Negócios do Esporte

Arquivo : fevereiro 2012

A meritrocacia às avessas do esporte brasileiro
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Erich Beting

Uma reportagem desta quarta-feira da “Folha de S. Paulo” mostra que a Confederação Brasileira de Vela e Motor estuda diminuir o repasse de verba para as modalidades que não têm grande desempenho em Jogos Olímpicos e priorizar aquelas que possuem melhores resultados. Na semana passada, na tentativa de justificar mais uma re-re-re-re-re-reeleição, Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, disse que o problema é que não formamos novos gestores esportivos no país.

Os dois casos mostram claramente uma das maiores dificuldades em promover o crescimento do esporte no Brasil e a nossa transformação em uma nação esportiva. Nuzman perpetuou uma lógica de gestão nas confederações que é absolutamente contrária ao que é feito em países vitoriosos em Olimpíadas. Para o COB, o importante não é formar uma nação que pratica mais esporte, mas sim uma nação que colecione pódios.

Esse pensamento, que é personificado pela distribuição dos recursos da Lei Piva (quem é melhor ganha mais, quem é pior ganha menos), é o que faz a CBVM, por exemplo, optar por tirar dinheiro de quem ainda tenta qualificação e deixá-lo apenas para quem já consegue obter resultado. É esse o pensamento que o COB exige de suas confederações. Produzamos medalhistas, mas sem nos preocuparmos em investir no desenvolvimento da prática do esporte.

Quando Nuzman clama pela falta de novos gestores para o esporte brasileiro, ele toca numa ferida que deveria ser cada vez mais aberta e discutida no país. Mas qual é a função do COB? Cuidar apenas da formação de atletas ou também se preocupar com a metodologia de trabalho aplicada nas confederações?

O COB fornece para as confederações um curso de gestão, que teoricamente serviria para melhorar a qualidade de quem está à frente das entidades. Mas e o que isso significa na prática? O gestor está sendo preparado para dar mais dinheiro a quem já consegue ter desempenho ou a resolver as deficiências de formação de outras categorias?

A meritrocacia no esporte, para uma confederação, não significa dar dinheiro a quem já tem bom desempenho. O que precisa fazer é desenvolver as áreas onde há deficiência de formação para podermos nos considerar uma nação esportiva. Dar dinheiro a quem já é bom e não a quem precisa crescer é não entender a função de uma entidade esportiva. Não precisamos apenas levantar medalhas, temos de praticar mais esporte. A partir disso, naturalmente, o país vai figurar mais no pódio.

O atleta ou a modalidade que, hoje, tem maior destaque, naturalmente consegue maior atenção da mídia e mais patrocínios. A meritrocacia funciona nesses casos. Não é preciso dar mais dinheiro aos que se destacam É preciso buscar formar mais atletas para termos mais destaques.

Infelizmente parece não existir um gestor capaz de fazer isso nas confederações esportivas brasileiras. Nem mesmo no COB.


Há futuro para o futebol feminino?
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Erich Beting

Uma reunião no Ministério do Esporte nesta terça-feira deu mais um alento para o futebol feminino. O ministro Aldo Rebelo recebeu algumas atletas e prometeu um maior empenho em ajudar a modalidade, de fato, a ser minimamente profissionalizada no país.

Esqueçamos as promessas que pipocam a cada ano olímpico após um pódio obtido pelas meninas. O mérito de Rebelo é demonstrar preocupação com o futebol feminino num aparente momento de baixa. Mas a questão que fica é se, de fato, existe um futuro para o futebol das mulheres.

No mês passado, nos Estados Unidos, mais uma vez os dirigentes decidiram descontinuar a Liga de futebol feminino. O motivo é a dificuldade em manter o negócio rentável.

Se nem mesmo na terra que é considerada modelo para o desenvolvimento do futebol feminino o esporte prospera, o que será do Brasil, em que nem mesmo projeto para o Campeonato Brasileiro masculino existe?

Em todo o mundo, são raros os casos de ligas de futebol feminino de sucesso. Os dois melhores exemplos talvez sejam a Suécia e, com muito menos valor, a Alemanha. Nos dois casos, porém, a manutenção do futebol feminino tem mais relação com o estabelecimento de políticas públicas de prática esportiva do que propriamente de unidades rentáveis de negócio.

E é isso que explica mais um insucesso do modelo americano de gerenciamento do esporte para a manutenção de uma liga profissional das mulheres. Simplesmente o futebol feminino, como produto comercial, não é rentável.

