Negócios do Esporte

Arquivo : julho 2016

Revezamento da Tocha dá temperatura sobre os Jogos
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Erich Beting

Há oito meses que, semanalmente, vou ao Rio de Janeiro. O trajeto entre o aeroporto e a Barra da Tijuca serve para, a cada semana, ficar com aquela pulga atrás da orelha se vamos conseguir realizar os Jogos Olímpicos. De dois meses para cá aumenta um pouco mais a certeza de que faremos, bem ao nosso estilo, o evento acontecer. Haverá falhas, não seremos quase impecáveis como foi Londres em 2012, mas conseguiremos.

A dúvida que ficava, porém, era em relação a nossa reação com o evento. Mais do que entregar a estrutura, nós seremos capazes de entrar “no clima” dos Jogos?

A festa em Londres foi espetacular, mas de certa forma demorou a acontecer. Cheguei por lá no dia da cerimônia de abertura. A sempre ácida mídia britânica batia bastante na falha da organização pela ausência de torcedores em vários eventos. A torcida, de fato, parecia não se empolgar. Depois, a crítica passou a ser a falta de desempenho do time britânico. Após o primeiro ouro, com quatro dias de Jogos, a festa começou para valer, as arenas lotaram e o evento foi um sucesso, transbordando em cada esquina da cidade.

Ontem, essa dúvida em relação ao Rio começou a ser sanada. Fui condutor da chama olímpica na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. E o evento que acontece para o revezamento da tocha é, em tese, o resumo de como serão os Jogos Olímpicos daqui a 17 dias.

O comboio da tocha vai abrindo espaço pelas ruas da cidade. Você, nessa hora, é colocado num ponto de encontro no meio da rua. O comércio está aberto, nada é modificado pela passagem da tocha, a não ser o trânsito. Há algumas pessoas ao seu redor, que estão ali esperando para ver o que vai acontecer. De repente, chegam os caminhões dos patrocinadores, tocando música, distribuindo brindes, chamando o povo a participar. E, quando chega a sua hora de conduzir a tocha, você entende o que a chama olímpica representa no imaginário das pessoas.

Ao acender o fogo, o público começa a vibrar. As pessoas vão correndo ao seu lado, passam a aplaudir, sacar os telefones celulares e tirar foto. A chama, com o perdão do trocadilho, ilumina a cabeça do público, que sente uma indescritível alegria de poder compartilhar aquele momento e fazer parte dele. Assim, transformam o que antes era uma rua parada numa grande celebração.

Depois que a caravana passa, as pessoas vão se recolhendo nas ruas, vão voltando para a sua rotina, provavelmente usando as redes sociais para repassarem a seus conhecidos as imagens que conseguiram registrar daquele momento.

O Rio de Janeiro, hoje, vive mais ou menos a mesma sensação que tive quando estava naqueles cinco minutos esperando outro condutor chegar com a chama olímpica para repassá-la a mim. O evento está chegando. Quando ele começar, as pessoas vão irradiar alegria de fazer parte daquilo.

O que, sem dúvida, está longe do ideal, é o que aconteceu antes dos Jogos e o que ficará depois deles. Mas o problema, nesse caso, não são as Olimpíadas. É o jeito brasileiro de levar a vida que precisa mudar. Os Jogos podem nos ajudar a cobrar isso no nosso cotidiano. Seria um inesperado (e indigesto para muitos) legado olímpico…


“Segunda Campeã” exige profissionalismo do atleta
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Erich Beting

Até que demorou mais do que esperava a primeira discussão acerca da proposta do SporTV na “Segunda Campeã”, como está sendo apelidado o jogo de segunda-feira à noite transmitido pela emissora com exclusividade. Veio do ex-jogador Tinga a crítica sobre o fato de os jogadores terem de conceder, dentro de um estúdio, ainda com a roupa de jogo, a entrevista para o programa “Bem, Amigos”, que começa colado na sequência da partida.

Na primeira “Segunda Campeã”, o vazamento da conversa de Cuca com Diego Souza sobre o time do Santos gerou insatisfação dos palmeirenses. Desta vez, Tinga desceu a lenha no fato de os jogadores serem obrigados a irem direto do campo para a entrevista “ainda cansados”, segundo argumentou o ex-jogador de Inter e Cruzeiro.

