se, na chegada, não há largura suficiente para essa dispersão, não há problema. Basta fazer um corredor vertical com grades até um lugar mais largo. A Avenida Paulista permite isso, mas também é possível encaminhar a dispersão para as Alamedas Campinas e São Carlos do Pinhal, que já ficam interditadas, por conta do bloqueio da Avenida Brigadeiro Luís Antônio”, comenta.

Ele acrescenta que a maior agilidade na dispersão pode ser obtida com o aumento do número de pessoas recebendo os atletas, entregando água, isotônico e a medalha. Esta medida, certamente, aumenta o custo do evento. “Talvez esteja aí o problema”, aponta Armando, trazendo exemplos de provas com número maior de participantes que lidam de forma eficiente com o nó da dispersão. “Na Maratona de Nova York, há quase um quilômetro de dispersão, com voluntários impedindo que atletas parem nesse trecho. A Maratona de Berlim, que reúne 40 mil pessoas, não conta com uma área de dispersão gigante, mas tem muita gente atendendo e agilizando a chegada.” O fato de que estas provas são maratonas (42 km) e não uma corrida de 15 km não pode servir de justificativa para inviabilizar a chegada na Paulista. A própria Corpore organizou provas como a Nike 10K, com 25 mil atletas, e um percurso menor que o da São Silvestre, sem registrar qualquer problema na chegada. “Porque controlamos a dispersão. Espaço x gente, eis a equação. Na Paulista, o espaço não é crítico e, mesmo que fosse, bastariam corredores verticais de grades para escoar a chegada”, acrescenta Armando. “Uma prova como a São Silvestre precisa de uma área de dispersão de uns 100 metros, que me parece fácil de ter, com cerca de quinze passagens para entrega de medalha e lanche, água etc. Depois da premiação, que acontece logo, poderia ser usada a outra pista da Paulista para a dispersão também. De um modo geral, não faz nenhum sentido dizer que não dá para compatibilizar São Silvestre e Réveillon.”

Pior para o ar de São Paulo

Realizar largada e chegada de uma prova em locais distintos é tarefa que requer uma logística diferenciada. João Traven, da Spiridon Eventos, comenta alguns detalhes técnicos utilizados na Maratona do Rio de Janeiro e na Corrida das Pontes, também no Rio, que seguem este modelo.

Em eventos como estes, o guarda-volumes é montado no interior de ônibus, que se deslocam da largada para a chegada antes do início da corrida. “Geralmente, usamos um percurso alternativo ao da prova para evitar mais transtornos”, comenta o dirigente. “A ideia é que os ônibus estejam na chegada antes dos primeiros colocados, mas na Corrida das Pontes tivemos alguns problemas e eles chegaram depois”, completa.

João conta ainda que se calcula um ônibus para 800 atletas, o que implicaria em 31 veículos disponibilizados para a São Silvestre, já que esse ano os organizadores abriram 25 mil inscrições. Dr. Paulo Saldiva, médico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pesquisador da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, especialista em poluição atmosférica, critica o novo modelo. “Para levar todos os concluintes da São Silvestre morro acima (do Ibirapuera de volta à Paulista), nós vamos dar uma mensagem equivocada ao espírito do que é a mobilidade ativa”, comenta Dr. Paulo, que utiliza a bicicleta em deslocamentos urbanos e é corredor.

“Quando incentivamos caminhada, corrida e ciclismo como uma forma mais saudável e mais sustentável de movimentação, é contraditório, depois de uma festa que é um marco do esporte e da saúde, colocar um monte de ônibus para levar toda essa gente de volta. Eu corro a São Silvestre, corri no ano passado e é uma pena você acabar a festa e ter que sair de um lugar, onde você poderia sair de metrô, e ter que ir de ônibus”, analisa o médico.