Por aqui, nem o futebol masculino se mantém superavitário, principalmente por conta da paixão que move os dirigentes e os clubes. O alento para o futebol feminino será se, realmente, o governo encampar o desenvolvimento da modalidade como projeto político.

Mas não teremos uma abundância de patrocinadores, salários realmente altos para as atletas e tudo o mais. Simplesmente essa não é, mundialmente, a realidade do futebol entre as mulheres.

O futuro do futebol feminino depende de política de governo. Pelo menos a reunião desta terça no Ministério do Esporte pode ser um bom sinal.


O consumidor em primeiro lugar
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Erich Beting

Já era madrugada desta segunda-feira no Brasil quando o New York Giants tornou-se campeão pela quarta vez do Superbowl, o principal evento esportivo de um único dia no mundo. Minutos depois de Eli Manning receber a taça pelo título no futebol americano, o site oficial dos Giants colocava no ar uma linha de produtos à venda alusiva à vitória recém-alcançada.

Não era apenas a camisa comemorativa que todos os atletas trajavam ainda no gramado do Lucas Oil Stadium, mas uma coleção que tinha boné, chaveiro, copo, caneca, tapete de casa, babador para criança, etc. São mais de mil itens disponíveis para o torcedor comprar o que quiser imaginar com a mensagem de campeão do SB46.

A questão é simples. O foco do Giants é ganhar títulos, sem dúvida, mas para que isso seja possível, ele precisa colocar o consumidor em primeiro lugar. É para ele que o clube trabalha e, mais do que isso, é o torcedor quem assegura a subsistência de um clube.

Na sexta passada, escrevi aqui sobre o que seria o diferencial do Superbowl. No final das contas, o americano é tão diferente no gerenciamento do esporte porque seu mantra é colocar, sempre, o consumidor em primeiro lugar.

Com mais de mil itens à disposição para o torcedor, o Giants mostra como é fácil conseguir aumentar receitas e fazer com que a área de licenciamento seja um componente importante da receita de um clube.

Enquanto não colocarmos o torcedor na linha de frente da prioridade de um clube, será muito difícil mudar realmente a condição de gestão do esporte. A Europa percebeu isso há 20 anos, na revolução provocada pela Premier League inglesa e pela Liga dos Campeões da Uefa.

Por aqui, a primeira chave é mudar o conceito de uso da palavra. Torcedor deve ser substituído, urgentemente, pelo termo consumidor.


O que o Superbowl tem de tão especial
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Erich Beting

Domingo teremos a realização do Superbowl, a final da temporada do futebol americano. Ou, do ponto de vista de gestão e marketing esportivo, o maior evento de apenas um dia de duração do mundo.

O que faz do Superbowl algo tão diferente assim? Se formos levar em consideração que ele se resume a apenas um jogo de uma modalidade que praticamente só existe em um país, é realmente um fenômeno o que acontece.

Mas, se formos ver que ele é o jogo decisivo do esporte mais popular do país que tem a cultura do consumo na veia, que mais sabe tratar um evento esportivo como um festival de entretenimento e que, além disso, tem na mídia uma grande parceira do esporte, não é de se estranhar o tamanho do Superbowl.

E talvez seja exatamente a junção de todos esses componentes que faz com que o jogo de domingo em Indianápolis seja o grande evento esportivo do ano. Só a atenção que a mídia brasileira tem dado para o Superbowl, especialmente a ESPN, que detém os direitos de transmissão, é um indicador da força global que tem hoje o futebol americano.

Além disso, nos EUA, o evento é tão forte que conseguiu transformar o dia do jogo decisivo na principal data para o mercado publicitário americano. Todas as empresas preparam seus principais lançamentos para a época do Superbowl. Os grupos de mídia, preparados para isso, disputam desesperadamente os direitos de exibição da partida para, dessa forma, conseguir vender o famoso “espaço publicitário mais caro do mundo”.

E, por mais estranho que pareça, a própria crise americana ajuda ainda mais para que o Superbowl se transforme num fenômeno. Com menos dinheiro em caixa, o americano gasta hoje mais tempo em frente à TV do que em outras atividades de lazer.

Isso tem feito com que a audiência do Superbowl esteja em crescimento desde 2008, quando a crise estourou. Assim, o mercado publicitário não vê a hora de usar todos os diversos intervalos comerciais durante as horas de jogo para mostrar seus produtos. Até nisso o futebol americano consegue ser inteligente, já que é formatado pensando na transmissão da TV.