Particularmente, achei a proposta da entrevista pós-jogo num estúdio, só com dois jogadores e um treinador, um formato bem interessante. O atleta ali, ainda com o uniforme de jogo, é um elemento novo para os programas de debate. O “confronto” entre jogadores que acabaram de sair da partida, bem como de um treinador, também é outra situação que agrada do ponto de vista jornalístico. Ainda acho que o “Bem, Amigos” deve explorar ainda mais o conteúdo jornalístico trazido por essa situação, focar a entrevista nos detalhes do jogo, instigar ainda mais o atleta e o treinador, mas isso também fugiria demais da característica do próprio programa.

Para o torcedor, acredito também que seja legal sair daquele formato batido e modorrento das entrevistas coletivas pós-jogo. Lentas, massacrantes, repetitivas, etc. Ali existe mais dinamismo, o atleta está ainda com o jogo quente na cabeça, existe o confronto direto do debate com outros atores da partida.

Mas e para atletas e treinadores, será que Tinga está certo em reclamar?

Já havia tido essa percepção logo depois de Sport x Palmeiras e reforcei-a acompanhando o pós-jogo de Cruzeiro x Atlético-PR. O jogador precisará ser muito mais profissional para encarar esse bate-papo após a partida.

Respostas menos pasteurizadas, inteligência para se posicionar, preocupação com a imagem que será transmitida por ele após o jogo. Tudo isso é exigido no formato apresentado até agora. O atleta não poderá ficar naquela mesma expressão de sempre, mantendo o mesmo padrão de resposta, fugindo de respostas mais agudas.

No esporte profissional, o atleta precisa entender sua posição como protagonista não apenas dentro de campo. Ele tem de saber se posicionar e fugir do padrão. Nesse formato da “Segunda Campeã”, o jogador de futebol, pela primeira vez, precisa ser um pouco mais do que alguém que “faz parte do grupo”, que “chegou para somar” e que o “importante são os três pontos”.

E, como qualquer mudança de padrão, ela gera descontentamento. O fato é que o jogador de futebol no Brasil está tendo de sair da zona de conforto para ser mais atleta, mais profissional. “Só” jogar futebol é tarefa fácil demais nesse cenário…


UFC revela a importância de o esporte ser visto como negócio
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Erich Beting

Dana White é um personagem midiático, muitas vezes controverso, mas inegavelmente sua figura é importantíssima para a construção da marca do UFC que levou a liga de MMA a ser vendida no início da semana por US$ 4 bilhões, num negócio que envolveu 2 mil vezes mais dinheiro do que na primeira venda do UFC, há 15 anos.

A valorização espetacular do UFC é reflexo de um pensamento que parece difícil de ser encarado por quem trabalha com esporte: a liga só alcançou esse valor de venda por ter sempre tido a visão do esporte como negócio.

O crescimento do UFC se baseia no princípio de que o evento é muito maior do que a luta em si. Logicamente que o torcedor quer consumir a luta, os atletas, o esporte. Mas o evento que vai envolver essa batalha precisa ser impecável. Ele precisa representar, para quem está em casa ou no ginásio, necessariamente uma experiência agradável de consumo.

Aqui no Brasil o gestor quase sempre está preocupado com o que acontece na disputa esportiva. O olhar, focado exclusivamente para o esporte, desvia completamente o foco daquele que vai estar ao redor da disputa. Não há uma preocupação em atender bem o torcedor. Ele é visto, muitas vezes, como um elemento à parte do negócio, quando justamente é o contrário que precisa acontecer.

Geralmente as brigas mais acirradas que Dana White se envolve têm como motivo alguma insatisfação de atleta com medidas tomadas pelo UFC. Patrocínio coletivo, ranking por desempenho, suspensões ou escolhas de cards de lutas. Você dificilmente vê Dana White tendo de pedir desculpas ao consumidor por não entregar a ele um ótimo produto. Na batalha pelos milhões em bolsas e patrocínios é que geralmente reside a crise de imagem do UFC.

Esporte é entretenimento. E, como tal, precisa entender que é preciso olhar para a gestão de um evento para muito além da disputa esportiva. O gestor precisa assegurar que o conteúdo do esporte seja de boa qualidade, mas não pode desperdiçar toda a sua energia nisso. É preciso se preparar para entregar ao torcedor, à mídia e aos patrocinadores uma experiência de qualidade também.

