Negócios do Esporte

Arquivo : setembro 2011

Os pneus ficarão cada vez mais cheios na próxima década
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Erich Beting

Já há pelo menos dois anos que o tema é discutido pelas bandas paulistanas. De que forma a febre das corridas de rua será substituída? Qual será a nova modalidade que alcançará as pessoas?

O espaço deve vir a ser ocupado pelas bicicletas. E, mais uma vez, quem puxa esse trem é a cidade de São Paulo, por ser a mais populosa do país, por ditar também o hábito de consumo do mercado em geral e por gerar as maiores receitas para os envolvidos em lançamentos de produtos. Da mesma forma que a corrida de rua, o foco da bicicleta não é o esporte de alto rendimento, mas sim o lazer, o entretenimento, o hábito de vida mais saudável. E, por isso mesmo, o que ainda hoje pode ser chamado de “moda” deve ser visto em breve como tendência e, posteriormente, realidade.

Prova disso é que, nos próximos dias 29 e 30 de outubro, o americano Lance Armstrong estará no Brasil para um passeio ciclístico. Grande nome do ciclismo mundial, Armstrong virá promover a modalidade no país. O evento reunirá 1500 pessoas para uma palestra com o maior vencedor do Tour de France, sendo que 400 pessoas serão “agraciadas” (mediante pagamento, é claro), com um giro de bike por São Paulo com Armstrong.

A iniciativa dá o tom de como a bicicleta já começa a ocupar um importante lugar na preferência da prática esportiva. Na próxima década, devemos assistir a um salto grande do segmento no país. Passeios ciclísticos começam a ficar cada vez mais recorrentes, ao passo que o inchaço das corridas deverá ter na bicicleta uma válvula de escape para todos aqueles que já se cansaram da popularização das provas de rua.

Armstrong no Brasil é apenas o início desse processo.


As meias verdades de Rosenberg
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Erich Beting

Luis Paulo Rosenberg, diretor de marketing do Corinthians, defendeu a volta do mata-mata para o Campeonato Brasileiro. A entrevista, concedida a Carlos Padeiro e Ricardo Perrone no UOL (leia aqui), propõe uma interessante discussão que o futebol nacional precisa realmente fazer. Mas, para variar, Rosenberg usa do vasto conhecimento que tem para, com meias verdades, induzir os outros a seguirem o caminho que é mais conveniente ao clube paulista.

Na entrevista, o dirigente toca num ponto-chave ao dizer: “Uma modalidade adotada por todos os esportes americanos não pode ser economicamente errada, mas esse é um assunto que você não consegue discutir aqui [no Brasil]”.

O raciocínio de Rosenberg é ótimo, mas não passa da superficialidade que ele mesmo critica ao dizer que a discussão entre mata-mata e pontos corridos é sempre polarizada no Brasil.

Se é para olharmos para o exemplo americano, temos de ver como funciona o modelo de gestão do esporte por lá. Para começar, o formato de disputa da competição é o que menos importa. O fundamento da gestão do esporte ali é que existe sempre uma instância superior ao clube, que é o campeonato. O clube nada mais é do que uma franquia, uma licença para existir concedida pela liga que administra a competição.

A liga é soberana aos clubes e tem total autonomia para impor regras que fortaleçam o campeonato em detrimento da hegemonia de uma ou outra equipe. É por isso que tudo o que diz respeito à competição é negociado pela liga e, depois, repartido entre os clubes. É por isso que existe limite de gasto com salários, restrições para que não sejam montados supertimes, regras para que um clube não ganhe muito mais dinheiro que o outro a partir de negociações de contratos coletivos.

E aí é que entra o maior entrave para o futebol no Brasil poder adotar o modelo americano. É lindo dizer que o campeonato tem de ser em mata-mata ou em pontos corridos. Mas submeter a discussão sobre o que pode ser economicamente mais rentável para o futebol no país à forma de disputa da competição é ficar com meia verdade, sem tocar de fato no ponto que interessa.

Antes de discutirmos o modelo de disputa do campeonato, temos de rediscutir a organização gerencial do futebol nacional. A criação de uma liga nacional que represente clubes, e não o futebol, é ineficiente para mudar o sistema que já existe desde 1989, quando o Brasileirão voltou para as mãos da CBF e o Clube dos 13, em vez de ser uma liga, passou a discutir contratos de alguns clubes.