O esporte, como um todo, é formatado para ser um show para a TV. O resultado dentro de campo, no final das contas, é o que menos importa. Vale o espetáculo, a promoção do evento e, também, a entrega de mídia que ele terá.

Hoje, a NFL fatura US$ 4 bilhões por ano em direitos de transmissão, com o novo contrato, a partir do ano que vem, elevando pelo menos para US$ 6 bi o montante arrecadado. Durante os jogos, tudo é feito pensando no bem do torcedor, independentemente de onde ele esteja, no estádio ou em casa.

No Superbowl, temos a condensação de todo o conceito americano de como o esporte deve ser gerenciado em um único evento. Um espetáculo para o torcedor e para a mídia, alimentando toda uma indústria de entretenimento.

A ideia de decidir o campeonato em um jogo único, por exemplo, é para deixar tudo imprevisível, tal qual uma final de Copa do Mundo de futebol. Por aqui, ainda continuamos a olhar o futebol europeu como exemplo. E, se formos olhar o melhor campeonato de futebol da Europa, que é a Liga dos Campeões da Europa, veremos que o grande exemplo para a Uefa é exatamente o gerenciamento americano do esporte.

Não seria ruim que os dirigentes esportivos brasileiros olhassem o Superbowl com muito carinho neste domingo. Dependendo de como for, poderíamos começar a pensar em como, de fato, revolucionar o mercado esportivo brasileiro. Não é preciso inventar nada. Só olhar o que é bem feito em outros lugares.


A oportunidade que pode matar uma ação de patrocínio
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Erich Beting

“Foi muito rápido, não deu tempo. Nós fechamos o acordo ontem, às 9h30 da noite, após uma negociação de apenas três dias”. A frase de José Luiz Gandini, presidente da Kia Motors do Brasil, mostra o lado preocupante do patrocínio ao Palmeiras anunciado na última quarta-feira.

Durante a entrevista coletiva em que foi anunciado o acordo, Gandini deixou claro que o evento serviria para mostrar a camisa com a marca do novo patrocinador, mas que as ideias do que seria feito ainda estavam sendo trabalhadas.

O próprio presidente da Kia disse que “várias ideias surgiram aqui mesmo antes da apresentação”. E é aí que está o problema.

Claramente a opção da Kia pelo Palmeiras teve uma grande dose de apelo emocional (Gandini é palmeirense) e outro bocado de decisão baseada na “oportunidade” que o negócio representa.

E é esse o maior problema para o futuro do projeto de patrocínio da Kia com o Palmeiras. Sem um objetivo definido, apenas com a “oportunidade” ditando o negócio, a chance de ele prosperar é bem menor de quando há todo um conceito envolvido.

A bagunça que vimos nos últimos dois anos no mercado de patrocínio esportivo se deve muito a isso. Decisões tomadas por impulso pelas empresas e que, depois que começam a andar, são repensadas e, muitas vezes, descontinuadas.

O aspecto mais positivo da parceria Kia-Palmeiras é que ela tem três anos de duração. Isso exige da empresa uma clareza de posicionamento no mercado de patrocínio, já que não é uma espécie de teste que ela faz no futebol. Da mesma forma, o clube é obrigado a profissionalizar o relacionamento com a patrocinadora, aumentando e potencializando o retorno do patrocínio.

O grande problema, porém, é só começar a pensar nas possibilidades de ativação e realização de ações com o patrocínio depois de ele já ter sido concretizado. Por que aí, quando começam os trabalhos, surgem as dúvidas.

Será que o Palmeiras foi a melhor escolha? Será que não valeria buscar outra propriedade? Do jeito que está hoje, a única vantagem ao escolher o Palmeiras, para a Kia, foi a grande exposição em mídia que o patrocínio vai gerar. Mas será que ela não pagou muito caro para isso? É outra dúvida que pode surgir.

O patrocínio baseado na oportunidade de mercado pode representar um grande perigo nas ações de longo prazo. Nos últimos dois anos, o que mais se viu foi isso no futebol brasileiro. Empresas que entraram sem um projeto, acreditando que apenas a exposição de marca era suficiente.

Os próximos três anos poderão dizer se a Kia viu no Palmeiras uma oportunidade de aumentar a exposição de sua marca ou se realmente busca uma plataforma para realizar ações e buscar reconhecimento de marca, fidelização de consumidor e, claro, exposição.

Do contrário, pagar R$ 25 milhões ao ano apenas em busca de exposição é um enorme desperdício de dinheiro.