Não é tão por acaso que quando o UFC deixou de ser um evento pensado pelos espetaculares esportistas da família Gracie ele começou a crescer tanto que, agora, deixou de ser um negócio de US$ 2 milhões com ótimo potencial para um evento de US$ 4 bilhões, de alcance mundial e que, por incrível que pareça, ainda tem fôlego para ampliar o potencial de geração de receitas.

A chave, para qualquer esporte crescer, é olhar todas as pontas do negócio em que ele está inserido. O UFC é o melhor exemplo de como isso é importante.


Cristiano Ronaldo e o tapa na cara do machismo no futebol
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Erich Beting

“Ah, mas ele só olha para o telão”. “Ele faz a sobrancelha”. “Ele é só marketing”. “Ele é arrogante”. “É um mala”. “Olha o gelzinho no cabelo…”. “Aposto que ele é bicha”.

Não, Cristiano Ronaldo é vaidoso. Com sua forma física. Com sua performance esportiva. Com as conquistas de taças. Com a quebra de marcas. A vaidade faz dele um fenômeno.

Nunca, e volto a repetir, nunca o futebol teve um atleta como Cristiano Ronaldo. Não, você não leu errado, não enlouqueci, mas precisamos entender o que a frase quer dizer.

Messi, Zidane, Maradona, Romário e Ronaldo… Todos esses, e vou me ater aos cinco maiores gênios que vi jogando (e pela ordem que os considero gênios), foram jogadores de futebol espetaculares. Hábeis como quase ninguém mais foi. Desconstrutores da lógica de um jogo de futebol como poucos. Mas foram jogadores de futebol.

O dom de conduzir a bola, de saber onde se posicionar dentro de campo, de enganar o defensor só com uma ginga do corpo, de fazer o que fizeram como poucos. Tudo isso coloca todos esses caras num panteão praticamente inatingível pelos reles mortais. Até aparecer Cristiano Ronaldo.

Ele tem uma considerável habilidade com a bola, mas nunca chegaria aos pés de um Ronaldinho Gaúcho, para ficar com outro gênio que estaria na lista dos dez mais. E o que tornou o português um fenômeno mundial? Suor, dedicação, trabalho. E pode colocar mais um pouco de suor, dedicação e trabalho. E mais um pouco, e mais um pouco, e mais um pouco…

Nenhum jogador de futebol se dedicou tanto ao físico quanto Cristiano. Ele sabia que, para ser o melhor, precisaria de dedicação. Só o bom talento que tinha não seria suficiente. Precisa acordar cedo, trabalhar, voltar a trabalhar, descansar, trabalhar. A vaidade de Cristiano Ronaldo é ser reconhecidamente como o melhor. Ele não se contenta em ser um dos melhores, ou o segundo melhor. Ele quer ser o melhor. E, há quase 30 anos, se dedica a isso. Treina, aperfeiçoa, testa a habilidade.

Cristiano colhe os louros da fama que conquistou com muito suor colecionando carros e casos amorosos. Ele aproveita o fato de trabalhar com o corpo para cultivar a beleza desse corpo. Ele é tão perfeccionista que parece não aceitar ter um fio de cabelo fora do cabelo milimetricamente ajustado. E, claro, quando o jogo acontece, ele olha para o telão.

Só que qual olhar não está nele durante o jogo? Por que ele também não tem o direito de se olhar? De ver se o fio de cabelo continua perfeitamente arrumado?

Mas a vaidade de Cristiano tem o seu preço. As pessoas têm a infeliz ideia de achar que, para ser um craque de futebol, o cara não pode ser vaidoso. Ele precisa ser sujo, largado, desgrenhado, despreocupado com o físico. Ele sabe jogar bola, e basta. Mas não é isso que Cristiano Ronaldo pensa. Ele quer ser bonito, arrumado, alinhado, preocupado com a estética assim como é preocupado com o chute que passa rente à trave e não estufa a rede.

O choro de Messi, na perda de mais um título pela Argentina, humanizou o até então homem de gelo e mais talentoso jogador de futebol do novo milênio. Fez, dele, um ídolo humano, que ganhou a torcida por se mostrar frágil.

O choro convulsivo de Cristiano, despreocupado com o telão, com o cabelo, a barriga tanquinho ou o raio que o parta quando foi tirado de forma abrupta do jogo de sua vida como português fez do gajo um “macho”. E, curiosamente, a atuação dele como um “mortal”, desesperado como muitos de nós ficamos na torcida por Portugal, conferiu a ele também o status que ele já tinha, e que só os machistas não conseguiam enxergar.