O mata-mata ou os pontos corridos poderiam representar muito mais dinheiro e serem muito mais democráticos do que são hoje para o futebol. Não podemos, porém, ficar no debate superficial de qual fórmula traria mais receita. É preciso analisar profundamente como está gerenciado o futebol no país para, só depois, saber como desatar os nós criados pelo próprio Corinthians de Rosenberg quando conseguiu convencer os clubes de que era melhor partirmos para uma negociação individual com a TV do que barganhar, em conjunto, pelo mais democrático e rentável a todos os clubes.


Não existe milagre
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Erich Beting

Não foi um milagre. A vitória do Brasil sobre a Argentina e a consequente classificação do país para o basquete em Londres após 16 anos longe dos Jogos Olímpicos é fruto de trabalho. Havia muito tempo que não se dava tanta bola para o basquete no Brasil. Distante das Olimpíadas e, também, dos holofotes da mídia, o esporte precisou chegar ao fundo do poço para começar a se reerguer.

O racha entre CBB e clubes, que teve seu ápice em 2005, foi fundamental para recolocar o esporte nos trilhos.

A vitória de sábado, que recolocou o país no mapa da bola laranja, foi importante para o processo de ressurreição do esporte. Desde que a CBB passou a se preocupar “apenas” com as seleções, ficou menos complicado obter bons resultados. Sim, muito da conquista tem de ser dada a Magnano e aos atletas, mas é também do lado de fora da quadra que se consegue os frutos lá dentro.

O basquete volta a percorrer um caminho para ser mais bem estruturado no país. Teremos, até 2016, a certeza de que a vitrine estará com o produto exposto. Aqui dentro, com a NLB cada vez mais forte e com apoio forte da Globo para crescer, a tendência é que, ainda que de forma claudicante, o esporte consiga aos poucos crescer.

O basquete brasileiro voltou para o caminho a partir do momento em que começou a tentar arrumar os desmandos de seus gestores. Não existe milagre, mas sim trabalho.


O que o acordo Uefa-Globo teria a ensinar ao Brasil
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Erich Beting

A Uefa anunciou hoje a renovação do acordo com a Globo para a transmissão da Liga dos Campeões da Europa (leia aqui). O negócio, válido até 2015, serve de lição para o que poderia ter sido feito na negociação entre clubes e emissoras pelos direitos do Campeonato Brasileiro.

No anúncio feito na manhã desta quinta-feira, a Uefa explica que, até as quartas-de-final, a Band, que sublicenciou os direitos, fará a transmissão da primeira escolha do jogo de quarta-feira. A partir das quartas, Globo e Band dividem a transmissão do jogo que escolherem para a rodada. Além disso, durante a competição, a Globo é obrigada a fazer matérias sobre os jogos, enquanto a Band tem de exibir o pacote com os melhores momentos de cada rodada.

Sim, você não leu errado. As emissoras são obrigadas, por contrato, a fazerem essa entrega editorial dentro da programação.

Foi esse tipo de poder de barganha que os clubes brasileiros jogaram no lixo quando abriram mão da negociação coletiva dos direitos de transmissão do Brasileirão. A Uefa é quem negocia a transmissão da Liga dos Campeões, e não os clubes participantes do torneio. Com isso, o maior interesse é pelo aumento da audiência da competição e, claro, a geração de maior receita com a venda desses direitos.

Por ser a dona dos direitos de transmissão, a Uefa consegue, também, impor as regras para que seja feita a exibição das partidas e, ainda, a entrega editorial de promoção do torneio. Dessa forma, fica muito mais fácil negociar pensando num objetivo comum do que tentando adequar pensamentos e necessidades de mais de uma dezena de equipes.

Sem um pensamento único, os clubes brasileiros perderam o poder de obrigar as emissoras a transmitirem o evento esportivo de maneira que o produto se tornasse melhor. Enquanto a Uefa faz um acordo pensando na ampliação da audiência de seu principal torneio em território brasileiro, os clubes do país simplesmente olham para a necessidade de fluxo de caixa e esquecem de fazer um acordo em que todos consigam sair fortalecidos.