Maior risco de lesões

Se o deslocamento da chegada para a região do Ibirapuera representa um dano ao ar de São Paulo, um risco praticamente igual ronda os atletas que se aventurarem a descer a Brigadeiro. Dr. Henrique Cabrita, médico ortopedista, diretor do Instituto Vita e maratonista, analisa o potencial aumentado de lesões graças ao novo percurso. “A descida da Brigadeiro, em termos de inclinação, é mais íngreme do que a subida. Estudei relatos de lesões esportivas e qualquer tipo de  prova que seja em descida representa uma sobrecarga muito grande do aparelho extensor do joelho, ou seja, na parte da frente, da rótula, da patela, do tendão patelar. E uma carga muito maior na região dos calcanhares, também. Tenho levantado artigos sobre lesões em corridas de longa distância e a incidência de lesões em corridas tipo ‘downhill’ (declive) é, em média, 50% maior do que em provas sem desníveis ou com final em ‘uphill’ (aclive).”, informa o ortopedista. “E, se pensarmos que estamos no final de uma prova de 15 km, em que boa parte dos esportistas está completando uma corrida pela primeira vez, é muito provável que vários desses atletas sintam-se encorajados a acelrar o ritmo na descida, aumentando o potencial para lesões ortopédicas no joelho e no calcanhar.”

Como corredor experiente, que já participou de várias edições da São Silvestre, Dr. Henrique testemunha que “a maior emoção é quando a gente chega, faz toda aquela subida da Brigadeiro e vira à direita, na Paulista, tendo aquela visão da chegada, o pessoal incentivando a fazer os últimos metros depois daquela grande subida. Como maratonista, como corredor,  sem esta emoção final é uma grande perda. Chegar no Parque do Ibirapuera, como já chegam tantas outras provas, é banalizar a São Silvestre.”

No ano passado, após a polêmica da entrega de medalhas antes da prova – o que foi considerado uma desvalorização do esforço de quem, de fato, completou a São Silvestre – a organização aventou a possibilidade de solicitar nova localização para o palco do Réveillon. O diretor geral da prova e superintendente do portal Gazeta Esportiva.net, Júlio Deodoro, comentou, depois da 86ª edição, que uma alternativa seria deslocar o palco do Réveillon para duas quadras adiante. “Melhoraria para o Réveillon e para a São Silvestre. Poderíamos usar as duas pistas da Paulista na largada e na dispersão, depois da chegada. Nessas condições, seria possível entregar as medalhas no final da prova”, declarou Júlio em dezembro de 2010.

Esta alternativa, no entanto, parece ter sido descartada pela organização, que preferiu impor a mudança do percurso, sem considerar a tradição do evento, o prejuízo ao ar de São Paulo, a conveniência e a integridade física dos atletas e nem do público, que passa a ter de escolher entre assistir à largada ou à chegada da São Silvestre.

* Este conteúdo foi produzido em conjunto pelo Grupo São Silvestre na Paulista, formado por profissionais de várias áreas, todos corredores de rua, empenhados em buscar o diálogo com as entidades organizadoras da Corrida de São Silvestre. Apesar de reiteradas tentativas, nem a organização da prova, nem a Fundação Cásper Líbero, nem a Prefeitura de São Paulo concordaram em dialogar com o grupo sobre o tema. A intenção de buscar a melhor solução para o problema, da nossa parte, continua presente.


Aleluia!
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Erich Beting

Finalmente as empresas começam a sair da inércia com relação ao patrocínio no esporte.

Nesta segunda-feira foram duas ações interessantes da Tim. No caderno de esporte da “Folha de S. Paulo”, a empresa anunciou um plano de telefone específico para o torcedor corintiano (veja a foto ao final do texto). A empresa também anunciou uma ação para contemplar torcedores de oito diferentes times, envolvendo ex-jogadores e os clubes patrocinados pela empresa (leia mais aqui).

Já é um ótimo começo. Desde o ano passado que a empresa investe no patrocínio a clubes de futebol no país. Demorou mais de um ano no esporte para sair da mesmice. Afinal, é muito mais produtivo poder criar ações que realmente causam impacto nos clubes do que esperar retorno tendo apenas o número da camisa como uma propriedade de exposição da marca.

Anúncio da Tim nesta segunda na "Folha"