 

Cristiano Ronaldo é a tradução perfeito do que é ser um atleta. Ele não é o melhor do mundo por ter um talento acima de qualquer outro. Ele é o melhor por se dedicar, trabalhar e transformar a dedicação do treino na perfeição da performance. Cristiano nunca desdenhou do futebol. Ele simplesmente transformou nosso sonho de criança em algo possível.

Podemos nos dedicar com tanto afinco que desenvolvemos as habilidades necessárias para fazer parte do grupo dos melhores. Não precisamos ser vaidosos como ele, mas será que, com 20 e poucos anos, tendo o mundo aos seus pés, não teríamos um comportamento similar?

Ser vaidoso pode ser um defeito. Mas a vaidade ajudar a transformar Cristiano Ronaldo num dos melhores é algo que precisa ser entendido para tentar explicar esse fenômeno do futebol mundial. Nunca tivemos um atleta como Cristiano Ronaldo.

Não nascemos Messi, mas podemos ser Cristiano Ronaldo. E ontem, finalmente, os machistas despiram-se dos pré-conceitos que impediam de ver que olhar para o telão não é desdém de CR7 com o mundo da bola. É a certeza de que ele é um dos melhores do mundo. Como provou ontem ser, mesmo que para isso fosse preciso ficar sem jogar.


Atletas olímpicos não estão na Grécia Antiga
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Erich Beting

A polêmica do dia foi provocada mais uma vez via redes sociais. Raquel Endres, mulher de Gustavo Endres, jogador multicampeão pela seleção masculina de vôlei, fez um desabafo sobre o fato de que teve de comprar a tocha olímpica para Gustavo ter de relíquia após ter conduzido o artefato na passagem dele pelo Rio Grande do Sul, seu estado natal.

O desabafo de Raquel, publicado por Gustavo em seus perfis, tem sua lógica. O cara é um baita campeão, representou o Brasil e não teve o direito de receber o presente após a condução da tocha?

Na Grécia Antiga, quando surgiu o conceito das Olimpíadas, o grego que era um campeão olímpico era venerado por ser um semideus. Numa cultura que valorizava o físico, ser o melhor entre os atletas era um feito comparável ao de um deus grego.

Quando recriamos o conceito das Olimpíadas nos Jogos Olímpicos da Era Moderna, reutilizamos aqueles conceitos de semideuses para valorizar a competição e ajudar a promovê-la. Só que isso criou uma cultura completamente equivocada, entre os atletas, de que chegar a uma Olimpíada é colocá-lo num patamar diferente em relação aos demais “mortais”.

Mas o que diferencia Gustavo de Carlito Lima, um agricultor de Cratéus, interior do Ceará, que foi escolhido também para conduzir a tocha? Ou de Cardozinho, folclórico corredor de Juazeiro, na Bahia, que também foi indicado pela prefeitura de sua cidade pelo trabalho que ele faz e que ajuda a promover a prática de esporte? Assim como Gustavo, Carlito e Cardozinho não tiveram o prazer de ganhar a tocha de presente após ter conduzido-a pelas ruas de sua terra. Os governos de suas cidades não poderiam dispender dinheiro para fazer um mimo ao condutor. Eles têm lugares mais importantes para gastar sua verba.

Em diversas ocasiões, ex-atletas reclamaram que não foram chamados para conduzir a tocha, como se fosse obrigação que o momento fosse restrito a eles. O grande negócio do revezamento é que ele transforma os Jogos Olímpicos não num evento exclusivo de semideuses, mas em algo democrático, palpável e aberto a todos. Seja um produtor de mel, um corredor amador ou um campeão olímpico.

Os atletas olímpicos ainda acham que estão na Grécia Antiga e que, por isso, são semideuses com mais direitos do que os demais. Em vez de reclamar, deveriam aproveitar as histórias de condução da tocha olímpica para entender que o mundo é feito de todo tipo de gente, e que cada uma dela, a seu modo, tem algum feito que é valioso para uma outra pessoa.


Jogo de segunda é O programa da TV
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Erich Beting

O público na Ilha do Retiro foi alto. Mais de 26 mil torcedores estiveram presentes para o Sport 1×3 Palmeiras. Mas o que mais chamou a atenção, para quem esteve em casa, é que ficou claro que a rodada da segunda-feira à noite foi inteira programada para a televisão.