O acordo entre Uefa e Globo bem que poderia ter sido feito há meio ano. Quem sabe assim os clubes do país abririam os olhos a tempo de ver o desserviço prestado para aquilo que há de mais valioso hoje por aqui, que é o Campeonato Brasileiro. Um dos maiores motivos para o sucesso da geração de receitas nos clubes da Europa foi a transformação da Liga dos Campeões num objeto de desejo de consumo de todo o mundo.

Por aqui, pelo menos até 2015, não haverá nem ao menos quem pense num campeonato, de fato, brasileiro.


Stella Artois faz emboscada no Aberto dos EUA de Tênis
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Erich Beting

A reportagem é de Daniel Kaplan, da revista americana Sport Business Journal. A associação de tênis dos Estados Unidos (USTA) foi ignorada num pedido para que a cerveja belga Stella Artois retirasse as campanhas publicitárias feitas nas proximidades de Flushing Meadows, onde acontece o Aberto dos EUA de tênis.

Concorrente direta da Heineken no segmento de cervejas mais sofisticadas, a Stella Artois decidiu adotar o tênis como plataforma de investimento no marketing esportivo. Mas, no principal torneio de tênis em solo americano, a concorrente holandesa é quem detém o patrocínio do evento.

A solução dos publicitários da marca foi criar uma associação mais do que direta da Stella com o tênis e, assim, indiretamente ela se ligou ao Aberto dos EUA. O marketing de emboscada, no caso, foi perfeito. E serve de exemplo para o “Brasil do Esporte” nos próximos anos. Com a realização de cada vez mais eventos esportivos no país, a tendência é que as empresas que não conseguirem patrocinar a competição acabem buscando a emboscada para se comunicar com o público.

Os cliques abaixo, de autoria de Kaplan, revelam a inteligência da campanha e, também, o quão complicado será para o esporte se proteger das práticas de emboscada.


A morte da São Silvestre
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Erich Beting

A São Silvestre morreu. A prova de rua mais tradicional das Américas perdeu o último charme que existia e que ajudou a fazer dela o maior fenômeno das corridas de rua das Américas antes mesmo de o esporte ser a potência que é hoje.

A decisão da Yescom, organizadora da prova, de tirar a chegada da corrida da Avenida Paulista foi o maior tiro no pé da competição desde que ela já havia deixado de ser disputada à noite. Na época, porém, a justificativa era aceitável. A corrida noturna comprometia a logística da festa de Reveillón em São Paulo e afastava atletas de ponta bem como a transmissão pela TV. Em troca desses benefícios, mudou-se a largada para o período da tarde, com uma multidão de pessoas e TV Globo ao vivo. Se não era mais tão charmosa, pelo menos a prova continuava a ser o “gran finale” de ano para muitos dos corredores.

Mas agora aquilo que sempre se ensaiava, mas nunca se fazia, aconteceu. No final do ano passado, conversando com Thadeus Kassabian, dono da Yescom, ele falou que estava cada vez mais convencido de que a solução seria tirar a chegada da Avenida Paulista. A mudança era o caminho encontrado por ele para adequar os mais de 20 mil corredores, que se aglomeravam pós-prova com o público que chegava para a festa noturna na Paulista.

Achei que, mais uma vez, aquele projeto sem o menor sentido não fosse vingar. Afinal, um dos grandes baratos (se não o maior) da prova era terminar a subida da Brigadeiro e apontar na avenida Paulista para cruzar a linha de chegada em frente ao prédio da Gazeta, criadora da prova, lá nos anos 30. Sempre foi assim, não tinha sentido deixar de ser.

A maior preocupação da Yescom era com o conforto do seu corredor, cansou de argumentar Thadeus durante o almoço em que foi bombardeado pela imprensa por outra medida que havia sido adotada na edição de 2010.

A Yescom criou a absurda premiação pré-prova. O corredor já ganhava a medalha de participação ao retirar o kit para a corrida de 2010!!!! O motivo?

“Segurança e conforto do corredor”, nas palavras de Thadeus.

A decisão já mostrava uma tacanha visão de gerenciamento de eventos do organizador. Em vez de criar o conceito de que a prova dele é o que há de mais legal no esporte (e, com isso, o corredor não se preocupe em pagar mais pelo produto), a organização tenta ganhar na margem de inscritos, e não na qualidade da prova. Confunde-se o grande volume de participantes com sinônimo sucesso de evento. A tal da “segurança” vira a desculpa para não dizer o básico. “Não quero diminuir a minha margem de lucro ao reduzir o número de participantes e dar a eles o melhor tratamento para uma corrida”.