A escolha do confronto, o horário do jogo e o tratamento dado pelo Sportv à cobertura da partida fizeram com que, finalmente, entendêssemos o significado e a importância de tratar o futebol como um produto para a televisão.

O jogo das 20h de segunda é um pedido do Sportv, que agora tem todos os elementos para vencer com folga a disputa pela audiência da segunda à noite na TV paga. Com o jogo ao vivo no Brasileirão seguido do “Bem, Amigos”, será muito complicado para qualquer outro canal chegar próximo da concorrência.

E aí é que está o grande ponto da estreia do jogo da segunda. O esporte é um entretenimento e, como tal, tem de ser moldado para atender aos interesses de quem ajuda a pagar a conta dele. Sendo a TV uma das principais financiadoras do futebol na atualidade, por que não criar um produto que atenda os seus interesses?

Com o título de “Segunda Campeã”, o Sportv refaz, no Brasil, o modelo que consagrou a popularização do esporte no país nos anos 80 pela TV Bandeirantes. Se, naquela época, a “Faixa Nobre do Esporte” era sinônimo de entretenimento ao vivo para o consumidor na TV (que o diga o Italiano às 11h de domingo, ou a sinuca com Rui Chapéu), nas duas últimas décadas esquecemos desse saudável hábito de pensar o esporte também para quem é um dos importantes propagadores dele.

Finalmente enxergamos que o futebol precisa ser pensado para a TV. E isso vai muito além do que apenas adequar o horário da partida para os anseios da grade de programação. O esporte pode oferecer conteúdo diferenciado para os seus parceiros de mídia. Essa foi a chave que transformou os campeonatos europeus em grandes produtos.


Vem, zika! Ou… A coragem do Rio ao não ignorar o tema
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Erich Beting

Entre as diversas crises que rondam os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, uma das que mais amedrontam atletas no exterior é o possível contágio do zika vírus durante o mês de agosto na Cidade Maravilhosa. Na próxima semana, vamos começar a ver uma propaganda na TV e em outras mídias que trata exatamente de uma marca que será o “Repelente Oficial dos Jogos Olímpicos” (veja os detalhes aqui).

Confesso que minha primeira reação foi de incredulidade ao saber da história. Será que compensa o risco de se fechar um patrocínio com uma marca de repelente se, justamente, o zika ainda é um tema complicado no exterior? Fui voto vencido no debate que fizemos na redação da Máquina do Esporte. E, confesso, há cinco dias venho pensando bastante sobre o tema para tentar escrever sobre.

O fato é que o Rio foi audacioso ao tomar essa decisão. E o OFF!, da SC Johnson, foi muito, mas muito inteligente ao aproveitar a oportunidade de se debater esse tema para ter a chance de marcar presença no evento.

Ao ter um repelente oficial, o Rio assume que há um risco em seu evento. Mas que, de certa forma, decidiu se prevenir contra ele. É, num outro paralelo, como se os Jogos tivessem um acordo com uma empresa de segurança admitindo que há um risco de algum atentado acontecer no evento.

Ao mesmo tempo, para o patrocinador, os Jogos proporcionam uma enorme chance de se expor a marca e transmitir uma mensagem que remete diretamente a seu produto.

Num momento em que as empresas ainda estão começando a colocar a cabeça para fora e lembrar o consumidor que falta pouco mais de um mês para as Olimpíadas, ser audacioso na transmissão da mensagem pode ser um passo importante para marcar presença no evento.

O desafio, aliás, é enorme. Só de patrocinadores mundiais, locais, apoiadores e fornecedores, o Rio 2016 conta com 59 empresas. Usar um tema de interesse público para se associar ao evento pode ser uma saída para ganhar espaço no meio de uma concorrência pesada para aparecer.

Em vez de tentar esconder o zika, o Rio decidiu assumir que existe um problema. É uma decisão difícil, mas que pode gerar um bom retorno para o evento.

 


São Paulo acertou e errou no “fico” de Maicon
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Erich Beting

Em 2007, o Porto, de Portugal, se viu órfão de Pepe, zagueiro que conquistou o país ao apresentar um bom futebol que lhe valeu a ida para o Real Madrid e para a seleção portuguesa. Dois anos depois, o Porto conseguiu “curar” a ferida aberta com a saída de Pepe pela contratação de Maicon. O zagueiro chegou do Nacional com o status de ser do mesmo estilo do antigo capitão. Jogador que não afina nenhuma bola, joga sério, se impõe. Rapidamente caiu nas graças da torcida e foi apontado como o substituto de Pepe. 

No começo deste ano, desesperado na busca por um zagueiro, o São Paulo foi até o Porto e conseguiu trazer Maicon, que não era mais o líder incontestável da defesa do Porto, pelo contrário. Havia sido afastado depois de pedir para sair alegando contusão num jogo em que falhou bastante.

Sem dinheiro, assolado pela saída de um presidente acusado de corrupção e num clima político instável como nunca antes, o São Paulo fez o que podia. Empréstimo de Maicon até o fim de junho, quando possivelmente o clube estaria começando a disputar o Brasileirão após ter saído melancolicamente da Libertadores. O começo do Tricolor não era nada promissor, com derrota em casa para o The Strongest, da Bolívia.

Sob esse clima, Maicon chegou. Sem se esperar algo dele, com prazo de validade acordado, possivelmente o Tricolor teria ali um zagueiro para ajudar a não ficar tão feio o primeiro semestre de reconstrução do clube. Aí, Maicon jogou muita bola, foi fundamental na classificação do São Paulo à fase final da Libertadores contra o mesmo The Strongest e ajudou a levar o time de volta à semifinal da competição. 

O investimento de 6 milhões de euros mais a cessão de 50% dos direitos econômicos de dois atletas jovens do São Paulo para o Porto foi o negócio que dava para ser feito por um São Paulo pressionado para manter um jogador que se transformou em símbolo da ressurreição tricolor. 

Mas será que era necessário fazer isso?

A pressa e a pressão para contratar Maicon levaram o São Paulo a fazer um péssimo negócio. Sim, era impossível não ficar com o jogador, por tudo o que expus acima. Mas qual o preço que se paga por isso?

Quando faz uma aquisição de um jogador, o clube não pode agir com a cabeça de torcedor. Ele precisa colocar na mesa as diversas variáveis que existem. 

Maicon já está com 27 anos. Dificilmente terá mercado no exterior que faça o São Paulo recuperar esse investimento feito na aquisição do atleta. Sendo assim, o retorno que ele precisa dar ao clube é quase todo esportivo. Quase todo porque, pelo momento, há uma comoção do são-paulino em torno do zagueiro. E isso pode servir para gerar receita. Mas um dinheiro que é ínfimo quando comparado ao investimento feito em sua aquisição (R$ 22 milhões, pela conversão atual do euro). 

Esportivamente, como Maicon pode recuperar o investimento do São Paulo? Só a conquista da Libertadores não justifica a grana colocada no negócio. O título de campeão não paga os 6 mi de euros. Ah, mas tem o retorno maior de patrocínio, outras premiações, consumo da torcida, etc. Ok, pode até ser que, se somarmos uma premiação do Mundial de Clubes com um eventual resgate de credibilidade do clube, a conta feche.

Mas esse é o cenário 100% otimista que traz a contratação.

Se, em janeiro, o São Paulo não tinha dinheiro para investir em atleta, como pode, cinco meses depois, o clube “encontrar” R$ 22 milhões para trazer um zagueiro?

É essa a pergunta que mais incomoda em todo o negócio envolvendo Maicon. O patrocínio da Prevent Senior não gera esse dinheiro ao São Paulo. Da mesma forma, o programa de sócio-torcedor deve bater hoje essa arrecadação em um ano. O Tricolor, portanto, terá de recorrer a empréstimos para fazer a contratação. 

O expediente é o mesmo que o clube adotou nos dois últimos anos para contratar Wesley, Alan Kardec, Kaká, etc. E é o mesmo que levou o São Paulo a ser um dos clubes com maior dívida de curto prazo do país, tornando insustentável a gestão do clube.

A contratação de Maicon é um acerto pelo momento dentro de campo do São Paulo. Mas ela é um tremendo erro do ponto de vista de gestão do clube, algo que deveria ser a preocupação maior da diretoria nesse instante. 