No acordo em que faz com a Globo para a realização da São Silvestre, a Yescom fica com a receita das inscrições de atletas e com a venda de cotas menores de patrocínio. Em busca do aumento da receita, a empresa tenta colocar o maior número possível de participantes. Há, claro, um limite nas inscrições. Atualmente são 21 mil inscritos para a corrida. A ideia original era tentar mover o palco do Reveillón na Paulista e ampliar a São Silvestre para 30 mil inscritos, mantendo-se o percurso original.

Com a falta de sucesso da empreitada de mudança do Reveillón, a decisão foi adotar o caminho mais simples: deixar a tradicional linha de chegada de lado e partir para um novo trajeto. Isso significa, na visão da Yescom, mais gente na prova e mais dinheiro no bolso. É a aplicação de um conceito absolutamente torto do que representa a satisfação do cliente e, mais do que isso, da valorização do evento.

E olha que não é falta de conhecimento do que é organizar evento de corrida de rua. A Yescom organiza algumas das principais provas da modalidade no país. Volta da Pampulha, Meia Maratona do Rio de Janeiro, Maratona de São Paulo…

O que parece, porém, é que a empresa preocupa-se muito mais com o resultado financeiro da prova em detrimento do grau de satisfação do corredor. Tanto que, em todas essas outras provas, ela criou uma “Inscrição VIP”. O atleta amador que pagar um valor quase cinco vezes maior do que a inscrição normal pode largar sem ser com o “povão”, partindo junto com os principais atletas e tendo o benefício de não ter de dividir a pista com muita gente, o que atrapalha a velocidade da prova. É como se fosse criada uma rua pedagiada e com menos trânsito para quem, desde que tenha dinheiro, não deseje sofrer com o excesso de carros.

A satisfação do cliente só serve para o caso de ele ter dinheiro…

Era muito simples resolver o problema da São Silvestre. Aumentava-se o valor da inscrição, diminuia-se o número de inscritos e criava-se toda uma expectativa nas pessoas de garantir o tão desejado lugar na prova de rua mais tradicional da América do Sul. Com isso, tem menos gente e um melhor serviço para o corredor que conseguir mais rapidamente adquirir a sua vaga na prova.

Isso não significa tornar a corrida elitista, mas simplesmente aplicar o conceito de oferta e procura que rege o mercado capitalista. Para conseguir a vaga, tem de chegar antes.

É assim que fazem as grandes maratonas do mundo, como Boston e Nova York, mais antigas e tradicionais e que resistiram ao crescimento do mercado de corridas fazendo de suas provas as mais cobiçadas do mundo. Há fila de espera de gente interessada em pegar um lugar para correr em Nova York. Em Boston, é preciso índice técnico para competir.

A São Silvestre conseguia reunir excelentes qualidades daquilo que há de mais difícil para um evento esportivo. Tradição, data fixa de realização (o que permite a organizadores e atletas fazer todo um planejamento), cobertura de mídia e ser um objeto de desejo do consumidor.

Prova de rua existe mais de uma a cada final de semana ou feriado na cidade de São Paulo. Mas nenhuma é A São Silvestre. Aquela que fecha o ano, que encerra um ciclo, que representa uma conquista pessoal para o corredor.

Por tudo isso, é fácil você organizar a prova com 15 mil pessoas pagando o dobro do que é pago hoje pela inscrição. Haverá fila de espera, vai ter gente desesperada para comprar o direito de participar dessa prova, o organizador conseguirá entregar um produto melhor, assim como a televisão, e o corredor sem dúvida se sentirá mais privilegiado em participar de um evento que começa a ser “restrito”.

Um dos maiores segredos do negócio no esporte é saber preservar a tradição dos tempos em que o dinheiro não importava tanto para o evento acontecer. Isso faz com que a competição seja ainda mais desejada e, consequentemente, ainda mais cobiçada por público, mídia e patrocinadores.

Mas a São Silvestre morreu. A tradição que fazia dela um dos maiores objetos de desejo do corredor foi sepultada. Resta saber se a organização vai perceber que, às vezes, ter menos é conseguir mais.