É perfeitamente compreensível o esforço feito pela diretoria são-paulina para contratar o jogador. Mas é da mesma forma completamente condenável a atitude tomada pelos dirigentes. Cada vez mais a saúde financeira vai impactar no desempenho em campo no futebol do Brasil. E a falta de planejamento cobrará seu preço até para o clube que, há sete anos, era tido como o mais organizado do país…


O Sansão da paz. Só fora de campo…
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Erich Beting

A ideia foi simples e genial. A ação encabeçada por Ambev, Santos e São Paulo de promover a paz entre os times antes de a bola rolar no Pacaembu foi de fácil execução e emblemática na transmissão de uma mensagem. Por que não colocar os jogadores dos dois times juntos no mesmo ônibus para ir a um jogo?

É a típica ideia simples de executar e importante de se fazer. Num momento em que a bobagem de se exigir torcida única no estádio aflora, os clubes e o patrocinador fazem um gesto que propõe uma outra reflexão.

E aí o que se vê dentro de campo, com a bola rolando?

Os jogadores, com a gana de vencer, jogam por terra toda a ideia dos clubes e do patrocinador. Se irritam com as jogadas dos outros, partem para agressão, física e verbal, e levam para o torcedor uma outra mensagem.

“Pedimos paz a vocês antes do jogo, mas colocamos tudo no lixo com nossas atitudes dentro de campo”.

Lugano é um craque-bandeira do São Paulo. E, como tal, deveria se comportar dando o exemplo. Não de ser durão, disciplinador e exigente de respeito. Deveria aceitar a derrota e a má atuação. Ameaçar Gabriel, responder de forma ríspida a repórter e fazer cara de mau é passar ao torcedor a mensagem errada.

Viesse isso de um garoto ainda começando era de se esperar. Mas do jogador que representa a dignidade do Tricolor é uma tristeza. Sim, por diversas vezes deve ser irritante ter de lidar contra Gabigol e Lucas Lima. São craques, jovens, habilidosos, velozes. Marcá-los deve ser insuportável. Desarmar uma bola não deve ser nada fácil. Assim como sair perdendo com menos de um minuto de jogo e tomar 3 a 0 justamente numa falta cometida após tomar um drible por baixo das pernas. Irrita, machuca, faz o sangue ferver.

Mas, no fundo, qual o exemplo que temos de passar? Lugano representa milhões de são-paulinos. E, como tal, teria de saber que, desde os 40s de bola rolando, aquele jogo tinha um justo vencedor. Um time que jogou melhor que o dele. Como o próprio Lugano reconheceu na entrevista após o jogo. Mas como não soube fazer dentro de campo.

O jogador de futebol precisa se entender como representante de uma imagem forte e poderosa. Ele é elemento importante dentro da sociedade. Ele forma opinião, ele inspira as pessoas, ele é exemplo. Numa sociedade que questiona cada vez mais os valores (i)morais, os atletas deveriam saber o peso que suas atitudes têm.

De nada adianta marcas e clubes se preocuparem em transmitir uma mensagem às pessoas se, dentro de campo, seus jogadores se comportam de forma completamente oposta. O pré-jogo do Sansão foi um dos mais inteligentes dos últimos tempos. E tudo foi jogado fora pela atitude dentro de campo dos jogadores. Não só de Lugano, mas o líder tricolor simbolizou tudo ao ser expulso por reclamação, ao tentar intimidar na força o jogador adversário, ao vociferar pela crítica feita pela mídia no pós-jogo.

Não é fácil digerir uma derrota doída como a do clássico, nem é fácil se comportar de forma cordial o tempo todo num jogo em que você é muito superior. Mas o atleta precisa entender que ele é muito mais do que só um jogador numa tarde ruim ou boa. Ele é um símbolo que tem de mostrar valores aos outros.

Como é possível pedir paz à torcida se o jogador dentro de campo é violento?

Saber ganhar e saber perder é um exercício que cada vez mais tem de ser desenvolvido dentro do futebol. Não só no Brasil. Do contrário, por mais que se peça paz aos torcedores, não dar o exemplo dentro de campo é, no mínimo, mostrar que tudo não passou de uma péssima ação de marketing.

Para aqueles que ainda acham que não houve nada demais nas atitudes dos personagens do Sansão, fica o convite a olhar o minuto final da decisão da NBA. LeBron James sofre uma falta dura, cai no chão, levanta, arremessa, cobra o lance livre, converte um ponto e, nem cinco minutos depois, recebe do adversário que cometeu a falta um pedido de desculpas e os parabéns pela conquista do título. Sem empurrões, acusações, reclamações.

Santos e São Paulo deveriam hoje cobrar de seus representantes dentro de campo uma atitude que justificasse o apelo feito à torcida algumas horas antes de a bola rolar no Pacaembu.


O choro, a explosão e o jeito errado de vermos o esporte
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Erich Beting

Pedro Henrique chorou pelo erro cometido em um de seus primeiros jogos como atleta profissional de um clube do tamanho do Corinthians. Getterson foi e depois “desfoi” apresentado como reforço do São Paulo por ter usado, há cinco anos, quando tinha a idade de Pedro Henrique, seu perfil no Twitter para tirar sarro do Tricolor e exaltar o amor que tem pelo Corinthians.

Pedro Henrique foi prontamente consolado por Dátolo quando caiu no choro pela lambança contra o Galo. Pouco depois vieram Robinho e Fred acalmar o defensor corintiano, além de seus amigos do time. Mas foi o meia argentino o primeiro a perceber a necessidade de dar uma palavra a um colega de profissão, rival daquela noite, companheiro para o restante de todas as horas.

Getterson nem teve direito a defesa. Saiu sem nunca ter chegado. E coube a Edgardo Bauza resumir muito bem o lamentável episódio da não-contratação do defensor: “O caso de Getterson não tem explicação lógica”.

Não por acaso, Dátolo e Bauza trazem uma visão diferente sobre o olhar que temos do futebol em relação a nossos vizinhos de fronteira.

Os dois sabem que o rival não é inimigo, que a bobagem de ontem será o aprendizado de amanhã. E que o futebol não pode ser tratado, principalmente, com desrespeito.

Errar é aprender. Mas, no futebol brasileiro, aprendemos errado. Mais do que torcer pelo nosso time, somos incentivados a odiar. Odiar o adversário, que é visto como inimigo. Odiar o árbitro, que é visto como conspirador contra o nosso time. Odiar a mídia, que assim como o árbitro é uma célula infiltrada em nome do inimigo.

Isso não vale só para o futebol. Esporte, no Brasil, é sinônimo de guerra.

Somos incentivados a odiar, mais do que a respeitar e admirar. Não torcemos pelo esporte bem disputado, honesto, justo. Torcemos pela aniquilação do outro, pela vitória nem que tenha de ser honestamente, já que “roubado é mais gostoso”…

Por isso que somos incapazes de ter o olhar de um Dátolo ou um Bauza. Não fomos ensinados a isso. Não respeitamos o adversário. Vemos nele um inimigo que precisa ser aniquilado. Não é a grandeza do rival que nos torna grande, mas a nossa imposição, pela força ou pela arte, sobre o outro.

Getterson é uma vítima desse pensamento. Para ele, não adianta só torcer pelo Corinthians. É preciso menosprezar o São Paulo. O torcedor pensa assim, não é mesmo? A família, os amigos, os clubes e a mídia incentivam isso. Torcer pelo fim do outro, e não pelo bem do esporte.

Teremos, em menos de 50 dias, o evento que tenta ao máximo simbolizar a grandeza do esporte. Os Jogos Olímpicos são feitos de grandes histórias, mais do que de vencedores. Nos comovemos pelo nado cachorrinho de Eric Moussambani em Sydney. Pela não-queda da suíça Gabriele Andersen, 37ª colocada da maratona em Los Angeles-1984. Pelo padre que atropelou Vanderlei em Atenas-2004.

O esporte é feito de respeito às pessoas. Bauza e Dátolo, vindos de uma cultura diferente, sabem enxergar, no oponente, um símbolo de respeito. Getterson e Pedro Henrique, porém, são vítimas de um pensamento que procura primeiro encontrar culpados para o fracasso do que razões para a derrota.

Esse tipo de pensamento só incita o ódio e deturpa o princípio básico do esporte. Temos de aprender com o consolo a Pedro Henrique pelo erro cometido. Ou com a falha de Getterson antes mesmo de se apresentar para jogar num grande clube de futebol.

Rivalidade não é ter um inimigo, mas um adversário. Nem sempre será possível superá-lo, mas a grandeza de um é, necessariamente, a grandeza do outro. Em vez de exaltar o fracasso alheio, é preciso sempre procurar celebrar o próprio sucesso. Só assim encontraremos o caminho para crescer como sociedade.