São Silvestre morreu. A prova de rua mais tradicional das Américas perdeu o último charme que existia e que ajudou a fazer dela o maior fenômeno das corridas de rua das Américas antes mesmo de o esporte ser a potência que é hoje.

A decisão da Yescom, organizadora da prova, de tirar a chegada da corrida da Avenida Paulista foi o maior tiro no pé da competição desde que ela já havia deixado de ser disputada à noite. Na época, porém, a justificativa era aceitável. A corrida noturna comprometia a logística da festa de Reveillón em São Paulo e afastava atletas de ponta bem como a transmissão pela TV. Em troca desses benefícios, mudou-se a largada para o período da tarde, com uma multidão de pessoas e TV Globo ao vivo. Se não era mais tão charmosa, pelo menos a prova continuava a ser o “gran finale” de ano para muitos dos corredores.

Mas agora aquilo que sempre se ensaiava, mas nunca se fazia, aconteceu. No final do ano passado, conversando com Thadeus Kassabian, dono da Yescom, ele falou que estava cada vez mais convencido de que a solução seria tirar a chegada da Avenida Paulista. A mudança era o caminho encontrado por ele para adequar os mais de 20 mil corredores, que se aglomeravam pós-prova com o público que chegava para a festa noturna na Paulista.

Achei que, mais uma vez, aquele projeto sem o menor sentido não fosse vingar. Afinal, um dos grandes baratos (se não o maior) da prova era terminar a subida da Brigadeiro e apontar na avenida Paulista para cruzar a linha de chegada em frente ao prédio da Gazeta, criadora da prova, lá nos anos 30. Sempre foi assim, não tinha sentido deixar de ser.

A maior preocupação da Yescom era com o conforto do seu corredor, cansou de argumentar Thadeus durante o almoço em que foi bombardeado pela imprensa por outra medida que havia sido adotada na edição de 2010.

A Yescom criou a absurda premiação pré-prova. O corredor já ganhava a medalha de participação ao retirar o kit para a corrida de 2010!!!! O motivo?

“Segurança e conforto do corredor”, nas palavras de Thadeus.

A decisão já mostrava uma tacanha visão de gerenciamento de eventos do organizador. Em vez de criar o conceito de que a prova dele é o que há de mais legal no esporte (e, com isso, o corredor não se preocupe em pagar mais pelo produto), a organização tenta ganhar na margem de inscritos, e não na qualidade da prova. Confunde-se o grande volume de participantes com sinônimo sucesso de evento. A tal da “segurança” vira a desculpa para não dizer o básico. “Não quero diminuir a minha margem de lucro ao reduzir o número de participantes e dar a eles o melhor tratamento para uma corrida”.

No acordo em que faz com a Globo para a realização da São Silvestre, a Yescom fica com a receita das inscrições de atletas e com a venda de cotas menores de patrocínio. Em busca do aumento da receita, a empresa tenta colocar o maior número possível de participantes. Há, claro, um limite nas inscrições. Atualmente são 21 mil inscritos para a corrida. A ideia original era tentar mover o palco do Reveillón na Paulista e ampliar a São Silvestre para 30 mil inscritos, mantendo-se o percurso original.

Com a falta de sucesso da empreitada de mudança do Reveillón, a decisão foi partir para o caminho mais simples, deixar a tradicional linha de chegada de lado e partir para um novo trajeto. Isso significa, na visão da Yescom, mais gente na prova e mais dinheiro no bolso, mas com um conceito absolutamente torto do que é satisfação do cliente e, mais do que isso, da valorização do evento.

Era muito simples resolver o problema da São Silvestre. Aumenta-se o valor da inscrição, diminui-se o número de inscritos e cria-se toda uma expectativa nas pessoas de garantir o tão desejado lugar na prova de rua mais tradicional da América do Sul.

Nem é novidade aplicar esse conceito.

É assim que fazem as grandes maratonas do mundo, como Boston e Nova York, mais antigas e tradicionais e que resistiram ao crescimento do mercado de corridas fazendo de suas provas as mais cobiçadas do mundo. Há fila de espera de gente interessada em pegar um lugar para correr em Nova York. Em Boston, é preciso índice técnico para competir.

A São Silvestre conseguia reunir excelentes qualidades daquilo que há de mais difícil para um evento esportivo. Tradição, data fixa de realização (o que permite a organizadores e atletas fazer todo um planejamento), cobertura de mídia e ser um objeto de desejo do consumidor.

Prova de rua existe mais de uma a cada final de semana ou feriado na cidade de São Paulo. Mas nenhuma é A São Silvestre. Aquela que fecha o ano, que encerra um ciclo, que representa uma conquista pessoal para o corredor.

Por tudo isso, é fácil você organizar a prova com 15 mil pessoas pagando o dobro do que é pago hoje pela inscrição. Haverá fila de espera, vai ter gente desesperada para comprar o direito de participar dessa prova, o organizador conseguirá entregar um produto melhor, assim como a televisão, e o corredor sem dúvida se sentirá mais privilegiado em participar de um evento que começa a ser “restrito”.

Um dos maiores segredos do negócio no esporte é saber preservar a tradição dos tempos em que o dinheiro não importava tanto para o evento acontecer. Isso faz com que a competição seja ainda mais desejada e, consequentemente, ainda mais cobiçada por público, mídia e patrocinadores.

Mas a São Silvestre morreu. Pelo menos morreu aquela prova que fazia o sonho de muitos brasileiros ao ter seu término na principal avenida da maior cidade do país.


Naturalmente a janela ficou fechada no Brasil
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Erich Beting

Era de se esperar. Tivemos, em 2011, o menor movimento de saída de jogadores do Brasil para o exterior nos últimos anos. Apenas Johnatan (ex-Santos, que foi para a Internazionale) e Lucas Piazon (ex-São Paulo, que há meses já estava no Chelsea) rumaram para grandes clubes do exterior. No final, o saldo da balança foi “favorável”. Importamos mais nomes de peso do que deixamos sair de atletas mais renomados.

O movimento era mais do que natural. Com mais dinheiro nos clubes do Brasil, com o real fortalecido em relação às moedas estrangeiras e com um horizonte de Copa do Mundo a ser disputada no país, os jogadores já não têm tanto a necessidade de jogar no exterior tão logo comecem a desfilar nos gramados brasileiros.

Mas a pergunta que não quer calar: isso é uma tendência ou uma exceção?

Particularmente vejo como exceção. Pelo menos da maneira como hoje é gernciado o futebol brasileiro, a tendência é que o jogador continue a querer atuar no exterior, mesmo com a possibilidade de ganhar um bom dinheiro permanecendo no Brasil. E o motivo é a falta de transformação do futebol brasileiro em um produto.

O que mais seduz um jogador para atuar no exterior atualmente não é o dinheiro, mas a qualidade do futebol no exterior. A comparação entre a qualidade de uma partida da Liga dos Campeões da Europa com uma da Copa Santander Libertadores é cruel. Da mesma forma, quando analisamos a produção do Campeonato Brasileiro com a de um torneio de alto nível na Europa, como o Campeonato Inglês ou o Alemão, o abismo fica ainda maior.

Isso sem falar no que deixa de ser oferecido ao cliente, seja ele o torcedor ou o próprio jogador, dentro da arena de jogo. Estádios obsoletos, gramados com qualidade ruim, péssimas condições de conforto e segurança, horários proibitivos para início e término de partida são alguns dos motivos que fazem o futebol no Brasil, mesmo com uma verba que possa competir com o da Europa, muito menos atrativo para o jogador.

A grande diferença, hoje, é que a realidade econômica do país permite que o jogador escolha mais onde quer trabalhar. Quando a verba voltar a ser maior na Europa, porém, a balança voltará a ser desfavorável.

O maior artigo de exportação do futebol brasileiro ainda é o pé-de-obra. Continuamos a ver os clubes como vitrine para o exterior, e não como o produto em si. Enquanto acharmos que somos vitirne, mas não produto, a janela continuará aberta. Alguns anos com mais saída de talentos, em outros com menos.

A melhor hora para mudar esse conceito é agora. Para isso, porém, é preciso acabar com a ideia de que os clubes são maiores do que as competições que eles disputam. Dinheiro e condição econômica para isso existe. Resta acabar com as paixões clubísticas em torno de algo maior. E aí é o grande abismo que nos separa das principais competições esportivas de todo o mundo.